Estudos controversos sugerem que quem bebe café vive por mais tempo
Bebedores de café, regozijem-se. Dois novos estudos estão ligando nossa bebida quente favorita a uma menor chance de morrer por doenças cardíacas, câncer, acidente vascular cerebral e muito mais. Então, isso significa que podemos começar a beber café com de forma imprudente? Falamos com especialistas para descobrir, e, de forma não surpreendente, a resposta é complicada.
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Pessoas que bebem café parecem viver mais, de acordo com um par de estudos publicados nesta segunda-feira (9) na Annals of Internal Medicine. Os estudos — que envolveram centenas de milhares de participantes em um conjunto diverso de grupos étnicos — mostraram que as pessoas que bebem pelo menos uma xícara de café ao dia eram 12% menos propensas a morrer de condições como doenças cardíacas e câncer. Esse efeito saltou para 18% entre as pessoas que consumiam duas a três xícaras por dia. Importante apontar, essas associações eram verdadeiras para os participantes que bebiam café com cafeína ou descafeinado, o que parece implicar que a cafeína não tem nada a ver com isso.
Mas dizer que esses estudos encerram o caso sobre o café, por assim dizer, seria demais. Os pesquisadores não conseguiram identificar uma relação causal, nem foram capazes de explicar por que o café parece conferir esses benefícios à saúde. E, o que é importante, alguns especialistas estão desafiando as conclusões alcançadas nesses dois estudos, dizendo que os resultados foram enganadores e que declarações gerais sobre o consumo de café ignoram o fato de que, para alguns, a cafeína é perigosa.
Independentemente disso, os novos estudos oferecem descobertas substanciais, dado o estigma associado ao consumo de café e o fato de que cerca de 2,25 bilhões de copos dessa deliciosa bebida são consumidos todos os dias em todo o mundo. O café já foi associado ao câncer de bexiga, a aumentos no risco de doença cardíaca, a úlceras no estômago e à azia, mas existem poucas evidências para sustentar essas alegações amplamente desacreditadas.
E, na verdade, o caso parece ser exatamente o inverso. Uma metanálise recente ligou o consumo de café a um risco reduzido de câncer de fígado e no útero. Crescem também as evidências de que o café pode proteger contra doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e mal de Parkinson. Essas descobertas parecem promissoras, mas os céticos argumentaram que o café ainda está em avaliação, apontando para deficiências nos métodos de pesquisa, como o foco em etnias específicas ou a falta de acompanhamento com os participantes do estudo. As duas novas análises fornecem algumas das evidências mais convincentes, e ainda assim a favor, aos supostos aspectos benéficos à saúde do café.
Imagem: Pexels
No primeiro estudo, uma equipe de pesquisa da Universidade do Sul da Califórnia descobriu que um maior consumo de café estava relacionado a um menor risco de morte em populações brancas e não brancas — uma descoberta importante, considerando que diferentes etnias têm diferentes estilos de vida e riscos de doenças. O consumo de café de duas a três xícaras por dia, por exemplo, foi associado a um risco reduzido de morte por doença cardíaca (diminuição de 21%), câncer (queda de 8%), AVC (queda de 27%), diabetes (23%), problemas respiratórios (10%) e doença renal (41%).
Essencialmente, essas descobertas foram generalizáveis em diferentes culturas, incluindo afro-americanos, nipo-americanos, nativos havaianos, latinos e brancos. Foram observados efeitos na saúde em todas as etnias estudadas.
Os dados vieram do Multiethnic Cohort Study (Estudo de Coorte Multiétnica, em tradução livre), um esforço colaborativo entre o Centro de Câncer da Universidade do Havaí e a Faculdade de Medicina de Keck, envolvendo mais de 215 mil participantes. A cada cinco anos, os participantes preenchem questionários sobre sua dieta e estilo de vida, junto com informações sobre o histórico clínico familiar e pessoal. O período médio de acompanhamento é de 16 anos. Ao analisar os dados, os pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia ajustaram-nos para idade, sexo, etnia, hábitos de tabagismo, educação, doença pré-existente, exercício físico e consumo de álcool.
“Esse estudo é o maior do gênero e inclui minorias que têm estilos de vida muito diferentes”, afirmou Veronica Setiawan, principal autora do estudo, em um comunicado. “Ver um padrão semelhante em diferentes populações dá um apoio biológico mais forte ao argumento de que o café é bom para você, seja você branco, afro-americano, latino ou asiático.”
Entre os que tomam café, taxas de mortalidade reduzidas estiveram presentes, independentemente de os participantes tomarem a bebida com cafeína ou descafeinada. Então, o que quer que esteja causando a longevidade extra parece não ter nada a ver com a cafeína.
