O que acontece dentro do acelerador de partículas brasileiro?
A 118 quilômetros de São Paulo existe, em Campinas, o primeiro síncrotron da América Latina. Em outras palavras, um acelerador de partículas. Desde já, saiba que é maldade compará-lo ao todo poderoso LHC, mas o LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron) e seu acelerador UVX fazem algumas coisas bem animais. E nós fomos visitá-los para entender o que acontece quando alguém aperta o play e as partículas começam a rodar loucamente em uma gigantesca estrutura circular.
O LNLS faz parte de um pólo de pesquisas chamado CNPEM (Centro Nacional de Pesquisas em Energias e Materiais), localizado em um local afastado da cidade de Campinas. O local, sem fins lucrativos, foi criado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e abriga quatro grandes centros de pesquisa: o LNBio, de biociências; o CTBE, de bioetanol; o LNNano, focado em nanotecnologia; e o já citado LNLS, que conta com um síncrotron. Passeando pelas instalações, é fácil lembrar de vários cenários do jogo GoldenEye 007, aquele clássico que você jogou até desmaiar com seus primos (Facility, saudades).
Mas calma lá. O que diabos é um síncrotron?*
O sícrotron é essa estrutura que você vê na foto inicial. Aquilo é um acelerador de partículas, com 30 metros de diâmetro. Porém, tudo tudo começa mais embaixo: enterrado no chão do sícrotron há um acelerador linear, que dispara os pacotes de elétron no anel central. Lá, os elétrons ficam correndo loucamente até atingirem algo próximo à velocidade da luz. E aí a corrida de verdade acontece.
Ao atingir a velocidade ideal, o elétron entra no anel síncrotron. Mas diferente daquele autorama simples que eu tinha quando era pequeno, os elétrons não correm com tanta facilidade na pista. O motivo? Eles não sabem fazer curva (tudo bem, eu também não sabia). E se um elétron encosta em qualquer uma das paredes do anel, ele perde força, o experimento é abortado e é bem caro começar tudo de novo.
A solução para curvas é também o que faz com que o LNLS seja tão importante: ao adicionar eletroímãs nos pontos de curva, o anel não só deixa o elétron girando como uma massa teleguiada. Ele também recolhe o material essencial das pesquisas, a radiação síncrotron.
O anel do LNLS tem objetivo bem diferente do LHC. O segundo trabalha com os extremos da física nuclear. Mexendo com partículas subatômicas e atingindo forças de mais de 130 GeV (a energia de um elétron acelerado por uma tensão de 130 bilhões de Volts), o LHC quer explorar um universo que ainda é um mistério para nós, como a matéria negra, o Bóson de Higgs e outras maluquices — e se essa parte lhe interessa, recomendamos a leitura sobre o que aconteceu no Phenomenology 2012 Symposium.
A proposta do LNLS é outra. Diversas fabricantes de todo o tipo de material imaginado precisam de novos estudos em busca de melhores materiais — mais baratos, menos poluentes, mais maleáveis etc. E ter uma estrutura sem fins lucrativos que conta com uma máquina de US$250 milhões pronta para pesquisar tais materiais é ótimo.
E é assim que chegamos à radiação síncrotron. Toda vez que o elétron é desviado por um eletroímã, ele deixa um vestígio. Tal espectro é encaminhado para sua linha de luz correspondente. Imagine como um arco-íris: cada feixe de radiação corresponde a um tipo de pesquisa de material. A partir daí, análises são feitas em aplicações como, por exemplo, proteínas e cristais. Enquanto um arco-íris tem um espectro de cores, o síncrotron é capaz de selecionar a “cor” e até mesmo a polarização da radiação criada.
Porém, o anel brasileiro está atrasado. É, juro. Nosso anel de sícrotron é de segunda geração. Isso significa que nossos elétrons conseguem gerar uma energia de apenas 1.37 GeV. Em países como França e Inglaterra, o anel de síncrotron de terceira geração atinge até 3 GeV. Na prática, isso significa que o espectro gerado pelos franceses e ingleses é muito mais preciso e detalhado do que o emitido aqui. Harry Westfahl, vice-diretor científico do LNLS, diz que a diferença das imagens chega a seis graus de diferença: enquanto conseguimos enxergar os espectros gerados na casa dos milímetros, um síncrotron de terceira geração é tão detalhista que chega na casa dos nanômetros.
Então, qual a solução? Sirius. O nome da solução é Sirius.
