Por que usamos o “X” como símbolo para incógnitas na matemática

Há séculos o x tem sido o símbolo preferido para representar incógnitas nas equações matemáticas. Mas quem começou com isso? A álgebra nasceu no Oriente Médio durante a era de ouro da civilização islâmica medieval (entre 750 e 1258 d.C.) e sua forma original pode ser vista no trabalho de Muhammad Al-Khwarizmi e seu livro […]

Há séculos o x tem sido o símbolo preferido para representar incógnitas nas equações matemáticas. Mas quem começou com isso?

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A álgebra nasceu no Oriente Médio durante a era de ouro da civilização islâmica medieval (entre 750 e 1258 d.C.) e sua forma original pode ser vista no trabalho de Muhammad Al-Khwarizmi e seu livro do século IX, Kitab al-jabr wal-muqabala (al-jabr, mais tarde, se transformou em “álgebra” no ocidente). Nessa época, as leis e cultura muçulmanas se expandiram até a Península Ibérica, onde os mouros incentivavam o estudo de ciências e matemática.

Ok, mas o que isso tem a ver com a letra “x” na matemática? Em uma palestra recente no TED, o diretor da The Radius Foundation, Terry Moore, postulou que o uso do “x” dessa forma começou com a incapacidade das escolas espanholas em traduzir certos sons arábicos, incluindo a letra “sheen” (ou “xiz”). De acordo com Moore, a palavra para “coisa desconhecida” em arábico é al-shalan e ela aparecia muitas vezes nos primeiros trabalhos em matemática. (Por exemplo, você poderia ver “três coisas desconhecidas é igual a 15”, com a “coisa desconhecida” sendo, então, 5.)

Como o espanhol não tinha um som correspondente ao “sh”, eles foram com o som de “ck”, que em grego clássico é escrito com o símbolo chi, “X”. Moore teoriza, como muitos antes dele, que quando isso foi traduzido ao latim, bem depois, o chi (“X”) foi substituído pelo “x” latino, mais comum. Isso é parecido com como “Xmas” no inglês, que significa “Christmas”, e veio da prática comum de escolas religiosas em usar a letra chi (“X”) grega como abreviação para “Christ”.

O principal problema com a explicação de Moore é que não existe evidência documental direta que a apoie. Especulativamente, as pessoas que traduziam os trabalhos não ligavam muito para fonética, mas mais para o significado das palavras. Então se eles tivessem um “sh” ou não, um tradutor da época encararia isso como irrelevante. Apesar da falta de evidências e das falhas no argumento, essa segue como uma teoria de origem bastante popular, mesmo na academia. (Faça uma pesquisa rápida no Google e você encontrará um punhado de doutores em matemática embasando essa teoria.)

A edição 1909-1926 do Dicionário Webster, entre outros, reforça uma teoria similar, embora ateste que a palavra arábica para a “coisa” singular, “shei”, foi traduzida para o grego como ”xei” e, depois, abreviada para “x”. O Dr. Ali Khounsary nota, ainda, que a palavra grega para desconhecido, xenos, também começa com x, e a convenção pode ter sido simplesmente fruto da abreviação. Aqui, novamente, há uma falta de qualquer evidência documental para embasar tais teorias.

Tratando-se de teoria documentada, voltamo-nos ao grande filósofo e matemático René Descartes (1596-1650). É bem possível que Descartes não tenha tido a ideia da prática de usar o “x” para o desconhecido, talvez a tenha tomado emprestada de alguém, mas considerando as evidências documentais que sobreviveram até os dias de hoje, ele parece ser o criador da prática, como informa o Dicionário Oxford da língua inglesa e o trabalho fenomenal de Florian Cajori, Uma História das Notações Matemáticas (1929). No mínimo, Descartes ajudou a popularizar o uso do “x” na matemática.

Em seu maior trabalho, La Géométrie (1637), Descartes solidificou o movimento da notação simbólica instituindo a convenção de uso de letras minúsculas do começo do alfabeto para quantias conhecidas (a, b, c) e as da outra ponta do alfabeto para as desconhecidas (z, y, x).