Crucialmente, os pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia não estão dizendo que o café prolonga a vida, apenas que uma associação foi encontrada entre o consumo de café e a longevidade. A correlação não implica necessariamente causalidade, e o estudo não apontou para nenhum produto químico ou composto no café que explique esses efeitos para a saúde. Ainda assim, de acordo com Setiawan, “está claro que o café pode ser incorporado a uma dieta e a um estilo de vida saudáveis”.
“Devido às limitações da pesquisa observacional, não estamos no estágio de recomendar que as pessoas bebam mais ou menos café. Dito isso, nossos resultados sugerem que o consumo moderado de café — até cerca de três xícaras por dia — não prejudica sua saúde e que incorporar café em sua dieta pode ter benefícios para a saúde.”
No segundo estudo, pesquisadores do Imperial College London e da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês) chegaram a conclusões semelhantes, embora usando um subconjunto diferente de participantes. No maior estudo de seu tipo, os cientistas analisaram dados de pesquisa de mais de meio milhão de pessoas em dez países europeus e descobriram que as pessoas que bebem cerca de três xícaras por dia tendem a viver mais do que os que não bebem café. Eles descobriram que os que tomam café têm um risco reduzido de morte por todas as causas de mortalidade, incluindo doenças circulatórias e aquelas relacionadas ao trato digestivo. E, como no outro estudo, aqueles que tomavam café descafeinado viram essas taxas de mortalidade reduzidas na mesma proporção que aqueles que tomavam o café normal.
Para o estudo, os pesquisadores da Imperial College London e da IARC analisaram os dados do estudo EPIC (European Prospective Investigation to Cancer and Nutrition), que incluíram 521.330 pessoas com idade superior a 35 anos. As dietas foram avaliadas com questionários e entrevistas, e, novamente, os pesquisadores controlaram fatores como dieta e tabagismo (curiosamente, as pessoas que bebiam mais café eram mais propensas a ser mais jovens, fumantes e bebedores de álcool regulares). Após 16 anos de acompanhamento, quase 42 mil pessoas que se matricularam no estudo faleceram, morrendo de uma série de condições, incluindo câncer, doenças circulatórias, insuficiência cardíaca e derrame cerebral.
“Descobrimos que beber mais café esteve associado com um perfil de função hepática e resposta imune mais favoráveis”, explicou o autor principal, Marc Gunter. Ele acrescentou: “Devido às limitações da pesquisa observacional, não estamos no estágio de recomendar que as pessoas bebam mais ou menos café. Dito isso, nossos resultados sugerem que o consumo moderado de café — até cerca de três xícaras por dia — não prejudica sua saúde e que incorporar café em sua dieta pode ter benefícios para a saúde.”
Imagem: Wikimedia
Miriam Nelson, diretora do Instituto de Sustentabilidade da Universidade de New Hampshire, está entusiasmada com essas descobertas e diz que esses dois estudos são maiores e mais diversos do que as investigações anteriores. Nelson, que não esteve envolvida em nenhum estudo, ficou impressionada com a duração do acompanhamento, o tamanho das coortes e o exame intercultural. No entanto, ela enfatizou que ainda há muitas coisas que esses estudos não nos dizem.
“Ainda não entendemos como o alto consumo de café afeta a gravidez e não sabemos o que ele faz às crianças”, disse Nelson ao Gizmodo. Ela diz que ainda é inadequado dar café às crianças, acrescentando que restam poucas dúvidas de que o café afeta nosso sono, pelo menos para alguns indivíduos. Pessoas que bebem toneladas de café e que têm sérios problemas de sono devem receber as novas descobertas com cautela.
Então, é claro, há toda essa porcaria que colocamos no nosso café.
“Se você gosta de café, então sinta-se livre para beber, talvez até três a cinco xícaras por dia”, disse Nelson. “O café tem benefícios para a saúde, mas precisamos ter cuidado ao adicionar calorias extras com açúcar e creme. Precisamos ser inteligentes.”
“Concluir que o café é seguro sem distinguir entre diferentes condições clínicas é enganador e pode encorajar os pacientes a beber café como quiserem.”
Mas Paolo Palatini, chefe de Medicina Vascular da Universidade de Pádua, na Itália, não ficou nem um pouco impressionado com a nova pesquisa. “Depois de ler os jornais, fiquei horrorizado com a forma como esses artigos … são superficiais e tendenciosos”, contou ao Gizmodo. “Assim que forem publicados, vou escrever uma carta ao editor [da The Annals of Internal Medicine] para expressar minhas críticas.” Resumindo, ele acha que os estudos são enganadores.
“Nos artigos, os autores não discutiram a questão dos diferentes tipos de café que podem ter um impacto diferente nos resultados”, afirmou. “No estudo europeu, avaliaram o café em mililitros, o que é um absurdo, porque na Itália os copos têm 30-40 ml de café concentrado, enquanto na maioria dos países europeus as xícaras são muito maiores. Isso minimizou o efeito do café expresso, que pode ser prejudicial em comparação com os outros.”
