Nova técnica de preservação cerebral pode ser um caminho para a transferência mental
Usando uma técnica desenvolvida três anos atrás, pesquisadores do MIT e do 21st Century Medicine mostraram que é possível preservar as estruturas microscópicas contidas dentro do cérebro de mamíferos grandes. O avanço significa que cientistas agora têm o meio para armazenar e estudar amostras do cérebro humano por prazos mais longos — mas o método poderia eventualmente, talvez, ser usado para ressuscitar os mortos.
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Em 2015, noticiamos sobre a mesma equipe, liderada por Robert McIntyre, do MIT, e Greg Fahy, do 21st Century Medicine, sendo premiada em US$ 26.735 com o Small Mammal Brain Preservation Prize (Prêmio de Preservação Cerebral em Mamíferos Pequenos, em tradução livre), que é comandado pela Brain Preservation Foundation (BPF), uma organização sem fins lucrativos com o objetivo de aprofundar as pesquisas sobre preservação cerebral.
Nesse caso, o “cérebro mamífero pequeno” pertencia a um coelho, mas uma versão ampliada da mesma técnica agora foi usada para preservar um cérebro de porco, uma conquista que garantiu à equipe o Large Mammal Brain Preservation Prize (Prêmio de Preservação Cerebral em Mamíferos Grandes, em tradução livre), que vem com uma premiação de US$ 80 mil.
Soa como uma melhoria incremental, mas este passo abre a porta para aplicações médicas específicas em humanos, como a capacidade de estudar seções 3D do cérebro humano em extremo detalhe. Mais conceitualmente, a técnica poderia ser usada para biostasia humana a longo prazo. E, aliás, McIntyre está agora correndo com essa possibilidade e criou uma nova empresa chamada Nectome com a seguinte missão:
Preservar nosso cérebro bem o bastante para que possamos manter todas suas memórias intactas: desde aquele grande capítulo do seu livro favorito à sensação do ar gelado de inverno, assando uma torta de maçã, ou jantando com seus amigos e família. Acreditamos que, dentro do século atual, será factível digitalizar essas informações e usá-las para recriar sua consciência.
Ainda estamos longe de transferir nossas mentes para um computador (algo que talvez nunca aconteça), mas se algum dia isso se tornar realidade, poderemos olhar para trás para esforços pioneiros como esse. Como a BPF apontou em um comunicado de imprensa, essa técnica de preservação cerebral, chamada de Criopreservação Estabilizada com Aldeído (ASC, na sigla em inglês), possibilitaria aos pacientes (isto é, com seus cérebros preservados em crioarmazenamento) “esperar com segurança todos esses séculos” necessários para desenvolver tecnologias de transferência de mente.
“Por enquanto, a neurociência está ativamente explorando a plausibilidade da transferência de mente por meio de estudos correntes sobre a base física da memória e por meio do desenvolvimento de simulações neurais de grande escala e ferramentas para mapear conectomas“, escreve a BPF. “Essa vitória deve jogar os holofotes em pesquisas neurocientíficas como essa, sublinhando sua importância para a humanidade.”
Detalhes da ASC foram publicados no periódico científico Cryobiology e verificados de forma independente pelos neurocientistas Kenneth Hayworth e Sebastian Seung, então isso não é só uma fantasia transumanista vazia. O processo envolve imergir um cérebro de mamífero com um estabilizador químico (um fixador à base de glutaraldeído) e crioprotetores (para evitar dano ao resfriar), levando-os a -135º C para armazenamento a longo prazo.
No caso de os cientistas quiserem estudar o cérebro preservado, seja daqui a alguns meses ou alguns séculos, tudo que precisam fazer é aquecer o cérebro e remover os criopreservadores. O resultado final não é uma substância biológica, mas um objeto como que de plástico que ainda (teoricamente) contém todas as informações que foram armazenadas dentro do cérebro no momento da morte.
Imagens mostrando os vários estágios do processo e o cérebro do porco depois do reaquecimento. Foto: Brain Preservation Foundation
É por essa razão que a técnica está sendo tratada como uma nova forma de criogenia. Mas diferentemente da criogenia convencional, em que um corpo inteiro ou uma cabeça são preservados em um tonel de nitrogênio líquido, a técnica ASC não se esforça em preservar funções biológicas. Em vez disso, o objetivo é evitar a “morte cerebral teórica de informação”, onde “coisas” que são necessárias para restaurar a personalidade e as memórias de uma pessoa permanecem intactas.
De maneira concebível, pedaços desses cérebros preservados poderiam ser digitalizados e reconfigurados em um computador para reconstruir o conectoma de uma pessoa — a totalidade das conexões internas específicas de um cérebro.
Como relatado no MIT Technology Review, McIntyre, junto com seu parceiro de negócios Michael McCanna, vai descrever o sistema de preservação cerebral da Nectome na próxima semana, durante o Dia de Demonstrações da Y Combinator, em Mountain View, na Califórnia.
A equipe da Nectoma também conversou com advogados sobre a lei de suicídio assistido da Califórnia, que torna a morte assistida por um médico permissível para pacientes em doenças terminais; a ideia aqui é que a integridade de uma preservação cerebral vá funcionar melhor quando um paciente passar pela eutanásia antes que uma doença terminal cause dano ao corpo e (especialmente) ao cérebro. A Nectoma ainda não está preservando cérebros para clientes, mas 25 pessoas já foram adicionadas à lista de espera da empresa, segundo o MIT Technology Review.
Quem estiver achando que esse é um caminho em direção à imortalidade vai ficar bem decepcionado. Tirando os obstáculos técnicos, a abordagem da técnica ASC não garante continuidade da consciência. Como mencionado, essa é uma forma de preservação destrutiva, em que a matéria biológica é basicamente transmutada para um dispositivo de armazenamento temporário.
Embora suas memórias e personalidade tenham uma chance de renascimento, sua consciência provavelmente será obliterada para sempre. A preservação cerebral é, desta maneira, uma forma de suicídio, mas com o conhecimento de que uma “cópia” digital de você pode viver para ver o amanhã.
Mas essa é só a minha opinião — ainda não sabemos como a consciência funciona, então ainda é impossível saber.
[Cryobiology, Brain Preservation Foundation, Evidence-Based Cryonics, MIT Technology Review]