Por quê? E por que o “x” tem mais peso que o “y” e o “z”? Ninguém sabe. Especula-se que a dominação do x ser usado mais do que o y ou o z para quantias desconhecidas nesse trabalho tenha a ver com a tipografia; uma das histórias diz que foi a gráfica/editora que sugeriu a Descartes o “x” como principal letra para incógnitas em La Géométrie porque essa era a letra menos usada e, portanto, a que tinha mais blocos de letras disponíveis para serem usados. Verdade ou não, Descartes usava o x desde 1629, no mínimo, em vários manuscritos, bem antes de La Géométrie. E, fato, parece que ele não tinha regras muito rígidas quanto ao uso de x, y e z para indicar incógnitas. Em alguns manuscritos da época, ele usou essas três letras para representar quantias conhecidas, aumentando ainda mais as dúvidas sobre as teorias listadas acima.

No fim, ao que tudo indica, Descartes apenas escolheu arbitrariamente as letras para representar diferentes coisas em seus trabalhos de acordo com a conveniência e calhou de em seu trabalho mais importante, La Géométrie, ele ter decidido especificar nomenclaturas, talvez, por mero capricho.

Qualquer que seja o caso, como nas notações para potências (x3) de Descartes, depois da publicação de La Géométrie, o uso do x como uma incógnita principal (bem como a tradição mais geral de a, b e c para quantias conhecidas, x, y e z para desconhecidas) começou a pegar gradualmente. E o resto, como dizem, é história da matemática.

Bônus:

  • O sinal de igual (“=”) foi inventado em 1557 pelo matemático galês Robert Recorde, que estava cansado de escrever “é igual a” em suas equações. Ele escolheu duas linhas paralelas porque “nenhuma outra dupla poderia ser mais idêntica.”
  • Outros símbolos primitivos usados para representar incógnitas na matemática antes do trabalho de referência de Descartes incluem o Trattato di praticha d’arismetrica de 1463, escrito por Benedetto de Florença, onde ele usou a letra grega rho (\rho); a Arithmetic integra de 1544, escrito por Michael Stifel, onde ele usou q (de “quantita”), bem como A, B, C, D e F; e o sistema de Francois Vieta no final do século onde ele usava vogais para incógnitas e consoantes para constantes, entre outras.
  • No inglês moderno, o x é a terceira letra menos usada, ocorrendo apenas em 0,15% de todas as palavras. A letra menos usada é o z. (Imagine no português!)
  • Os radicais de “algoritmo” e “algarismo” vêm de nada menos que o nome de al-Khwarizmi’. Se você distorcer levemente o nome quando o pronunciar, verá a ligação.
  • O volume matemático de uma pizza é pizza. Assim: se z = raio da pizza e a = a altura, então Π * raio2* altura = Pi * z * z * a = Pizza.
  • Como mencionado, La Géométrie foi um trabalho divisor de águas. Nele, Descartes introduziu a ideia que no fim virou as coordenadas cartesianas; isso inclui as ideias de duas linhas perpendiculares chamadas eixos, chamando a horizontal de x e a vertical, y, e também designando o ponto de interseção como a origem. A Descartes também é creditada uma das frases mais famosas do mundo ocidental: “Cogito ergo sum” (“Penso, logo existo.”)
  • Dito isso, embora Descartes seja famoso pela noção de “penso, logo existo”, ele não foi o primeiro a expressar tal ideia. Por exemplo, Aristóteles disse algo parecido em Nicomachean Ethics, “Mas se a vida em si mesma é boa e agradável (…)e se o homem que vê percebe que vê, e o que ouve percebe que ouve, e o que anda percebe que anda, e igualmente em todas as outras atividades há também alguma coisa que per­cebe que estamos em atividade, de modo que, se percebemos, percebemos que percebemos, e, se pensamos, percebemos que pensamos; e se perceber que percebemos ou pensamos é perceber que existimos…” Claro, “Eu penso, logo eu sou” é bem mais sucinto.
  • Muhammad Al-Khwarizmi foi um dos primeiros diretores da Casa do Saber de Bagdá. Tendo supervisionado as traduções de importantes trabalhos matemáticos e astronômicos indianos e gregos, Al-Khwarizmi se tornou um defensor da adoção do sistema numérico indiano (1 a 9, mais 0) e o pai da álgebra. Com a publicação do Livro Compêndio sobre Cálculo por Restauração e Balanceamento, Al-Khwarizmi introduziu o uso da análise abstrata na solução de problemas (embora com palavras, em vez de notações simbólicas). Ele também trouxe o método algébrico da redução (reescrevendo a expressão de formas cada vez mais simples, porém equivalentes), bem como o do balanceamento (fazer as mesmas coisas em cada lado da equação – novamente, tornando-a mais simples).

Foto do topo por World Bank sob Creative Commons.

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