Copa em São Paulo? Vai ter. Água a gente não sabe. Entenda o problema do sistema Cantareira
Nós passamos os últimos meses discutindo se ia ter Copa do Mundo. Os estádios não vão ficar prontos, diziam alguns. Os aeroportos vão explodir, previam outros. Imagine o congestionamento, insistia o seu colega, todo dia, ao te encontrar no café da firma. No começo deste ano, contudo, um tema saído diretamente das redações de vestibular se transformou num problema concreto. Copa em São Paulo? Vai ter. Água? A gente não sabe.
Um problema mundial: Estas esferas reúnem toda a água e ar da Terra
Dava para prevenir? Leia a série de reportagens sobre os rios de São Paulo
Se você mora em São Paulo, já ouviu que a cidade está enfrentando um problema grave com o abastecimento de água. As 8,1 milhões de pessoas que vivem na zona norte, no centro, em alguns bairros das zonas leste e oeste e em cidades como Franco da Rocha, Francisco Morato, Caieiras, Osasco, Carapicuíba e São Caetano do Sul, além de regiões de Guarulhos, Barueri, Taboão da Serra e Santo André, dependem diretamente dos rios e das represas do sistema Cantareira para beber água, tomar banho e lavar louça.
O problema é que o sistema Cantareira está secando. A questão não é mais se vai faltar água. A questão é quando vamos entrar em racionamento. Uma reportagem do portal UOL, baseada em um estudo do Gtag (Grupo Técnico de Assessoramento para Gestão) do Sistema Cantareira, afirma que o risco de colapso é cada vez maior. Segundo a reportagem, “no melhor dos cenários, a água acaba em setembro e, no pior, em julho. No intermediário, o fim das reservas ocorre em agosto. Na última previsão, feita em fevereiro e que contava com precipitações maiores em março, a previsão era, no melhor dos cenários, que a água não acabasse e os reservatórios chegassem a dezembro com 21%. No pior, a água acabaria no fim de agosto e, no intermediário, os reservatórios chegariam a dezembro com 5%”.
No final de março, o Cantareira estava com apenas 13.4% da sua capacidade – o menor nível já registrado na história para a época de chuvas. Em 2003, o sistema chegou a operar com menos água, com pouco mais de 3% da capacidade, mas era novembro, antes das tempestades de janeiro. Quando os temporais chegaram, o sistema se recuperou. O que deixa a situação absolutamente preocupante, hoje, é que as represas estão secas justamente na época em que deveriam estar cheias. E isso que acende o alerta amarelo. Dia após dia, o sistema Cantareira bate recordes negativos de armazenamento. Fotos dos reservatórios secos são de cortar o coração. O chão todo quebrado, árvores retorcidas e mato, muito mato, tomaram o lugar dos enormes depósitos de água que compunham a paisagem das represas. Mas, afinal, como chegamos a esse ponto? A gente foi pesquisar e acabou descobrindo que algumas respostas já estavam diante dos nossos olhos há algum tempo.
As rápidas mudanças pelas quais os municípios do sistema Cantareira passaram, entre 1991 e 2013, ajudam a explicar a crise do abastecimento de água na maior cidade do Brasil. E a Sabesp, a empresa controlada pelo governo do Estado de São Paulo responsável por saneamento e abastecimento de água, já sabia disso.
No 7º Simpósio de Qualidade Ambiental, feito em 2010, o químico Adilson Nunes Fernandes, da Sabesp, já havia exposto o problema de forma cristalina. Na sua apresentação, Fernandes disse que um dos maiores riscos ao abastecimento de água em São Paulo foi o avanço urbano sobre as áreas de mananciais. No evento, ele disse o quanto a empresa estava preocupada em monitorar a quantidade de chuva sobre o sistema e trabalhar, em conjunto com as prefeituras, para preservar e recuperar alguns mananciais. Por que esse trabalho não deu conta da crise atual? Contamos mais adiante. Por enquanto, vamos às cidades por onde o Cantareira se espalha.
