O que diabos é Mirtesnet?
Quando o Facebook vai cair, hein? Redes sociais costumam ser cíclicas — no início havia o Friendster, depois veio o MySpace e, em meados da década passada, o Facebook apareceu. No que depender do brasiliense Carlos Henrique do Nascimento, o fim do reinado de Zuckerberg está chegando e a próxima parada é a Mirtesnet, a rede social brasileira.
Haha, não, não, claro que não! Mas o tom que o R7 deu às declarações dos caras nesta reportagem poderia levar Zuck a ter alguns pesadelos com o fantasma do Orkut. Vamos esmiuçar essa nova rede social?
Mirtesnet? MIRTESNET!
A Mirtesnet tem esse nome em homenagem à esposa de Carlos, a Mirtes (rá!). Há três anos, temeroso pela entrada do seu filho no Facebook, onde o fundador da Mirtesnet via muito conteúdo impróprio (safadinho), ele brincava com o rebento dizendo que eles criariam sua própria rede social. Seria uma mentirinha do bem para afastar o menino das perversidades da Internet, mas Carlos levou a coisa a sério. Bem a sério. Carlos criou a Mirtesnet.
Azul? Não, aqui a cor predominante é o laranja. Mas as diferenças mais gritantes param por aí. A Mirtesnet parece o Facebook de um universo paralelo, que parou de ser atualizado na época em que Timeline não existia. Ele bebe de muitas convenções antigas e já superadas do Facebook, e copia na cara dura muita coisa da rede de Zuck, incluindo alguns ícones, seções e nomenclaturas — pelo menos o “Curtir” virou “Gostei”, ainda assim um ripoff da tradução lusitana.
Existem outras coisas bem esquisitas, como os termos de uso. Como todo bom internauta precavido, resolvi dar uma lida antes de fazer o meu cadastro. Estranhei a menção a coisas como o recurso “Promote”. Uma busca no Google e BINGO: os termos foram copiados do Orkut. Troque “Orkut” por “Mirtesnet” e temos o mesmo documento. E isso é um complicador grande do ponto de vista jurídico, já que os termos de uso do orkut são, na realidade, do Google. Pior: o investidor da Mirtesnet é advogado ou coisa parecida. Podia ter rolado uma consultoria também, né?
Ok, ignoremos tudo isso. É uma cópia, sim, mas o R7 diz que tem (pare e respire) UM MILHÃO DE USUÁRIOS!!!, incluindo “pessoas que moram na capital federal, em diversos Estados brasileiros e até em outros continentes e países, como Estados Unidos, Europa, África e Ásia.” Quanta gente, não?
Achamos estranho uma rede tão popular não ter chegado a nosso conhecimento antes. Seria um revival da célebre VILA DOS COMPUTADOR? Ou algo tão regionalizado a ponto de não chamar a atenção do eixo sul-sudeste? Fomos, mais uma vez, pesquisar.
E, ok, talvez eles usem uma lógica de programação muito bizarra, mas o código-fonte da página revela um quase ingênuo JavaScript com variáveis expostas e facilmente legíveis. Dentre elas, uma “userID”. Não programo, mas imagino que esse número siga uma lógica crescente: na medida em que os usuários se cadastram, eles ganham o número seguinte vago no banco de dados.
O meu? 32721.
Ocorreu-nos que, talvez, o tal “um milhão de usuários” possa ser na realidade uma estatística de visitação, como número de acessos ou page views. Gustavo Frasão, do R7, fala na manchete que esse número foi alcançado em três meses; um milhão de page views em três meses não é nada de outro mundo, mesmo para um site pouco conhecido. E tem outra: o Distrito Federal tem 2,5 milhões de habitantes. Chegar a quase 50% desse público de forma tão célere e arrebatadora seria algo muito, muito difícil. Basta lembrar o sufoco que foi para o Facebook passar o Orkut por aqui.
Tentamos falar com Natanael Lopes, programador contratado (!) da Mirtesnet, mas ele não respondeu até a publicação desta matéria.
Uma história e tanto
A história da Mirtesnet é sensacional — sério, não deixe de ler a matéria do R7. Separamos na sequência alguns pontos altos de lá.
Carlos, o fundador, sobre o nome da rede social:
“Quis colocar o net no final para dar ideia de internet. Mirtes é o nome da minha mulher e ela achou muito ruim quando ouviu ‘Mirtesnet’. Ficou legal, gostei e coloquei, mesmo contra a vontade dela. Até porque apelidos são para isso, né? Quando alguém gosta do apelido que você coloca, nem tem tanto efeito. Agora quando não gosta, fica interessante e o nome pega pra valer.”
O programador Natanael, de 23 anos, está empolgado com a parada toda e no momento trabalha fazendo “ajustes finos” na Mirtesnet:
“É um desafio, um grande desafio. O problema é que uma rede social como essa envolve todos os conceitos e práticas possíveis no mundo da programação, o que torna o trabalho bem mais difícil. Aqui no escritório trabalho das 9h às 17h, mas fico horas em casa estudando para colocar em prática novas ideias e soluções para o site no dia seguinte. É bom saber que tenho alguma participação nesse projeto e ver o reconhecimento das pessoas. Um milhão de usuários em tão pouco tempo é gente pra caramba.”
Aqui Carlos comenta sobre o que espera para o futuro da Mirtesnet:
“Quero que ela se torne a primeira grande rede social brasileira e seja a mais conhecida do Brasil. Assim como as pessoas perguntam hoje se fulano tem ‘perfil no face’, em breve vão falar que têm ‘perfil no mirtes’. É só questão de tempo e acredito muito que vai dar certo. Até minha mulher que antes não gostava já apoia a ideia. Aos poucos vamos dar uma identidade totalmente personalizada, com aquele jeitinho brasileiro de ser.”
Hands-on da Mirtesnet (com todo respeito, seu Carlos)
O acesso à Mirtesnet é uma viagem no tempo. Como já dito, o site passa a estranha sensação de ser um Facebook do Mundo Bizarro, com tons de laranja, erros básicos de alinhamento e, quando não gráficos chupados do Facebook, uns bem feiosos.
São poucas áreas disponíveis, mas todas bem definidas. Existe o perfil, o feed de notícias, uma área para fotos e o novo sistema de grupos. Todas lembram versões atuais ou antigas das equivalentes do Facebook. A última novidade implementada é o bate-papo em texto, novamente muito parecido com o da rede rival e mais famosa.
A Mirtesnet ainda sofre daquele mal de rede social nova: todo mundo só fala de Mirtesnet lá. Sucesso total. Tem uma galerinha que vestiu a camisa e ajuda os novatos, oferece dicas, interage com o perfil oficial da rede. E, nessa, rola muita zoeira — boa parte involuntária, mas umas sacadas divertidas, como incluir o status de relacionamento “Forever Alone” e os comentários hilários de usuários mais desencanados.
Segundo Carlos, a pegada da Mirtesnet é propiciar amizades com desconhecidos enquanto protege as crianças de conteúdo impróprio. É uma conta meio complicada de fechar, mas… né? A lógica vai contra as acepções modernas de redes sociais, que tendem a fechar mais e mais o conteúdo a amigos próximos (filter bubble etc), com quem temos contato recorrentemente. Não deixa de ser, portanto, uma abordagem criativa. Meio paradoxal e totalmente sem nexo, mas criativa.
Vai, Brasil!
Poxa, dá um aperto no peito matar os ideais de um cara que, de verdade, tem colhões… Sair na doidera e criar uma rede social, levar a coisa a sério e angariar mais de 30 mil usuários pode não ser difícil, mas é uma aventura e tanto. Especialmente se considerarmos que Carlos saiu do emprego, fez um monte de dívidas e, no momento, receba apenas R$ 2.500 dos cinco anunciantes que a Mirtesnet já conseguiu, insuficiente para fechar um mês no azul — as despesas com hospedagem e com o Natanael passam essa soma.
Mas coragem pura e simples (ou ingenuidade) não é uma característica muito apreciada no agressivo mundo dos negócios. A Mirtesnet é lenta e não tem absolutamente nada novo, é apenas uma cópia mal feita do Facebook de uns dois, três anos atrás. Se projetos mais ambiciosos, com muito dinheiro investido e melhores tecnicamente, como Diaspora, Google Buzz e o novo MySpace, falharam em enfrentar a hegemonia do Facebook ou mesmo em se manterem no ar, a Mirtesnet conseguirá? É bem provável que não. Mas talvez consiga, pelo regionalismo da coisa, o que seria mais um feito surpreendente da listinha de feitos surpreendentes de Carlos. Agora, ganhar o Brasil e o mundo? Desculpa, não vai rolar.
Além de todos esses problemas, parece que falta direcionamento. Em várias postagens o pessoal que desenvolve a Mirtesnet pergunta aos usuários o que eles querem ou onde o site “pode melhorar”. Não é assim, vocês têm que antecipar as necessidades, ou criá-las. De qualquer forma, tenho meus pitacos aqui:
- Liberar o botão “Não curti”. Vamos ver como esse negócio funciona na prática;
- Comunidades, galera, comunidades!
A Internet segue órfã das comunidades do Orkut e elas seriam um marketing bem pesado para a Mirtesnet. “As comunidades do orkut, o layout do Facebook”. Isso poderia funcionar, isso poderia ser grande. [Mirtesnet via R7]