Por que os EUA estão tão interessados em espionar o Brasil? Por causa dos tubos, oras

No início de julho, documentos vazados por Edward Snowden, ex-funcionário da CIA, revelaram que o Brasil foi alvo prioritário de espionagem americana durante a última década: no continente, só ficamos atrás dos EUA. Segundo reportagem de Glenn Greenwald no jornal O Globo, o país é monitorado pelo telefone, internet e até por meio de satélites. […]

No início de julho, documentos vazados por Edward Snowden, ex-funcionário da CIA, revelaram que o Brasil foi alvo prioritário de espionagem americana durante a última década: no continente, só ficamos atrás dos EUA. Segundo reportagem de Glenn Greenwald no jornal O Globo, o país é monitorado pelo telefone, internet e até por meio de satélites.

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De acordo com os documentos vazados, o Brasil é tão monitorado quanto países como China, Rússia e Irã. Por que tanto esforço em monitorar um país que é amigo dos EUA? Como nota a New Yorker, espionar o Brasil não significa, necessariamente, espionar só os brasileiros.

O diretor da Agência de Segurança Nacional (NSA), general Keith Alexander, acabou revelando o interesse de sua agência pelo Brasil. Este mês, durante a Aspen Security Conference, um jornalista perguntou a ele por que a NSA está tão preocupada em obter dados do nosso país, dado que a ameaça de terrorismo aqui parece menor que em outros lugares. Alexander respondeu assim:

Sabe, a realidade é que não estamos coletando todos os e-mails das pessoas no Brasil, nem ouvindo suas conversas no telefone. Por que faríamos isso? O que alguém levou foi um programa que analisa os metadados ao redor do mundo, que você usaria para encontrar atividades terroristas que possam transitar [entre países], e saltou à conclusão de que, aha, metadados! Eles devem espionar o telefone de todo mundo, eles devem estar lendo o e-mail de todo mundo.

Nosso trabalho é de inteligência no exterior. Eu digo a você que 99,9 – e eu não sei mais quantos noves – por cento de tudo isso, seja na Alemanha ou no Brasil, não é de interesse para uma agência de inteligência no exterior. O que interessa é um terrorista em trânsito ou fazendo algo parecido.

Não parece nada demais, certo? Mas o general Michael Hayden, ex-diretor da CIA e da NSA, diz à New Yorker que Alexander revelou dois segredos com essas palavras.

Primeiro, ao falar “o que alguém levou foi um programa que analisa os metadados ao redor do mundo”, ele reconheceu que a NSA sabe exatamente a quais documentos Edward Snowden teve acesso. Isso não deve ser uma surpresa, mas a agência jamais tocou nesse assunto em particular.

Segundo, Alexander disse que os brasileiros não são o alvo de espionagem prioritário no Brasil. Então quem é? Hayden explica: os EUA estão interessados nos cabos transatlânticos, que transmitem voz e internet através do globo.

E como você pode ver no mapa abaixo, da TeleGeography, o Brasil é um importante hub de comunicações:

submarine-map

Compare isto ao mapa presente, ao fundo, em um dos slides vazados por Snowden (principalmente nas linhas marrons):

new prism slide

Notou a semelhança? No mapa, os cabos transatlânticos estão em destaque. O slide cita o PRISM, programa de coleta de dados em servidores de nove grandes empresas de comunicação, como Facebook, Microsoft, Apple e Google – elas negam que a NSA tenha acesso direto a seus servidores.

Mas ele menciona também o FAIRVIEW, cuja função seria basicamente dominar a internet. Com o FAIRVIEW, a NSA tem acesso aos cabos ópticos que levam dados de internet dos EUA para o resto do mundo e vice-versa. Dessa forma, a agência pode ir direto à fonte quando quer espionar o que está acontecendo ao redor do mundo – isto é, “coletar as comunicações em cabos de fibra e infraestrutura à medida que os dados passam”, como diz o slide acima.

No slide, o FAIRVIEW é um programa de espionagem “upstream”. O que isso significa? Segundo Thomas Drake, ex-executivo da NSA que revelou segredos da agência, isso quer dizer que é possível acessar dados antes que eles entrem na internet. Mark Klein, que cuidava de redes na operadora americana AT&T, diz que viu a NSA instalar “divisores” diretamente em cabos de rede, para ter acesso a tudo o que é transmitido na rede da operadora.

E como o FAIRVIEW tem acesso às comunicações no Brasil? Segundo a reportagem inicial sobre os documentos vazados por Snowden, uma grande empresa de telefonia dos EUA – que mantém relações com outras no Brasil e no mundo – permite à agência usar o FAIRVIEW por aqui. (Eduardo Levy, presidente do Sinditelebrasil, órgão que representa as empresas de telecomunicações no Brasil, nega que elas tenham colaborado com essa espionagem.)

