Como Chris Hadfield fez com que voltássemos a nos importar com astronautas
Foi um simples vídeo de 31 segundos enviado ao YouTube em janeiro – um relógio balançando ao redor do pulso de quem o usava, o primeiro vídeo enviado pelo Comandante Chris Hadfield a bordo da Estação Espacial Internacional. Sem explicação, sem contexto, apenas um relógio de metal ao redor de um braço canadense peludo. Este, e dezenas de outros que vieram depois, mostram como Chris Hadfield se tornou o astronauta mais importante em décadas.
Por muito tempo, nós não nos importamos muito com as pessoas da Terra que vivem em outro espaço. É estranho; você deve pensar que devíamos nos importar. Mas de alguma forma ao longo dos anos, deixar o nosso planeta para ocupar os céus se tornou algo ordinário. E precisamos de Chris Hadfield e de um canal no YouTube para lembrar como isso é estúpido.
Em apenas alguns meses de vídeos bobos e atualizações no Facebook, Hadfield, que retorna para a Terra hoje, adicionou fantasia e admiração à ideia de pessoas irem ao espaço como não tivemos nos últimos trinta anos. E agora o espaço parece algo novo outra vez.
Em 21 de dezembro do ano passado, o Comandante Hadfield e sua equipe (Expedition 35) chegaram à ISS após um voo de dois dias a bordo da Souyz TMA-07M, e começaram a sua missão. Parecia um assunto bastante mundano. Existem imagens disponíveis, aquelas cenas incríveis, mas chatas, da NASA mostrando uma sala de controle e gráficos estilo PowerPoint misturados com câmeras que mostram a espaçonave se movendo muito rápido. A rotina disso tudo esconde o quão divertida a missão foi. E o fato de ser rotina mostra o como estamos cansados de algo que é incrível.
Após o vídeo do relógio, Hadfield começou a soltar mais. Cortar as unhas no espaço. Lavar as mãos, fazer um sanduíche, chorar lágrimas que não caem, escovar os dentes, ficar enjoado. Coisas normais, MAS NO ESPAÇO! Por pelo menos cinco meses ele se tornou uma celebridade.
A coisa certa
Hadfield foi o primeiro a perceber, em larga escala, que nós não queremos palestras, só queremos coisas legais. Então ele nos falou de coisas legais feitas no espaço. Ele teve resultados também. Seu vídeo mais popular teve mais de 7 milhões de views no YouTube, e muitos outros na casa dos milhões ou centenas de milhares. Ao redor do Twitter e Facebook, mais de um milhão de pessoas seguem suas contas. Ele não é o primeiro a mostrar vídeos do espaço no YouTube, nem o primeiro a fazer isso com sucesso. Mas, pelo primeira vez, os vídeos dele não tinham conversas com o comando ou câmeras ruins. De certa forma, é mais um caso de valor de produção vencendo, uma lição de um estilo mais exigente.
Estilo acompanha esperteza. O motivo da popularidade por trás de Hadfield está em como ele pensou bastante na audiência. Uma conversa com William Shatner vai te fazer ganhar muitos fãs. Isso é mais do que uma forma oportunista – quanto mais pessoas observam as coisas legais que você faz, maiores são as chances de verem o trabalho impressionante que está sendo feito no espaço. E se o sentimento público ficar ao lado dos astronautas, pode ser que o financiamento público aumente.
Hadfield definiu as linhas entre professor e artista, especialista e um cara com uma câmera de vídeo muito bem. Ele recebeu um pedido de alunos do ensino fundamental e fez o vídeo com nozes no espaço. Nunca se levou muito a sério, mas sempre foi sério o suficiente para passar informações relevantes, até mesmo em algo tão idiota como o comportamento de uma lata de nozes na ausência de peso.
Os efeitos da gravidade em minhocas e os hábitos de acasalamento de tartarugas são importantes, é claro. Mas para o público, a vida no espaço se tornou algo distante, para cientistas e experiências e técnicos de laboratórios. E ninguém jamais foi inspirado ao observar imagens de um circuito fechado de televisão com técnicos de laboratório.
O espaço que perdemos
Mesmo uma genuína emergência na estação espacial, como o vazamento de amônia deste final de semana, chamou pouca atenção. É uma imagem de como não damos muita atenção para a existência de astronautas.
Claro, nós vemos uns lançamentos e aterrissagens de naves de vez em quando, mas nunca vamos muito além disso. O limite da nossa fascinação não vai muito além da maravilha tecnológica de mandar humanos para o espaço e depois trazê-los de volta com segurança. Ainda vemos isso como um espetáculo. Mas o ato de realmente viver no espaço – viver! como o futuro! – para as pessoas na Terra foi, por anos, reduzido a algumas cenas de câmeras que são mostradas em noticiários ou em conversas com o Presidente.
Em vários sentidos, isso é natural. Todas as questões imediatas são respondidas na escola. Sim, você flutua. Não, você não toma banho, não exatamente. Nojento, é isso que eles comem? Individualmente, nós não devemos saber o que acontece com o corpo humano no espaço com muitos detalhes, mas nós sabemos que as respostas estão a algumas pesquisas na Wikipedia de distância. Nós podemos descobrir como eles fazem cocô, se quisermos. E não há grande curiosidade no que podemos encontrar facilmente.
Nossa atenção ao olhar para o céu caiu, e telescópios mais recentes e poderosos revelam partes do universo que nunca tínhamos visto, e ainda existem projetos como o Curiosity da NASA. Artifícios mecânicos nos mostram os segredos do universo sem precisarmos sair de casa. Isso é justificável, mas longe do que deveria ser a alma da NASA: a corrida para levar a humanidade o mais longe possível – e de preferência com humanos juntos.
O canal de Hadfield foi algo parecido com um correspondente de guerra, ou, melhor ainda, um amigo nos falando exatamente como é a vida no espaço. Mesmo as coisas irrisórias nos impressionaram. O espaço sempre deveria se parecer com isso, mas por muito tempo, ele não foi assim. Por isso, temos muita gratidão pelo que Chris Hadfield fez.
Hadfield provavelmente continuará envolvido em várias missões, e a sua biografia oficial já parece um livro dos sonhos para nerds. Ele estará por aqui. Mas ainda assim, vamos sentir falta de ter um amigo no espaço que podem nos responder questões que não importam, mas que ainda não sabemos qual é a resposta.