As cidades
Para entender o que aconteceu, é preciso viajar um pouco. O ponto de partida está na grande São Paulo. O ponto de chegada, na divisa com Minas Gerais. Se você sair de carro de São Paulo, pegue o Rodoanel, depois a estrada presidente Tancredo Neves e entre na cidade de Caieiras. Depois, vire e avance para Franco da Rocha, toda vida, até chegar a Mairiporã. Estas três cidades estão na região metropolitana de São Paulo e parecem ora uma extensão da periferia da capital paulista, com muitas casas com nenhuma infraestrutura, ora um bucólico município do interior, com grandes extensões preservadas de mata. Elas abrigam o braço mais urbano do sistema Cantareira. De Mairiporã, você vai pegar a Fernão Dias.
Casas avançam sobre a serra da Cantareira, em Caieiras [Foto: Wikipedia]
A partir desta rodovia federal, você tem acesso a cidades como Nazaré Paulista, Piracaia e Joanópolis, típicas cidades pequenas do interior paulista, com pastos, plantações e um pequeno núcleo urbano. Dá para passar em cada uma delas e checar de perto a situação de cada umas das represas e experimentar alguns dos seus atrativos. Piracaia é um grande centro de produção de produtos orgânicos e alguns alambiques vendem cachaças bem boas. Os rios e córregos da cidade estão secos. Joanópolis investiu durante muito tempo em um marketing meio Crespúsculo, com o suposto lobisomem que aterrorizava o município. As cachoeiras da cidade se transformaram em mosaicos de pedras secas. Para chegar até o final desta jornada hídrica, você tem de voltar à Fernão Dias e passar por Bragança Paulista, a cidade mais populosa do sistema Cantareira. Logo depois de Bragança, conhecida como a terra da linguiça, está a diminuta Vargem, o menor município entre todos que compõe o sistema. O Cantareira termina ali para quem vem de São Paulo. Depois de Vargem é Extrema, já no estado de Minas Gerais. Os rios e córregos de cada uma destas cidades desapareceram ou se transformaram em fios tímidos de água, como o Gizmodo pode ver de perto no último final de semana.
Paulistanos acostumados com concreto na veia talvez achem que essas cidades são muito verdes. Tudo depende de onde você vem, afinal. Mas quem testemunhou o que aconteceu com esses lugares ao longo dos anos sabe que eles passaram por uma profunda transformação nas últimas décadas. Confie em mim: eu cresci em Caieiras. Tenho parentes e amigos em cada uma das cidades do sistema Cantareira. E os números só confirmam o que eu vira ao longo dos anos.
Entre 1991 e 2013, a população somada destes oito municípios saltou de 320 mil para 550 mil pessoas. É um impressionante crescimento de 71,68%. Para se ter uma ideia do tamanho disso, a população do Estado de São Paulo cresceu 38.22% no mesmo período. A cidade de São Paulo cresceu 22,55%. O Brasil, inteiro, cresceu “apenas” 36.92%. Algumas cidades tiveram explosões populacionais. A população de Caieiras cresceu 138,6%. A de Mariporã, 122,5%.
Partindo da Praça da Sé, é possível passar por boa parte do sistema Cantareira [Reprodução: Google Maps]
E o que atraiu tanta gente? Duas coisas. Uma delas foi o preço baixo da terra e dos imóveis. Ao longo dessas décadas, várias pessoas se mudaram para as cidades da Grande São Paulo procurando lugares mais baratos para morar. O segundo ponto é a economia. Por falta de dados, não dá para fazer a comparação do PIB dos municípios entre 1991 e 2013, mas dá para fazer entre 2006 e 2010. Não é uma comparação completa, mas dá uma ideia. Vargem, Nazaré Paulista, Caieiras e Mairiporã cresceram, na média, mais do que o Brasil, o Estado de São Paulo e a cidade de São Paulo no mesmo período. As outras cidades também cresceram, todas, mais do que 45% no mesmo período. Eu vi isso de perto – e vi o que esse crescimento sem planejamento provocou.
