É uma cilada, Bino: como fazer os carros autônomos serem mais confiáveis
Já que somos todos amigos aqui na internet, deixa eu te contar um pequeno segredo: eu odeio dirigir. Eu dirijo muito devagar, mudo de faixas bruscamente, e a ideia de ter que enfrentar uma rodovia faz meu coração acelerar um pouquinho, só de ter que escrever isso. Não sou boa motorista e nunca fui.
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Tudo isso provavelmente me faz uma apoiadora entusiasta das tecnologias de carros autônomos que estão surgindo. E, ainda assim, quando eu sentei no banco traseiro de um Audi autônomo equipado com a última tecnologia da Intel e Delphi para um test-drive, eu estava cheia de desconfiança e suspeitas. Se meu motorista fosse um humano, provavelmente ficaria admirada e com inveja do fato do veículo manter uma velocidade perfeita e ter dado o sinal antes de cada curva. Em vez disso, quando ele mudou de faixa uma vez de forma abrupta antes de uma curva à direita, comentei com meu guia do tour que a corrida foi muito irregular. O carro definitivamente se saiu um motorista melhor, melhor daquilo que jamais serei. Mas, pelo preço de colocar a minha confiança numa máquina, a experiência não pareceu boa o suficiente.
Pegando uma carona
Na quarta-feira, na sede da Intel em San José, a companhia abriu as portas do seu novo centro de pesquisa para carros autônomos aos jornalistas e mostrou o primeiro de uma série de 40 BMW 7 Series que se dirigirão sozinhos e que algum dia vai se juntar às frotas de carros autônomos que estão nas vias na área da baía de São Francisco. A Intel está desenvolvendo as plataformas computacionais para os carros em parceria com a empresa de tecnologias automotivas Delphi e a Mobileye, que faz sistemas de visão para esse tipo de carro.
A Intel quer ser o cérebro dentro de cada veículo autônomo disponível. Durante o evento, eles demonstraram as últimas tentativas de superar os diversos obstáculos tecnológicos para colocar um carro que dirige sozinho nas ruas, incluindo os esforços para desenvolver uma rede 5G genuína que transfira quantidades enormes de dados dos sensores entre os carros e a nuvem, para fazer um sistema de deep learning eficiente energeticamente e mapas que se alterem em tempo real para dar aos veículos a habilidade de ver mais do que os seus sensores permitem.
Por mais complicado que pareça, pessoas como eu podem representar um obstáculo ainda maior para a adoção generalizada da tecnologia. Sou uma repórter focada em tecnologia, conheço os números. Mais de 30 mil pessoas morrem nas ruas todos os anos nos Estados Unidos, e a maioria dessas mortes é atribuída a erros humanos. Diferentemente de um computador, não conseguimos deixar de mexer no rádio ou dar uma olhadinha numa mensagem que chegou no celular. E, mesmo assim, quando eu percebi que o motorista que tinha pilotado o Audi autônomo pelo estacionamento tinha tirado as mãos do volante, eu fiquei assustada. Cada mexida do carro era um sinal de alerta infalível de que eu estava a caminho de uma morte precoce nas mãos de um operador invisível.
A maioria dessas 30 mil mortes não estampa as manchetes. Mas cada um dos poucos incidentes envolvendo veículos autônomos estampa – mesmo quando o carro autônomo não foi o culpado.
“A indústria tem muitos problemas tecnológicos para resolver”, comentou comigo Matt Yurdana, diretor criativo do Grupo de Experiências de Internet das Coisas da Intel. “Mas tão importante quanto isso são as interações com as pessoas. Como as pessoas se sentem confortáveis, psicologicamente, dentro de um desses carros?”
Em outras palavras, se você vai entrar num carro, você terá que confiar nele primeiro. Assim como muitos medos, nossos medos sobre os veículos autônomos provavelmente são ilógicos. Mas eles ainda estão lá.
Interfaces que constroem confiança
Você já deve ter visto um carro autônomo do Google ou do Uber antes. Eles são estranhos, com todos os tipos de sensores proeminentes e com o porta malas cheio de equipamentos. O carro autônomo do Audi que eu peguei não tinha nada disso. Seus 26 sensores estavam todos incorporados ao carro de uma forma que você não os percebesse, a não ser que olhasse diretamente para eles. E seu porta malas estava livre de qualquer peça computacional. E, mais importante, no lugar do display GPS no painel, tinha uma tela que mostrava exatamente o que o carro estava vendo. Sua trajetória ficava destacada, para visualizar com facilidade a rota planejada. Se o carro fosse virar para a direita, um pisca aparecia na parte direta da tela. Se ele estava parado num semáforo, o farol aparecia no display, junto com outros em seu campo de visão que ficavam com uma aparência mais transparente para que você pudesse confiar que o carro estava lendo o semáforo certo.
O Audi autônomo. Imagem: Intel
A ideia aqui é tornar as ações do carro mais transparentes – transformá-lo em algo que os consumidores entendam, em vez de uma máquina opaca e misteriosa.
