Testes clínicos de edição genética em humanos devem ter início em 2018

Desde 2012, quando pesquisadores descobriram que sistemas imunológicos bacterianos poderiam ser modificados para editar o DNA de criaturas vivas, a técnica CRISPR vem sendo aclamada como a criadora de revoluções. Este foi o ano em que a previsão começou a tomar forma. Cientistas americanos usaram a técnica de edição CRISPR para tratar doenças genéticas comuns […]

Desde 2012, quando pesquisadores descobriram que sistemas imunológicos bacterianos poderiam ser modificados para editar o DNA de criaturas vivas, a técnica CRISPR vem sendo aclamada como a criadora de revoluções. Este foi o ano em que a previsão começou a tomar forma. Cientistas americanos usaram a técnica de edição CRISPR para tratar doenças genéticas comuns do coração em um embrião humano. Muitas outras doenças foram tratadas em ratos usando a técnica. E até mesmo um entusiasmado biohacker injetou a si mesmo com genes de crescimento muscular enquanto palestrava em uma conferência.

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Mas se 2017 foi o ano em que o potencial da CRISPR começou a ganhar foco, 2018 pode ser o ano em que a técnica começa a se concretizar.

Ano que vem, os primeiros testes em humanos de tratamentos baseados na CRISPR serão iniciados nos EUA e na Europa.

Este mês, a empresa de biotécnica CRISPR Therapeutics foi a primeira a submeter um teste clínico as agências reguladoras europeias. Os testes para o método que combinam a técnica de edição genética CRISPR com células-tronco para tratar o transtorno sanguíneo talassemia beta estão programados para iniciar no ano que vem. O CEO da companhia, Smarth Kulkarni, disse ao Gizmodo que a empresa também planeja submeter aos reguladores um teste clínico semelhante para tratar anemia falciforme na metade de 2018. “Em 2018, o primeiro humano receberá uma dosagem CRISPR na clínica”, disse Kulkarni ao Gizmodo. “E nós seremos os primeiros a fazer isso”.

Ambos os transtornos são genéticos, causados por mutações de genes que produzem hemoglobina, a proteína essencial para garantir que os glóbulos vermelhos transportem oxigênio pelo corpo. Sem este oxigênio, as pessoas sofrem de anemia severa, desenvolvendo atrasos de crescimento, danos aos órgãos e hipertensão pulmonar. A ideia é extrair células-tronco da medula óssea dos pacientes e corrigir os genes defeituosos com a CRISPR, uma técnica de edição genética que permite aos cientistas cortarem e colarem pedaços do código genético. Então, essas células editadas são injetadas novamente no corpo do paciente, onde se multiplicam, eventualmente excedendo o numero de células doentes. Anemia falciforme e talassemia beta são boas candidatas para a técnica CRISPR porque, em muitos dos casos, são causadas pela mutação de uma única letra do DNA.

Em Stanford, um método diferente no uso da CRISPR para lidar com anemia falciforme também está se aproximando dos testes clínicos. Matthew Porteus, que lidera a pesquisa, diz que seu grupo pretende submeter seu teste clínico a FDA (equivalente a Anvisa americana) até o fim de 2018, com os testes iniciando em 2019. “Nossa resolução de ano novo para 2018 é colher os dados necessários para que possamos submeter o teste até o final do ano, para que os testes clínicos tenham início em 2019”, disse Porteus ao Gizmodo.

Cientistas chineses, enquanto isso, usaram a CRISPR pela primeira vez em um humano em 2016, e conduziram um segundo teste humano este ano, dando inicio a um duelo biomédico entre os EUA e a China e deixando no ar a dúvida que talvez esses testes tenham sido irresponsavelmente prematuros. O primeiro teste humano da técnica CRISPR estava planejado para ter inicio na metade deste ano na Universidade da Pensilvânia, depois de receber a aprovação no ano passado. Não se sabe por que o teste foi atrasado.

