Seus olhos podem estar cobertos de bactérias que combatem doenças
Se os olhos são janelas para a alma, eles são janelas abertas, potencialmente deixando entrar todos os tipos de doenças. Para garantir que isso não aconteça, nossas lágrimas são carregadas de células imunes e compostos que matam bactérias. Na verdade, nossos olhos são tão inóspitos que há muito tempo imaginávamos que eles eram as únicas partes dos nossos corpos que não tinham uma comunidade bacteriana simbiótica. Mas, agora, cientistas encontraram evidências de um antes inimaginável microbioma ocular, e ele pode ajudar a afastar doenças.
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Em um artigo publicado nesta terça-feira (11) no periódico Immunity, um time internacional de cientistas detalhou uma bactéria benéfica descoberta vivendo nos olhos de ratos que ajuda a lutar contra espécies que causam conjuntivite. Embora esse estudo tenha sido feito em animais, espécies relacionadas de bactérias foram encontradas em olhos humanos.
Nós costumávamos considerar a superfície do olho uma terra desolada bacteriana, sendo que todas as outras partes dos nossos corpos que entram em contato com o mundo externo, da nossa pele aos nossos estômagos e às nossas narinas, são lar de uma diversificada flora microbiana. Esses microbiomas são umas das primeiras linhas de defesa contra patógenos em potencial, trabalhando com o sistema imune dos nossos corpos para lutar contra infecções. É um pouco estranho que apenas os olhos não tenham uma comunidade bacteriana.
Então, em anos recentes, houve um crescimento de pesquisas visando descobrir o microbioma ocular escondido. Amostras dos olhos, especialmente da conjuntiva — a membrana que cobre a frente dos nossos globos oculares e o interior das nossas pálpebras —, foram testadas como positivas para DNA de muitas espécies diferentes de bactéria. Mas encontrar DNA não é a mesma que encontrar bactérias residentes.
“As pessoas têm encontrado DNA bacteriano no olho humano, mas ninguém apresentou prova experimental de que essas bactérias realmente vivem lá”, disse a coautora principal Rachel Caspi, imunologista do National Eye Institute, em um comunicado. “Até onde sabemos, essas bactérias podem ter ‘aterrissado acidentalmente’ no olho e foram mortas pelos agentes antimicrobianos nas lágrimas ou pelas células imunes.”
Para confirmar que certos micróbios realmente chamam os olhos de suas casas, os cientistas precisam demonstrar bactérias vivas. Assim, uma equipe de pesquisadores limpou os olhos dos ratos e esfregou as amostras em placas de Petri para ver o que cresceria. A maioria das placas ficaram brancas, mas uma foi acidentalmente deixada por uma semana em uma incubadora com oxigênio. Quando os pesquisadores perceberam seu erro e foram limpar a placa esquecida, eles encontraram pequenas amostras de uma bactéria de crescimento lento, que eles afirmam ser a primeira espécie confirmada do microbioma ocular das cobaias.
A espécie foi identificada como Corynebacterium mastitidis, uma bactéria conhecida por viver na pele humana. No entanto, a bactéria parecia um pouco estranha, crescendo em fios finos, chamados de filamentos, distintos da sua forma comum de haste. A equipe sugeriu que isso pode ser devido ao estresse, embora eles não tenham executado experiências para determinar isso conclusivamente. É possível que essas bactérias achem o ambiente do olho um pouco hostil, mesmo que possam sobreviver nele.
“Nós sabemos que a C. mastitidis deve ser um ‘residente permanente’, em oposição a um ‘convidado’, porque deve ser instilado no olho, ou adquirido da mãe na infância”, disse Anthony St. Leger, autor principal do estudo e pesquisador de pós-doutorado no National Institutes of Health. “Não se transfere de um rato adulto para outro na mesma gaiola, mesmo depois de semanas de co-habitação.”
Ao remover e estudar a C. mastitidis residente de alguns camundongos, os cientistas demonstraram que sua presença ajudou a prevenir infecções oculares. Lágrimas de ratos com C. mastitidis foram mais letais para as estirpes patogênicas dos fungos Candida albicans e bactérias Pseudomonas do que as lágrimas de ratos que não possuíam bactérias.
Os cientistas acham que a bactéria desempenha um papel benéfico ao ativar caminhos imunológicos que mantêm o olho inundado com agentes antimicrobianos e células imunes que matam os patógenos. A ideia veio de uma estirpe especial de camundongos que não possuem a molécula imune IL-17. Sem isso, as cobaias são propensas a infecções bacterianas oculares desagradáveis, o que conhecemos como conjuntivite. Os cientistas formularam a hipótese de que a IL-17 é uma peça chave na defesa ocular e se perguntaram se as bactérias que vivem no olho podem desencadear a ativação da molécula. Em experimentos de cultura de tecidos, eles mostraram que a C. mastitidis induz produção de IL-17 em células imunes oculares. E quando os ratos que não tinham as bactérias foram inoculados, começaram a produzir mais IL-17 e tornaram-se resistentes às infecções oculares.
Há muito mais para aprender sobre esse relacionamento simbiótico. Não está claro como a C. mastitidis sobrevive às condições inóspitas da conjuntiva. E como ela persiste frente ao ataque desencadeado por IL-17, que mata as espécies patogênicas, é desconhecido. Nem os cientistas sabem ainda como a bactéria vai parar nos olhos.
Mas, armados com o conhecimento de que essas bactérias existem, eles agora podem reexaminar os olhos humanos em busca de espécies similarmente úteis. Compreender a microbiota do olho não só promove a nossa compreensão de nossos corpos, mas pode levar a novas ideias para tratar a conjuntivite. E a equipe espera que eles encontrem muito mais do que apenas Corynebacterium vivendo em nossos globos oculares. “Nós não pensamos que C. mast seja o único comensal. Esta é uma prova de conceito”, disse Caspi. “Não há dúvida em nossas mentes de que outros comensais também serão encontrados na superfície ocular.”
Christie Wilcox é escritora de ciência, autora de ‘Venomous: How Earth’s Deadliest Creatures Mastered Biochemistry’ e nerd de biologia em geral. Sigam-na no Twitter.
Imagem do topo: Pete/Flickr Creative Commons