O projeto Sirius
O projeto Sirius é o próximo passo do Brasil no estudo de elétrons, partículas e materiais com um acelerador de partículas. E é a grande empolgação de quem trabalha no LNLS: um síncrotron de terceira geração, cinco vezes maior do que o anel atual.
Para se ter uma ideia, o acelerador atual caberia no meio do anel da foto acima, a concepção artística do Sirius. A expectativa é a de que o local tenha 31 mil metros quadrados e conte com 40 linhas de luz para captação dos espectros, que poderão ser analisados com mais precisão. Segundo o LNLS:
“Apesar da alta confiabilidade, a atual fonte Síncrotron, de 2ª geração, possui limitações que inviabilizam sua utilização em um grande número de aplicações relevantes para futuros projetos de ciência e tecnologia. Sirius, de 3ª geração e raios X altamente energéticos, terá parâmetros semelhantes ou superiores às modernas instalações do mundo, abrindo novas oportunidades para a pesquisa brasileira.”
Na prática, o Sirius aumentaria o número de empresas interessadas no uso do país como campo de pesquisas — gigantes como a General Electric e a IBM usam a luz de síncrotron para pesquisas de materiais. A capacidade de pesquisas por ano também saltaria de 1.600 para 2.700 — hoje, empresas ficam na fila para poder usar o UVX. Ou seja: o Sirius quer “internacionalizar” o Brasil no assunto, colocá-lo no mapa quando o assunto for acelerar partículas.
No entanto, o Projeto Sirius, por enquanto, ainda está no papel e a previsão para o término de sua construação é apenas em 2016. E ele já vem sendo divulgado e prometido pelo menos desde 2010. Mas O CNPEM e o LNLS têm motivos para se empolgar: a instalação é um dos carros-chefe do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Conversando com funcionários do LNLS, a sensação é de que a troca de Aloísio “Fábrica-de-iPads” Mercadante por Marco Antonio Raupp é mais um motivo para empolgação com o projeto: Raupp é físico e já deixou claro que quer estimular o investimento em ciência, principalmente em iniciativas que envolvam parcerias com empresas. Em janeiro, questionado pela Folha sobre projetos como Sirius, Raupp disse que tais projetos são importantes para a ciência brasileira, e que “é preciso viabilizá-los, mesmo que seja preciso distribuir o orçamento em vários anos”.
O Projeto Sirius foi orçado em US$207 milhões, pouco mais de R$400 milhões. A promessa do Ministério é a de que neste ano sejam liberados pelo menos R$35 milhões para o início das obras, que ocupará um grande espaço no CPNEM. O pólo argumenta que o valor é ínfimo: equivale a 0,01% do PIB em 2010, e 1,7% dos gastos federais em ciência e tecnologia no mesmo ano.
Teremos que esperar bons anos para ver o Sirius em ação. E, não, ele não encontrará o Bóson de Higgs. Mas, com sorte, ele ajudará o Brasil a se firmar em um cenário onde ainda estamos devendo um bocado. E em 2016 nós voltamos lá para ver se a promessa se concretizou.
*Se etimologicamente a palavra síncrotron também lhe deixa curioso, nosso amigo físico Pedro Augusto explica detalhadamente de onde veio o nome desse monstrinho:
“A diferença entre o síncrotron e seu irmão mais velho, o cíclotron, é que o segundo acelerava prótons (bem mais pesados que os elétrons) entre duas cavidades semicirculares em que a direção de um campo elétrico é alternada constantemente, fazendo com que os prótons ganhem velocidade a cada passagem por uma dessas cavidades, enquanto um campo magnetico é responsável por mantê-los em uma órbita circular estável.
O problema é que quando uma partícula alcança velocidades próximas à da luz, os efeitos relativísticos começam a aparecer, e a partícula fica mais ‘pesada’, portanto mais difícil de ser acelerada a cada um ciclo desses. Isso, somado à perda de energia do elétron em forma de radiação eletromagnética em razão de estar sendo acelerado em uma órbita, causa uma dessincronia entre a frequência desses elétrons no acelerador e o próprio acelerador. É como se quanto mais rápida ela ficasse, mais lenta ela ficasse. A solução pra isso é sincronizar os cíclos com esses efeitos relativísticos dando a cada ciclo um pouco mais de energia para a particula. o resultado final é que a particula dá uma volta completa no acelerador sempre com a mesma duração de tempo, e assim todos ficam feliz. Daí o nome: SÍN-CRO-TRON!”