Perto da divisa entre Franco da Rocha e Mairiporã nasceu um bairro bem grande, chamado Parque Pretória. Lá havia uma série de córregos e nascentes ligados ao sistema Cantareira. Eles foram todos soterrados por casas precárias e barracos da enorme favela que se instalou ali. Em Caieiras, a cidade que mais cresceu em população e economia, eu vi de perto casas e barracos construídos ao lado ou em cima de rios e córregos. Um dos rios onde eu costumava tomar banho no verão, quando era criança, na metade dos anos 1990, virou esgoto, foi canalizado e virou avenida. Bairros inteiros nasceram em poucos anos. Quando mudei para Caieiras, no final dos anos 1980, mal havia lojas de material de construção. Quando saí de lá para fazer faculdade em São Paulo, no começo da década de 2000, havia centenas de estabelecimentos deste tipo espalhados por todo o município. O rio Juqueri, que deu nome ao sistema Cantareira nos seus primórdios, perdeu boa parte da sua mata ciliar em Franco da Rocha. Em vários dos seus trechos, há ilhotas de garrafas plásticas.
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Porém, não foi um crescimento provocado só pelas pessoas mais pobres. No entorno da represa de Mairiporã, por exemplo, foram construídos clubes e casas nas quais só se chega de balsa ou de barco. O mesmo fenômeno aconteceu em Piracaia e nas outras cidades que têm grandes reservatórios no sistema Cantareira. Várias casas de veraneio, enormes, luxuosas, foram erguidas ao lado ou coladas às represas. Em Caieiras, condomínios de alto padrão foram construídos no trecho da serra da Cantareira que passa pela cidade, onde estão várias nascentes.
Outro ataque aos mananciais vem do próprio governo de São Paulo. A gente sabe que o trânsito é complicado. Porém, as obras do rodoanel, o conjunto de estradas que atravessam a grande São Paulo, têm cortado áreas verdes e levado muita gente e muitas obras para áreas que até então estavam tranquilas, na delas. Com uma baita estrada por perto, essas áreas passaram a ser bastante atraentes para a instalação de novas empresas e para a construção de novas casas.
José Galizia Tundisi é uma das maiores autoridades brasileiras em ecologia. Membro da Academia Brasileira de Ciências, também faz parte do Instituto Internacional de Ecologia em São Carlos, é professor titular aposentado da Universidade de São Paulo e atua na pós-graduação da Universidade Federal de São Carlos. Em um artigo, escrito para um grande estudo feito pelo Instituto Socioambiental, Tundisi afirma que “atualmente, alguns destes mananciais estão localizados na região urbana e submetidos a inúmeras pressões que deterioram a qualidade da água e implicam em novos e sofisticados métodos de tratamento, aumentando os custos”. Em seguida, ele conta que a “a situação dos mananciais da região metropolitana de São Paulo apresenta-se complexa e com tendências a deterioração se os esgotos não forem tratados e a ocupação do solo nas bacias hidrográficas continuar de forma a degradar a cobertura vegetal”.
Desta foto, dá para ver onde a água costumava estar na represa de Piracaia [Foto: Julio Badari]
Esse crescimento todo, portanto, veio sem planejamento e com muitas consequências. Rios foram assoreados. Córregos foram canalizados. Os pequenos trechos que compõem o sistema Cantareira vem sendo destruídos. Porém, o impacto não foi só nas menores pontas do sistema. Os grandes trechos também estão em risco. Apenas três cidades do sistema Cantareira têm tratamento de esgoto.
O resto cai nos rios e córregos fedorentos que cortam alguns dos bairros populosos dessas cidades e acabam, no final das contas, caindo nas represas, sujando as águas e depositando dejetos e detritos nos canos e tubos do Cantareira. Em Caieiras ou no Parque dos Estados, em Bragança Paulista. O resultado? Esse mesmo estudo do Instituto Socioambiental, do qual Tundisi participou, mostra que apenas de 1998 a 2005 o custo de tratamento da água na Grande São Paulo cresceu 100%. No sistema Cantareira, foi bem pior. O custo explodiu para além dos 200%.
