Se um carro autônomo matar um pedestre, de quem é a culpa?

Perguntamos à especialistas em transporte, ética e direito onde a culpa irá cair se alguém se machucar numa batida envolvendo carros autônomos.

A atenção em torno dos veículos autônomos está ficando cada vez mais forte. Novos planos para o novo futuro automatizado são anunciados regularmente. Ubers que se dirigem sozinhos já estão andando por Pittsburg e Michigan recentemente regulamentou a circulação desses carros pelas vias públicas.

Volvo, Nissan, Honda e Toyota planejam colocar carros autônomos no mercado até 2020. Mas enquanto a inovação segue em frente, nós ainda estamos descobrindo como esses veículos vão transformar a culpabilidade quando houver alguma batida, algo que é particularmente importante se o acidente machucar ou matar alguém.

• O dilema ético que pode ser crucial para o futuro dos carros autônomos
• Parece que o motorista do acidente fatal com o Tesla Autopilot estava vendo um filme

Perguntamos à especialistas em transporte, ética e direito onde a culpa irá cair se alguém se machucar nessa nova realidade.

Jean-François Bonnefon

Pesquisador, Toulouse School of Economics
Autor do artigo “The social dilemma of autonomous vehicles,” Science

Realmente depende se você está falando de um veículo totalmente autônomo ou de um veículo onde o controle é compartilhado pela máquina e pelo motorista/passageiro. Nós ainda não estamos num estágio onde temos carros completamente autônomos. Nesse ponto, estamos olhando para várias formas de controle compartilhado, o que significa que qualquer acidente terá uma história complicada sobre a sequência exata de decisões e intervenções que vieram do carro e do motorista.

O que não podemos especular é sobre o que os futuros advogados irão fazer. Mas como um psicólogo, eu acho que neste momento as pessoas pensariam que se um veículo é totalmente autônomo o que acontece [numa batida] é responsabilidade da fabricante do carro.

Claro, “fabricante do carro” é um termo muito abrangente, porque existirão diferentes empresas oferecendo diferentes peças que vão num veículo autônomo, o que complica a história novamente. E, se estamos falando de carros completamente autônomos, também estamos discutindo sobre uma infraestrutura que os permite operar. Não será apenas o carro, também serão sistemas maiores dentro da cidade que os permitem navegar. Então [nós poderíamos] ver acidentes onde a culpa é da infraestrutura pública que não permitiu que o carro fizesse a decisão correta.

Noah Goodall

Pesquisador, Virginia Transportation Research Council

Assim como a maioria das situações, geralmente depende das circunstâncias específicas. Assumindo que o carro estivesse seguindo a lei, um humano não poderia ser responsabilidade se alguém entrasse em seu caminho repentinamente. Existem exceções, por exemplo quando o motorista precisa estar atento sobre crianças brincando nos arredores, pressupondo que crianças podem correr para a rua de uma forma que adultos não o fariam.

Uma distinção interessante entre motoristas humanos e carros autônomos é como eles devem evitar o acidente. Digamos que uma criança saia de trás de árvore, vá para o meio da rua e o carro não tenha tempo para parar, mas tenha tempo para desviar. Para alguns júris, o motorista não é responsabilizado por negligência, já que não se pode esperar o mesmo grau de cuidado ou precisão de julgamento em uma emergência. Existe um debate sobre esse julgamento em relação aos carros autônomos, já que softwares não entram em pânico como os humanos. Se o julgamento não se aplicar, carros que dirigem sozinhos teriam uma obrigação maior de evitar acidentes, mesmo que o acidente fosse causado pelo pedestre.

Patrick Lin

Diretor da Ethics + Emerging Sciences Group, professor associado do Departamento de Filosofia da California Polytechnic State University

Se (e quando) um carro autônomo machucar ou matar um pedestre pela primeira vez, acho que podemos esperar que algumas coisas aconteçam:

(1) A indústria irá tentar apontar para o fato de uma menor incidência de lesões/fatalidades com os carros autônomos em comparação com os carros dirigidos por humanos para distrair sobre o fato. Esse é o equivalente das relações públicas para “Olha, um passarinho!” Mesmo que existam dados o suficiente para demonstram essa taxa menor de acidentes e fatalidades – que não existe ainda – isso não aborda a questão específica do acidente: por que aconteceu e poderia ter sido evitado? Como uma analogia, uma droga contra o câncer poderia salvar centenas de pessoas, mas se matou um paciente, estaríamos certos em querer uma investigação. As pessoas não devem ser tratadas apenas como estatísticas; são vidas reais e poderiam ser da sua família ou da minha.