Ele diz que os grupos de bebedores de café pesquisados em ambos os estudos estavam desequilibrados, com o desequilíbrio mais significativo sendo a grande porcentagem de fumantes entre os bebedores de café pesados. “Os resultados para os subgrupos de café diferem nos dois estudos, e o ajuste para fumar dificilmente pode ser aplicado”, disse ele. “De qualquer forma, os dois estudos demonstram que os bebedores de café também são fumantes, o que é muito prejudicial à saúde, e esse aspecto é completamente negligenciado pelos autores.”
Palatini também não compra a ideia de que a cafeína não tem efeito sobre os resultados de saúde, apontando para sua própria pesquisa mostrando a importância do metabolismo da cafeína nas doenças cardiovasculares e como a genética desempenha um papel crítico. Ele também ficou chocado porque nenhum dos pesquisadores referenciou algum estudo italiano que mostra os efeitos negativos do café nos resultados cardiovasculares — uma omissão que, para Palatini, foi feita “de propósito” e é “inaceitável”.
Por fim, Palatini diz que precisamos nos preocupar com o café (e com a cafeína em particular) porque ele aumenta a atividade simpática de uma pessoa, mudanças no sistema nervoso que podem levar a uma frequência cardíaca acelerada e à elevação da pressão arterial, o que é especialmente perigoso entre pacientes coronários. Ele diz que isso não é bom para metabolizadores de cafeína lentos (pessoas que demoram mais para digerir a cafeína), fazendo com que a cafeína se acumule no sangue, onde pode levar a efeitos negativos. “Concluir que o café é seguro sem distinguir entre diferentes condições clínicas é enganador e pode encorajar os pacientes a beber café como quiserem”, disse Palatini.
Claramente, o café tem muita coisa positiva, e, como esses novos estudos atestam, isso pode conferir alguns benefícios tremendos para a saúde em certos indivíduos. Mas uma abordagem única para beber café não é apropriada.
Rob M. van Dam, professor associado de epidemiologia na Saw Swee Hock School of Public Health, na Universidade Nacional de Cingapura, foi um pouco menos duro em relação às novas descobertas. “Esses estudos sobre o café e a mortalidade são baseados em grandes estudos de coorte bem conduzidos”, disse Van Dam, que não esteve envolvido em nenhum estudo, ao Gizmodo. “Os resultados de que o consumo de café está associado a um risco moderadamente menor de mortalidade durante o acompanhamento não é surpreendente, já que isso foi relatado em vários estudos anteriores. Os novos estudos aumentam as evidências disponíveis, pois mostram resultados consistentes em vários grupos étnicos nos Estados Unidos e em diferentes países da Europa.”
Tirando essas palavras generosas, Van Dam disse que a única maneira de determinar de fato a verdade é realizar ensaios randomizados de café e resultados de saúde. Em outras palavras, executar experimentos reais.
“O café é um alimento vegetal rico em ácido clorogênico e compostos fenólicos relacionados”, moléculas à base de carbono com estruturas semelhantes a anéis “que reduziram os níveis de glicose no sangue em estudos com animais”, afirmou. “Ele também contém trigonelina, um precursor da vitamina B3 e de vários minerais, como o magnésio, e vitaminas, como a B3.” Van Dam diz que os fenóis no café conferem vários efeitos à saúde, como reduzir a capacidade dos intestinos de absorver a glicose, evitando o fígado de expressar muita glicose, e a regulação de respostas de insulina saudáveis.
Mas Van Dam também foi rápido em apontar que o consumo excessivo de cafeína pode levar a sintomas desagradáveis, como nervosismo e sono interrompido. “Se você está enfrentando algum desses [sintomas], é apropriado reduzir o consumo de café.” Ele acrescentou que o consumo de cafeína durante a gravidez pode reduzir o crescimento fetal e aumentar a chance de uma mulher ter um aborto espontâneo. “Limitar o consumo de cafeína na gravidez para um tamanho regular (cerca de 236 mL) de café ou menos parece, então, apropriado.”
Então, onde é que tudo isso nos deixa? Claramente, o café tem muita coisa positiva, e, como esses novos estudos atestam, isso pode conferir alguns benefícios tremendos para a saúde em certos indivíduos. Mas uma abordagem única para beber café não é apropriada. Se você é um bebedor de café, fique atento a como ele afeta sua saúde e e seu bem-estar mental e ajuste-se de acordo. Se você acha que o café pode exacerbar uma condição de saúde pré-existente (como distúrbios do sono ou saúde cardiovascular), fale com seu médico. E se você está grávida, recorra a uma xícara por dia no máximo.
Caso contrário, apenas aproveite essa deliciosa bebida.
[Annals of Internal Medicine I & II]
Imagem do topo: Steve Snodgrass/Flickr