Uma boa reportagem da Exame levanta outro nó do problema: as indústrias de São Paulo e da região metropolitana não fazem a sua parte. Um trecho do texto, que vale ser lido na íntegra:
“Embora o volume do descarte industrial seja inferior ao total de esgotos residenciais que deixa de ser coletado e tratado pelas redes públicas, seu efeito nocivo ao meio ambiente pode ser equivalente ou até pior. Estima-se que cada litro de esgoto industrial seja, em média, 6,6 vezes mais poluidor do que os esgotos residenciais.
‘É paradoxal que na Região Metropolitana de São Paulo, onde o ‘stress’ hídrico é comparável à de algumas regiões do sertão nordestino, continuemos a poluir nossos mananciais com efluentes tão perigosos’, afirma Gesner Oliveira, coordenador da pesquisa e ex-presidente da Sabesp.
“Esse descarte obriga as concessionárias de saneamento a captarem água a mais de 80 km da capital a custos elevadíssimos. Equacionar essa questão certamente poderia reduzir o risco de desabastecimento de água na região”, acrescenta.”
A falta de planejamento e de cumprimento da lei é tão marcante que, aos poucos, as cidades que compõem o maior sistema de abastecimento de água do Estado de São Paulo começam a passar por um problema bizarro: falta de água para elas mesmas. Segundo dados da Agência Nacional de Águas, apenas duas cidades do sistema Cantareira têm abastecimento de água em condições satisfatórias. As outras seis precisam de grandes investimentos. Sem obras e planejamento, vai faltar água nas cidades que abrigam represas e mananciais. Imagine, então, o que vai acontecer nas cidades que consomem a água que nasce no sistema Cantareira?
Finalmente, há o último fator. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo revelou que o consumo de água na Grande São Paulo aumentou mais do que a produção. Usamos cada vez mais água, mas a captação e o tratamento não acompanharam a demanda.
Por que nada foi feito?
Você pode chegar a esse ponto da reportagem e perguntar: por que nada foi feito? O governo do Estado de São Paulo não tinha esses dados em mãos?
Vamos por partes. Segundo informações do jornal Folha de S.Paulo, o governo do Estado sabia desde 2009 sobre os riscos no sistema Cantareira. Em linhas gerais, sai muito mais água do que entra nos cinco reservatórios, e já faz tempo. A pergunta seguinte, portanto, é: houve mudança de governo e algo se perdeu? Essa é fácil. O PSDB governa o Estado de São Paulo desde 1995. Em 2009, José Serra era governador. Ele foi sucedido por Geraldo Alckmin, também do PSDB. Claro que há trocas de equipe, mesmo entre governos do mesmo partido. Mas é difícil acreditar que esse relatório fosse completamente ignorado pela equipe de Alckmin.
Talvez a resposta para isso esteja no verão de 2009/2010. Em janeiro daquele ano, o Cantareira chegou a seu nível máximo. Desde que as chuvas começaram a ser medidas, nunca tinha chovido tanto. A preocupação logo depois do relatório não era com a falta de chuvas, mas com o excesso delas. Os governadores tinham um problema de alagamento de casas, não de seca de represas. Infelizmente, a visão de curto prazo tem sido a marca tanto em São Paulo quanto em Brasília. Se chove muito, então o problema a resolver é a enchente.
Só que o clima, amigos, está cada vez mais estranho. A Sociedade Americana para o Avanço da Ciência, uma das maiores associações científicas do mundo, reuniu pesquisadores de todo o planeta e fez uma pergunta simples: O clima está mudando? O resultado da pesquisa foi divulgado neste começo de ano e tinha um propósito simples: mostrar que há alguma certeza científica sobre mudanças climáticas. Afinal, há uma oposição barulhenta que diz que as mudanças de temperatura são uma invenção de ecoterroristas interessados em implantar um socialismo verde. Enfim, cada um, cada um. Cada pessoa acredita no que quiser (embora a gente saiba que alguns cientistas picaretas forçaram a mão para defender suas teses sobre mudanças climáticas. Mas, até onde se sabe, foram poucos cientistas e os resultados deles não invalidaram as descobertas de outros pesquisadores).
