Como uma fonte da Microsoft virou prova em investigação de corrupção no Paquistão
A família do primeiro-ministro do Paquistão foi atingida por um escândalo em abril, graças a uma investigação relacionada aos documentos vazados do Panama Papers. Nesta semana, a equipe que comanda a investigação concluiu que documentos assinados pela família do primeiro-ministro Nawaz Sharif eram fraudulentos, já que esses papéis supostamente seriam de 2006, mas foram impressos com a fonte Calibri, que só foi lançada publicamente em 2007.
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Quando o Panama Papers vazou no ano passado, muitas pessoas ricas e poderosas foram expostas por atividades envolvendo o envio de grandes quantidades de dinheiro para contas no exterior. Três filhos de Sharif, incluindo seu parente herdeiro Maryam Sharif, estavam nesses vazamentos. Os documentos mostraram que os filhos tinham empresas offshore e ativos não declarados na divulgação financeira da família. Durante dois meses, uma Equipe de Investigação Conjunta apurou as finanças da família. Por causa dessa simples escolhe de fonte, os investigadores concluíram que alguns dos documentos foram falsificados em uma tentativa de esconder receitas.
Ainda há incertezas, no entanto, se a pessoa que preparou os documentos realmente poderia ter uma cópia da fonte Calibri em 2006. Sabemos que a tipografia foi oficialmente lançada para o público e se tornou a fonte padrão para o Microsoft PowerPoint, Excel, Outlook e WordPad em 2007. Mas existe uma confusão sobre sua disponibilidade antes disso.
Um representante da Microsoft disse ao Gizmodo que o sistema interno da companhia mostra que a fonte está disponível em um pré-lançamento desde 2004, mas eles não foram capazes de verificar a data, solicitando que fizéssemos outro contato. Atualizaremos a publicação quando tivermos novidades.
Essa informação se alinha com os comentários do consultor de tipografias Thomas Phinney. Ele afirma que a Calibri estava disponível “fora da Microsoft em uma versão beta do Windows lançado no dia 9 de agosto de 2004”. Quando Phinney percebeu que as pessoas estavam utilizando sua publicação sobre a história dessa tipografia como uma fonte para a história envolvendo a família Sharif, ele adicionou alguns esclarecimentos ao post. “Esteja ciente de que as versões de pré-lançamento do Windows geralmente não são usadas para documentos normais de escritórios; o fato de ser fisicamente possível a Calibri estar em um documento aleatório de 2006 não torna o caso provável“, escreveu. De acordo com o site da Microsoft, a versão 1.0 da Calibri foi registrada em 2005.
Falando ao jornal paquistanês Dawn, um representante de Lucas de Groot, o designer holandês que criou a fonte, expressou certo ceticismo:
Lucas começou a projetar a Calibri em 2002 e mais os arquivos fonte finais para a Microsoft não antes de março de 2004…
Versões betas do Windows são voltadas para programadores e aficionados por tecnologia para verem o que funciona e o que não funciona… Como o tamanho do arquivo de tais sistemas operacionais é enorme, seria preciso um grande esforço para obtê-lo.
O próprio De Groot acompanhou o site, questionando: “Por que alguém utilizaria uma fonte completamente desconhecida em um documento oficial em 2006?”
Toda essa confusão respingou na página da Calibri na Wikipedia (que precisou desativar as edições), mas, no final das contas, as datas talvez não importem. O time de investigação afirma que eles encontraram anomalias “numerosas” nos registros da família Sharif. E, vamos ser honestos, para o que mais as empresas de fachada do Panamá são usadas? Seja qual for a evidência que o time de investigação traga contra a família Sharif, a fonte foi o detalhe mais suculento da história, tornando-se destaque na internet com a hashtag #Fontgate.
O cenário político do Paquistão não está muito diferente do que vemos em outros lugares. Quando os Panama Papers foram vazados, o primeiro-ministro do país afirmou que se tratavam de notícias falsas feitas por pessoas “visando a ele e a sua família por objetivos políticos”. Recentemente, o líder da oposição Imran Khan disse que essa investigação mostra que Sharif “perdeu toda sua autoridade moral” e que deveria renunciar. Os aliados, por outro lado, tiveram um encontro com ele e “expressam completa confiança na liderança do primeiro-ministro”.
Enquanto isso, a economia do Paquistão está cambaleando pela incerteza, e a suprema corte terá que decidir se o julgamento é necessário.
Imagem do topo: Primeiro-ministro paquistanês, Nawaz Sharif. (Crédito: Getty)