Porteus espera que 2018 traga muitos outros estudos clínicos que demonstrem como a CRISPR pode ser usada para tratar diferentes doenças. Em 2017, houveram diversos estudos do tipo, que abordaram doenças devastadoras como a doença de Huntington, doença de Lou Gehrig (esclerose lateral amiotrófica) e uma forma de surdez hereditária em ratos.

“Haverá muito trabalho nos bastidores para transformar isso em protocolos de testes clínicos reais”, disse Porteus. Ele também prevê que 2018 verá mais submissões para testes clínicos, mas a maioria provavelmente envolverá apenas a exclusão de um gene problemático do que sua correção.

George Church, o famoso geneticista de Harvard, disse ao Gizmodo que ele espera que a CRISPR se torne ainda mais precisa no próximo ano. Ele também espera pesquisas que utilizem a CRISPR para resolver problemas que não possuem boas soluções, como eliminar doenças zoonóticas como a doença de Lyme e malária, usando o conhecimento em edição genética para alterar o DNA de espécies selvagens, ou até cultivar órgãos transplantáveis em porcos.

O biólogo sintético da MIT Kevin Esvelt, espera mais tratamentos genéticos com a nova técnica CRISPR que edita bases, ou quimicamente altera uma única letra do DNA em vez de cortar sua dupla hélice para mudá-lo. “A única previsão que tenho absoluta certeza de fazer é que 2018 fará a CRISPR acelerar pesquisas, tanto ao simplificar tarefas anteriormente difíceis quanto tornar possível a condução de experimentos que não foram contemplados no passado”, disse Esvelt. “Além disso, não há como saber”.

Hank Greely, um bioético em Stanford, disse ao Gizmodo que ele espera ver avanços na CRISPR que caminhem além da biomedicina. Entre suas previsões: “Muitos grupos encontrarão novos e inesperados usos para a CRISPR”, ele disse. E “alguém, em algum lugar fará testes genéticos em ambientes controlados, mas não laboratoriais”.

Greely também prevê que “inventores da CRISPR receberão o prêmio Nobel”. (Mas não dá para saber quem são de fato os inventores da técnica – seu título é bem disputado).

No entanto, ainda existem significantes obstáculos para chegar num futuro em o corte e a colagem molecular possam agir como uma cura para qualquer tipo de doença genética. Primeiro, tratar doenças que precisem editar o DNA enquanto ele ainda está dentro do corpo humano, como esclerose lateral amiotrófica, é muito mais difícil (e arriscado) que remover células, editá-las e colocá-las de volta no corpo, como pesquisadores farão nos testes previstos para terem início em dois anos. Mas muitas das doenças precisarão ser abordadas com o que é conhecido como tratamento “in-vivo”. E cientistas ainda exploram a melhor maneira de aplicar tratamentos dentro do corpo de maneira efetiva.

“Para tratamentos ex-vivo, o limite é apenas saber se podemos fazer o trabalho. Eu não acho que existam obstáculos técnicos óbvios. Apenas precisamos testá-los”, disse Porteus. “Para tratamentos in-vivo, existe muito espaço para melhorias”.

Greely diz que apesar de alguns testes da técnica CRISPR começarem em breve, eles não terminarão em 2018. Mesmo com cientistas se movendo em alta velocidade, como ocorre com a CRISPR, o avanço tende a se mover de forma muito mais lenta do que queremos.

E em breve poderemos chegar a conclusão que as soluções altamente tecnologias nem sempre são a melhor opção.

Church, o geneticista de Harvard, diz que a CRISPR pode passar por um “choque de realidade”. Ele diz, por exemplo, que famílias podem decidir passar por aconselhamento genético antes de terem filhos para avaliar se existem riscos de doenças genéticas serem transferidas, em vez de gerar crianças e depois tratá-las “com tratamentos CRISPR que podem custar por volta de US$ 1 milhão por dose”.

Seja lá o que nos espera em 2018, é importante lembrar que, quando se trata de ciência, o progresso nunca ocorre em linha reta.

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