Porém, ao todo, cerca de 97% dos especialistas em clima afirmam que, sim, as coisas estão mudando e nós, humanos, temos um grande papel nesta mudança. Mas isso não significa apenas que o mundo está ficando mais quente. A gente já passou da fase de ficar falando só de aquecimento global. O fato é que o clima está ficando cada vez mais extremado. Quando é frio, é muito frio – como mostrou o inverno no hemisfério norte. Mas quando é quente e seco, olha, é muito quente e muito seco. Em 2014, São Paulo teve o verão mais quente da sua história e um dos mais secos de todos os tempos. Não dá para saber o que nos espera.
Os dados foram reforçados por um grande estudo do IPCC, o painel sobre mudanças climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas). O último estudo tinha sido feito em 2007. O deste ano, divulgado na segunda-feira, 31 de março, troca a linguagem militante por uma abordagem mais cautelosa, mas embasada por uma soma gigante de dados. E a conclusão é simples: sim, o clima está mudando muito. O impacto será grave e irreversível. Em vez de fazer grandes previsões catastróficas, os cientistas reuniram evidências sobre como barreiras de gelo estão sendo destruídas no Alasca, como os furacões estão mais ferozes nos Estados Unidos, sobre como o regime de chuvas vem mudando drasticamente em várias partes do mundo. O desastre já está acontecendo.
Em São Paulo, o sistema Cantareira é o mais seco e tem a situação mais crítica. Os outros sistemas que abastecem o Estado estão em condições um pouco melhores. Mas todos estão abaixo (ou bem abaixo) do nível histórico de água que costumavam ter nesta época do ano. As chuvas foram ruins para todo mundo – e o impacto foi maior no maior sistema.
Seria possível fazer obras e usar águas do lençol freático? Em entrevista do portal Terra, o brasileiro Benedito Braga, presidente do Conselho Mundial da Água e professor de engenharia ambiental da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), diz que a situação é bem complicada. Para ele, três problemas explicam a atual situação. Não choveu, nós desperdiçamos muita água e as obras necessárias não foram feitas. Segundo Braga, a complexidade para fazer uma obra de infraestrutura desse porte no Brasil é gigante por causa da burocracia e da falta de sincronia entre diferentes órgãos. O resultado é a paralisia. As obras fundamentais não são feitas. Enquanto a situação está normal, tudo bem. Mas quando muda, os efeitos são terríveis.
A ponte estava sobre a represa, em Piracaia. Agora, só tem mato [Foto: Cláudia Leôncio]
Algumas obras, contudo, são mais simples. Hoje, cerca de 24% da água de São Paulo se perde no caminho entre a represa e a sua casa, segundo dados da Sabesp. Esse número vem caindo, mas ainda é bastante alto. No Japão, por exemplo, esse índice está em 7%. Há muito, mas muito espaço, para melhorar, mesmo que as obras gigantescas não possam ser feitas a curto prazo.
O Gizmodo procurou a Sabesp ao longo das últimas semanas, mas a empresa não respondeu aos nossos pedidos de entrevista. No começo de março, a Folha de S.Paulo fez um duro editorial criticando o governo de São Paulo e a Sabesp pelos problemas no sistema Cantareira. A Sabesp deu à seguinte resposta, que vale para alguns dos problemas que levantamos nesta reportagem. Segundo a empresa, muito já foi feito para evitar que a situação fosse ainda pior: “Enfatizamos que a segurança no abastecimento de água para a capital e região metropolitana de São Paulo depende de ações das três esferas de governo. A Sabesp investiu R$ 9,3 bi, de 1995 a 2013, o que permitiu elevar a integração do sistema de abastecimento e o volume de água disponível. A capacidade de produção subiu de 57,6 para 73,2 metros cúbicos por segundo, aumento que abasteceria Salvador e Fortaleza. O esforço eliminou o rodízio que vigorou de 1995 a 1998 e beneficiou 5,2 milhões de pessoas. A Sabesp investiu na redução de perdas (de 33% em 98 para 24% em 2014), responsável hoje por mais mais de mil litros por segundo”.