Estes mapas revelados pelo Globo mostram como isso é feito: eles mostram a quantidade de dados trocada, respectivamente, com a Rússia e o Paquistão nos dias 4 e 5 de março deste ano. Repare que o Brasil se destaca nos dois mapas:

espionagem globo fairview 2

Com o FAIRVIEW operante aqui, é possível coletar e-mails e registros telefônicos que trafeguem pelo Brasil. Por isso a coleta de dados é “constante e em grande escala” segundo os documentos vazados. Mas isso não significa que a NSA esteja especialmente interessada nos brasileiros: eles querem controlar a internet e ficar de olho em todos, e o Brasil é uma importante ponte para o resto do mundo.

Glenn Greenwald também levantou essa suspeita em uma entrevista. Para ele, o interesse da NSA é também ficar de olho em países como China e Irã:

Não temos acesso ao sistema da China, mas temos acesso ao sistema do Brasil. Então estamos coletando o trânsito do Brasil não porque queremos saber o que um brasileiro está falando para outro brasileiro, mas porque queremos saber que alguém na China está falando com alguém na Irã, por exemplo.

Há milhares de quilômetros de fibra óptica que conectam o mundo. Mas como explica Andrew Blum, autor do livro Tuboslançado recentemente em português pela editora Rocco – da forma como está disposta, esta rede não é sempre descentralizada: por exemplo, o ponto central da infraestrutura física que compõe a internet dos EUA fica em uma cidadezinha chamada Ashsburn, e é controlado pela empresa Equinix. Ela atende diversos tipos de clientes, incluindo grandes sites (Facebook, Wikipedia) e operadoras de telefonia de todo o mundo. Para dominar a internet, a NSA precisa dominar esses hubs – e o Brasil é um deles.

Mas não é só isso

Então quer dizer que o Brasil é apenas uma “ponte” para espionar nações que não se alinham com os EUA? Nada disso. Os americanos certamente têm um interesse enorme em ficar de olho no Brasil.

Parece que na última década, à medida que aumentava a incerteza quanto à sucessão de Fernando Henrique Cardoso, os EUA se concentravam em espionar o Brasil. Rubens Barbosa, embaixador do país em Washington, suspeita ter sofrido espionagem do governo americano em 2001, na véspera de uma visita do FHC aos EUA. E o governo brasileiro reconheceu, no mesmo ano, que os EUA comandavam um sistema de coleta de informações em todo o mundo, chamado Echelon.

Essa suspeita é levantada por Nikolas Kozloff, doutor em história da América Latina pela Universidade Oxford. Dado que os rumos da relação Brasil-EUA eram incertos quando Lula foi eleito, em 2002, imagina-se que os americanos teriam interesse redobrado em ficar de olho no país. De acordo com O Globo, havia uma estação americana de espionagem em Brasília pelo menos até 2002. Ela coletava informações de satélites do país, e era operada pela NSA e CIA.

Vale lembrar que o interesse (geo)político da espionagem não se restringe ao Brasil. Segundo outra reportagem d’O Globo com co-autoria de Glenn Greenwald, os EUA têm programas de espionagem em vários países da América Latina. Em março deste ano, a Colômbia se tornou prioritária para a NSA – foi quando morreu Hugo Chávez. Há também interesses econômicos: uma lista da NSA diz procurar segredos comerciais em “petróleo” na Venezuela e “energia” no México.

O governo brasileiro já se manifestou contra a espionagem americana. Um grupo interministerial, formado após as denúncias, vai se reunir em breve com representantes do governo americano em Washington, a fim de obter esclarecimentos sobre o caso.

O governo também pressiona o Congresso a aprovar o Marco Civil – projeto de lei que definirá os direitos e deveres na internet brasileira – mas com uma modificação: ele exige que certas empresas mantenham, em data center no Brasil, uma cópia dos dados pessoais de usuários brasileiros. Isso, como analisamos, pode ser problemático e ineficaz por diversos motivos.

Enquanto isso, Edward Snowden, que revelou o esquema americano de espionagem, continua preso em um aeroporto de Moscou. No início do mês, o Ministério das Relações Exteriores negou o pedido de asilo a Snowden. Após as revelações sobre o Brasil, senadores defenderam a concessão de asilo ao informante. Na semana passada, ele quase recebeu asilo da Rússia, o que não aconteceu devido a “dificuldades burocráticas“. Os presidentes da Bolívia, Venezuela e Nicarágua já ofereceram asilo a Snowden. [New Yorker]

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