(2) Todos os envolvidos poderiam ser processador. A vítima ou sua família poderiam processar a montadora e as fabricantes das peças: se não fosse pelo carro autônomo, o acidente não teria acontecido, ou talvez o carro poderia ter sido designado a lidar com a situação de uma maneira diferente. O dono do carro poderia ser processado, já que era o seu veículo, ou talvez ele tenha sido operado de uma forma insegura que não foi recomendada pela montadora (e as montadoras poderiam se antecipar e considerar isso, também). As seguradoras e reguladoras poderiam ser processadas por subestimar o risco e permitir que os carros operem nas vias públicas sem maiores testes.

(3) O caso mais fácil seria se o pedestre estivesse claramente errado. Talvez ele estivesse tentando testar os limites do carro ou cometer uma fraude de seguro – talvez ele tenha pulado na frente do carro de um lugar escondido onde os sensores do veículo não puderam detectá-lo, atrás de um grande caminhão, por exemplo. Carros robóticos, não importam o quão inteligentes sejam, ainda não poder desafiar as leis da física, e a tecnologia irá falhar de vez em quando. Isso significa que eles não podem evitar todos os acidentes. Ainda assim, pelo menos a montadora será pressionada a mostrar que fez tudo o que era possível para prevenir o acidente. Mesmo se o carro tivesse o direito de passagem, isso não tira a responsabilidade da fabricante, se houvesse a possibilidade de fazer algo melhor. Temos certeza que algum abuso irá acontecer e as montadoras deverão prever isso – seja por uma grana alta ou infâmia, algumas pessoas vão tentar.

(4) A confiança pode se deteriorar com o público em geral, o que pode ter impacto na adoção dos veículos autônomos. Certamente, podem existir grandes benefícios com a tecnologia, especialmente com o potencial para salvar vidas. Como aponta Mark Rosekind, administrador da National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA) – órgão equivalente ao Contran – as 35 mil vidas perdidas nas ruas dos EUA todos os anos são equivalentes a 747 quedas de aviões todas as semanas – devemos nos sentir indignados e tentar fazer melhor. Mas, dadas as proporções, a indústria não pode dar ao luxo de dar qualquer passo em falso, uma vez que eles podem ser fatais. Não é como testar um software beta num escritório, onde uma pane significa dados perdidos. Com carros robóticos, uma pane é muito perigosa e a moeda de troca é a vida.

Tudo isso depende do contexto; existem muitas variáveis em jogo. Talvez os pedestres estivessem dentro de um parque de pesquisa e assinaram um documento de responsabilidade, dada a presença de carros autônomos em teste. É importante analisar se o acidente foi resultado do design do carro (incluindo vulnerabilidades de segurança cibernética), falha de tecnologia ou negligência do operador. É importante analisar quanto treinamento ou educação o fabricante ou o revendedor deu ao proprietário do carro quando ele foi comprado. O carro tem os sensores mais recentes, ou a fabricante escolheu tecnologias menos capazes para cortar custos? Será que o software é capaz de fazer decisões, especialmente quando não existe um caminho óbvio a se seguir? E daí por diante.

Será uma confusão, especialmente enquanto o “direito dos robôs” ainda estiver surgindo, e enquanto os tribunais e acadêmicos jurídicos discordam sobre como essas questões devem ser tratadas. E essa pode ser uma oportunidade para os reguladores e a sociedade criar proativamente diretrizes e esclarecer a legislação existente para resolver a bagunça o mais rápido possível.

Bryant Walker Smith

Professor assistente de direito, University of South Carolina

Segundo esse link, a responsabilidade depende de fatos específicos do acidente (bem como a legislação pertinente). Eu daria a mesma resposta se me perguntasse sobre um acidente envolvendo um pedestre e um motorista hoje. E, tragicamente, atualmente cerca de dez pedestres / ciclistas são mortos todos os dias nos Estados Unidos. A automação pode mudar a dinâmica de poder entre motoristas e usuários vulneráveis da estrada.

Imagem do topo: Sam Woolley/Gizmodo.

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