E agora, o que fazer?
Nesse ponto do texto, a gente já sabe algumas coisas. A rápida urbanização das cidades do sistema Cantareira diminuiu a quantidade de água disponível para os reservatórios. O esgoto é despejado e o tratamento é insuficiente. Sem chuvas, esse sistema, já frágil, entrou em crise. Algumas obras extremamente necessárias não foram feitas pelo governo paulista, apesar dos alertas de 2009. Mas, e agora? O que eu e você podemos fazer?
Alguns dos nossos hábitos ajudam a agravar a crise. Basta uma caminhada em bairros ricos e pobres para ver quanta água é perdida em calçadas lavadas com jatos de mangueira. Carros são lavados com água o bastante para abastecer famílias, por dias. Nós lidamos com a água como se ela fosse um recurso infinito – especialmente naqueles banhos de 30 minutos. Ok, a água é um recurso renovável. Mas, sem tratamento e captação, é imprestável. Ninguém bebe água de esgoto. E, quanto mais os mananciais são atacados, mais difícil se torna a captação. Quanto menos esgoto tratado, menores os estoques de água limpa para usar. E isso porque estamos falando somente das pessoas. Quem já entrou numa pequena indústria sabe o quanto de água vai embora no meio da produção e o quanto de água não é tratado (e deveria). Nós ainda trabalhamos com cenários de abundância, não de falta.
Aldo Rebouças, professor emérito da USP e um dos maiores especialistas em recursos hídricos do Brasil, morreu em 2011. Contudo, deixou um legado que ainda vale para hoje. Ele era um dos maiores defensores do uso racional de água. Em uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2004, Rebouças já antecipava o risco do desperdício e comparava com outros países. “É necessário que a gente tenha uma consciência de que não se pode exigir da empresa de água… Eu estive agora no Japão e é muito diferente a situação. Você chega no hotel cinco estrelas, escuta a água, [alguém] lavando as mãos, caindo em algum lugar e você olha que [a água] está no tanque de descarga, caindo na caixa de descarga, é o reuso de água que eles estão estimulando. Um amigo meu, que vai lá para o Japão, voltou apavorado com o custo de água, pagava mais de água de banho do que a diária de hotel, porque a diária de hotel não inclui o custo da água”.
Portanto, por enquanto, é aquele discurso meio ongueiro: você tem de fazer a sua parte e reduzir seu consumo o máximo que puder. Aos governos, pedimos, imploramos, suplicamos:
- Façam campanhas de racionamento de água.
- Não acreditem nos céticos do aquecimento global e se previnam, por favor.
- Tirem logo essas obras do papel.
- Cuidem dos mananciais como se eles fossem o jardim das vossas casas.
O escritor Guimarães Rosa escreveu uma vez: não podemos esperar que o nada vire alguma coisa. Se o governo de São Paulo, o governo federal e os municípios não fizerem alguma coisa, veremos uma inversão da frase de Guimarães. O nada vai virar alguma coisa: um problemão. O nada de planejamento vai virar um nada de água na sua torneira. Vai ter Copa do Mundo em São Paulo, mas não vai ter água em boa parte da cidade.
PS: obrigado ao Leo Martins, por algumas informações valiosas que estão neste texto, à Nadiajda Ferreira, pela leitura minuciosa, e à Mariana Castro, pelas conversas que deram origem a esse texto.
Quer saber mais? Veja o que o Gizmodo já publicou sobre água: