Como o WhatsApp foi usado para sustentar a denúncia da Lava Jato contra Lula
Em mais um desdobramento da Operação Lava Jato, o Ministério Público Federal denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a esposa Marisa Letícia e mais seis pessoas por corrupção e lavagem de dinheiro. Os indícios foram reunidos em um extenso relatório que inclui um caso curioso envolvendo o WhatsApp.
• Na denúncia da Lava Jato contra Lula, uma apresentação acabou roubando a cena
A Polícia Federal descobriu mensagens comprometedoras no iPhone de José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, ex-presidente da empreiteira OAS. O aparelho foi apreendido na 7ª fase da Lava Jato. Para descobrir quem era um dos contatos, a PF teve uma ideia: adicionar o número ao WhatsApp.
Marcelo Ramalho, funcionário do grupo OAS, enviou uma mensagem de WhatsApp para Léo Pinheiro dizendo: “segue o celular de Dr. Fábio”, com o número. (A PF estava com o celular de Léo Pinheiro em mãos e não precisou quebrar sigilo.)
Quem seria esse misterioso Dr. Fábio? A PF adicionou o número ao WhatsApp e o que apareceu foi a foto de Fábio Luís Lula da Silva, também conhecido como Lulinha. A MPF explica no relatório:
A vinculação do filho do ex-presidente da República ao telefone indicado por Marcos Ramalho como sendo de propriedade do “Dr. Fábio” é feita pelo fato de que, quando tal número é salvo em qualquer aparelho telefônico e selecionado no aplicativo “WhatsApp”, aparece como imagem do contato uma foto de Fábio Lula da Silva…
De fato, um relatório da PF acabou vazando o número de celular de Lulinha. Antes, a foto de perfil dele era esta:
Ele resolveu trocá-la pela imagem de um protesto no tríplex em Paraty (RJ) que aparentemente pertence à família Marinho, da Rede Globo; o app diz que Lulinha foi visto pela última vez em 16 de março. (Parece que ele migrou para o Telegram.)
Claro, esta não é a única prova que a PF tem de que o número pertence a Lulinha: eles solicitaram confirmação da operadora Oi. “O referido terminal telefônico encontra-se cadastrado, desde a data de 13/07/2013, em nome da empresa Gamecorp S.A, de propriedade de Fábio Lula da Silva”, explica o relatório.
O celular de Léo Pinheiro também revela conversas dele com Paulo Gordilho, diretor da OAS Empreendimentos, sobre a reforma de um apartamento tríplex no Guarujá (SP) e de um sítio em Atibaia (SP), que pertencem a um “chefe” – que o MPF diz ser Lula. Uma das mensagens diz: “o Fábio ligou desmarcando”.
Alguns dias depois, Léo Pinheiro recebeu mensagem – desta vez pelo iMessage – de uma pessoa não-identificada, dizendo que Fernando Bittar “aprovou junto à Dama os projetos tanto do Guarujá como do sítio”. (Acredita-se que a “dama” é Marisa Letícia.)
Bittar é o proprietário do sítio em Atibaia, mas não possui qualquer relação formal com o tríplex. O MPF diz que a mensagem é um indício que ele agiria “como interposta pessoa para ocultar benefícios patrimoniais recebidos por Lula e sua esposa”.
Para o MPF, o celular de Léo Pinheiro revela a proximidade do executivo com Lula, o que teria levado a esquemas de corrupção envolvendo a Petrobras:
… Lula já era bastante próximo do principal executivo da Construtora OAS, Léo Pinheiro, tendo sido apreendidas no celular desse, inclusive, diversas anotações demonstrando extensas “pautas” de interesses a serem tratados com o ex-presidente da República, incluindo obras públicas. Assim, Léo Pinheiro, possuindo poder de gestão sobre o Grupo OAS, comandou a geração de recursos espúrios na celebração de contratos entre a Construtora OAS e Administração Pública Federal, notadamente a Petrobras, e… utilizou a OAS Empreendimentos para fazer chegar vantagens indevidas, decorrentes do esquema de corrupção engendrado no seio da administração pública, a Lula e Marisa Letícia.
O relatório completo – disponível aqui – tem muitos outros indícios: são 149 páginas, mais os anexos. O MPF diz que Lula recebeu R$ 3,7 milhões em propinas através do custeio do apartamento tríplex no Guarujá e do sítio em Atibaia. Caso a Justiça aceite a argumentação, os denunciados se tornarão réus e serão julgados.
Em nota, os advogados do ex-presidente dizem: “o fato real inquestionável é que Lula e D. Marisa não são proprietários do referido imóvel, que pertence à OAS. Se não são proprietários, Lula e sua esposa não são também beneficiários de qualquer reforma ali feita… afirmamos que nossos clientes não cometeram, portanto, crimes de corrupção passiva, falsidade ideológica ou lavagem de capitais.”
[MPF via @MoisaPrado]
Foto por Álvaro Ibáñez/Flickr