O projeto piloto do Uber foi por um caminho similar, testando a quantidade de informações sobre o carro que é preciso dar para o consumidor para que ele se sinta seguro. Outros carros autônomos, por sua vez, parecem esperar que a mágica da tecnologia te encante o suficiente para ganhar sua confiança. O interior minimalista do protótipo de carro do Google não tinha nem mesmo um volante, muito menos uma interface de usuário que informasse ao passageiro o que o computador estava fazendo. E, sem surpresas, a companhia abandonou essa visão e agora está testando veículos que possuem um visual mais comum, porque esse modelo de carro de brinquedo só funcionava internamente. Nas ruas, a história é diferente.
A Intel não está realmente interessada em desenhar interfaces de usuário para carros que sejam agradáveis para os consumidores. Mas Yurdana me disse que a empresa quer entender como fazer as melhores interfaces máquina-humano para que possa desenvolver as tecnologias que deem suporte para isso. O grupo de Yurdana está focado na pesquisa e na realização de protótipos de diferentes interfaces máquina-humano para ajudar seus parceiros a resolver problemas de confiança do consumidor. Eu contei para ele sobre minha experiência no Audi autônomo, em que me senti menos segura do que quando eu mesma estava dirigindo, muito embora o veículo fosse um motorista mais habilidoso.
“É porque você não tinha o controle”, disse ele.
Fazer os consumidores se sentirem confortáveis, comentou, em parte vai estar enraizado na ideia de oferecer algum controle. Ele demonstrou para mim um protótipo de um aplicativo hipotético para chamar com Uber ou Lyft autônomo. A partir do aplicativo, o carro permitia selecionar opções como mostrar a identificação para encontrá-lo com mais facilidade numa rua movimentada. Quando ele chegasse, meu nome seria colocado na janela, e ele exigiria que eu destravasse a porta pelo aparelho. Uma vez que eu estivesse no carro, teria que entrar com um código PIN e então segurar um botão dizendo para “Ir”, durante quatro segundos. Uma vez que a corrida começasse, o veículo me manteria a par do caminho e de quaisquer mudanças, não apenas na tela do celular, mas também nas outras telas dentro do carro. Tudo dizia respeito à comunicação – permitir que o veículo comunicasse suas ações para mim, me dando opções para interagir de volta.
A interface para um aplicativo de caronas hipotético. Imagem: Intel
Yurdana disse que um sistema de comunicação redundante será vital para que as pessoas embarquem. O carro deve informar o passageiro sobre tudo o que está fazendo de múltiplas maneiras, por meio de várias telas. A companhia planeja testar o sistema em breve com as pessoas e então receber um feedback sobre o que as deixou mais confortáveis.
Imagem: Intel
Carros autônomos têm personalidade
Depois de toda essa ideia, de fazer os carros autônomos amigáveis para as pessoas, eu perguntei ao CEO da Delphi, Glen De Vos, sobre a minha corrida atabalhoada.
A agressividade do carro, disse ele, era parte da personalidade do veículo.
“Há dois anos, ele dirigia como minha avó, e isso foi ainda mais agravante”, contou. “A qualidade da corrida tinha que ser natural e do jeito que esperamos.”
Em lugares diferentes, contou, carros podem ser “modificados” para dirigir de forma diferente, ou consumidores podem ser capazes de mudar o comportamento da direção. Na Califórnia, nossa reputação por um comportamento agressivo nas ruas parece ter invadido nossos carros autônomos.
No final, Do Vos disse que provavelmente nada vai criar a confiança nos carros, a não ser uma exposição a eles. A título de explicação, ele apontou como exemplo o elevador. Inicialmente, os elevadores eram considerados uma tecnologia complicada que necessitava de operadores. Em 1900, uma companhia criou o primeiro elevador que não exigia operadores. Mas, por décadas, esses modelos não fizeram sucesso.
“As pessoas tinham visões de que os elevadores sem operadores os cortariam no meio”, disse De Vos.
Só quando aconteceu uma greve de ascensoristas que praticamente paralisou a cidade de Nova York em 1945 que as pessoas passaram a aceitar o elevador sem operadores. Por esse exemplo, pode demorar um longo tempo antes que deixemos os nossos volantes para as máquinas.
Eu peguei um Uber de Oakland até a sede da Intel em San José, em parte por causa do meu ódio da estrada já mencionado. No caminho de volta, meu motorista era terrível. Ele se perdeu no caminho para a estrada, mesmo com a navegação curva a curva do GPS do celular. Ele invadiu uma faixa na estrada numa velocidade horrível de 65 quilômetros por hora, fazendo surgir um coro furioso de buzinas do outro lado. Ele era um motorista bem pior do que eu.
Se eu tivesse pedido um dos veículos autônomos do projeto piloto Uber, tenho certeza de que teria sido uma viagem mais suave e rápida. E ainda assim, quando ele comeu a faixa enquanto tentava atender a uma ligação, eu ainda estava ainda mais tranquila do que tinha estado no banco de trás do Audi autônomo.
Imagem do topo: carro autônomo da Delphi equipado com a tecnologia Intel. Créditos: Intel