Por que Fukushima Daiichi não será outra Chernobyl
Seis dias depois do terremoto que abalou o Japão e deixou milhares de mortos, a nação japonesa está agora lutando para evitar o desastre na usina nuclear de Fukushima Daiichi. Os eventos aconteceram rápido, e os riscos são difíceis de avaliar.
O pior acidente nuclear de história foi a explosão de Chernobyl em 1986, onde hoje fica a Ucrânia. Especialistas nucleares repetidamente disseram que a situação japonesa não pode ficar tão ruim quanto Chernobyl. A New Scientist explica o motivo.
O que aconteceu até agora no Japão?
Depois do terremoto de magnitude 9 de sexta-feira passada na costa do Japão, os reatores nucleares de Fukushima Daiichi automaticamente desligaram – como era para acontecer. Entretanto, o sistema de resfriamento falhou repetidamente, fazendo os núcleos de alguns dos reatores superaquecer. Isto indiretamente levou a explosões causando danos tanto à parte externa das construções quanto às partes do sistema de contenção feitas para prevenir que o material radioativo escapasse. Por causa das fendas abertas nas explosões, uma parte do material chegou à atmosfera.
Além disso, reservatórios contendo as varas de combustível usado estavam superaquecendo e potencialmente poderiam levar a mais contaminação.
Nós publicamos um resumo detalhado dos eventos que aconteceram até agora em 15 de Março, e você pode seguir as últimas informações em nosso blog Short Sharp Science (em inglês).
O que aconteceu em Chernobyl?
Os funcionários da usina estavam fazendo testes para descobrir como eles poderiam lidar com um desligamento temporário do sistema de resfriamento do reator. O teste deu errado e houve uma oscilação de energia. Os funcionários tentaram desligar o reator, mas ao invés disso a reação nuclear acelerou rapidamente.
“Por alguns segundos, ele estava gerando milhares de vezes a potencia de energia normal,” diz Michael Bluck do Imperial College London. O calor intenso da reação nuclear causou a explosão, que destruiu o telhado do reservatório do reator e da construção onde ele estava – expondo o núcleo do reator para o mundo exterior – e fazendo com que o material radioativo atingisse a atmosfera.
Então os incêndios começaram. Alguns deles foram extintos em algumas horas, mas um deles no reator danificado durou muitos dias, espalhando o material radioativo ainda mais longe.
Quão grave foi Chernobyl?
Chernobyl foi o único evento a receber a classificação máxima de 7 na Escala Internacional de Eventos Nucleares e Radiológicos, que mede a gravidade de acidentes nucleares. Isto significa que liberou uma grande quantidade de material radioativo e cobriu uma grande área.
É cedo demais para dizer como o incidente em Fukushima Daiichi irá se comparar. As autoridades japonesas provisoriamente colocaram o evento como nível 4, um “acidente local”, e depois reajustou para 5. No começo da semana, entretanto, a agência nuclear francesa classificou o desastre pelo menos com um nível 5 ou 6.
O que é diferente sobre o acidente em Fukushima Daiichi?
O reator em Chernobyl ainda estava funcionando – embora em baixa potência – no momento do acidente. Ao contrário dos reatores de Fukushima Daiichi que desligaram automaticamente assim que sentiram o terremoto, inserindo as barras de controle, então as reações nucleares em seus núcleos começaram a diminuir em segundos. Isso significa que, desde o início, a quantidade de calor produzida era muito menor do que em Chernobyl.
Então por que a mesma reação não poderia acontecer em Fukushima Daiichi?
O reator em Chernobyl tinha um projeto fundamentalmente diferente daqueles em Fukushima Daiichi. Chernobyl usava urânio não enriquecido, que é um combustível nuclear fraco. Para conseguir usá-lo, o reator foi desenhado de uma maneira para facilitar a aceleração da reação nuclear. Isso permitiu gerar quantidades consideráveis de energia, mas também o deixou vulnerável a ficar fora de controle.
Fukushima Daiichi usa combustível mais potente do que Chernobyl usava, em sua maioria urânio enriquecido. Ao contrário do reator ucraniano, o seu desenho minimiza a reação nuclear a menos que operadores humanos aumentassem intencionalmente. “Você tem que realmente querer fazê-lo fluir,” diz Bluck.
Normalmente os núcleos dos reatores são cercados por água. O calor da reação nuclear ferve a água, criando vapor que move as turbinas gerando eletricidade. Fazendo isso, a água também ajuda a esfriar o reator.
Mas fundamentalmente, a água também é um “moderador”: ela ajuda a manter a divisão atômica da reação do urânio tornando mais lentos os nêutrons produzidos pela reação conforme eles colidem e saem das barras de combustível. Nêutrons lentos mantem a reação, liberando ainda mais nêutrons e calor dos átomos de urânio nas barras; nêutrons movendo-se rapidamente passam direto através das barras de combustível sem colidir com outros átomos de urânio. Se a água esquentar demais, entretanto, bolhas serão formadas dentro dele e isso permitirá que os nêutrons escapem, diminuindo a reação nuclear.
Na prática, se o líquido superaquecer, ele começa a parar a reação, sem nenhuma intervenção humana. “É uma solução brilhante,” diz Bluck.
Engenheiros nucleares chamam isso de “coeficiente de reatividade negativo”, porque ter bolhas no líquido que resfria o motor desacelera a reação. Já Chernobyl tinha um coeficiente de reatividade positivo, então a reação tinha a tendência de acelerar.
Fukushima Daiichi poderia pegar fogo como aconteceu em Chernobyl?
Tem havido alguns pequenos incêndios no local, mas todos foram apagados rapidamente. Em um caso as autoridades japonesas inicialmente disseram que um dos reservatórios de combustível estava em chamas, mas depois isso foi desmentido e permanece incerto o que aconteceu de verdade. Em outro caso, o fogo foi atribuído aos motores a diesel bombeando água nos reatores. Todos os incêndios parecem ter acontecido fora dos reservatórios de pressão que contém o núcleo das barras de combustível radioativas.
Em Chernobyl o reservatório de pressão foi danificado e o reator não tinha contenção. Lá, o próprio núcleo queimou ferozmente, principalmente porque ele era feito de grafite – que era usado como moderador. Isso não fez com que o acidente fosse mais provável de ocorrer, explica Bluck, mas uma vez que o reator explodiu o grafite tornou a situação ainda pior, porque ele prontamente entrou em chamas. As chamas levavam material radiativo do núcleo do reator para a atmosfera, onde ele se espalhou por uma vasta área. Isso não poderia acontecer em Fukushima Daiichi, porque ele não usa grafite como moderador.
Qual a pior coisa que pode acontecer em Fukushima Daiichi?
É difícil dizer isso com certeza, porque a informação é limitada e muitas vezes confusa, e o resultado vai depender das decisões que os operadores da usina tomarem.
Mas no momento os reatores parecem em grande parte sob controle e estão rapidamente sendo refrigerados. As barras de controle, que absorvem nêutrons e abafam as reações nucleares, estão para dentro desde sexta-feira, e os reatores tem sido banhados com água do mar misturada com ácido bórico – para ajudar a absorver os nêutrons. Por causa dos coeficientes de radioatividade negativos do reator, as reações nucleares não podem reiniciar agora a menos que estas ações sejam revertidas. “Não há margens para que aconteçam situações críticas,” diz Bluck.
Um acidente nuclear seria possível apenas se, por alguma razão inexplicável, os operadores começassem a desfazer tudo que eles fizeram até agora para controlar a reação.
Houve alguns vazamentos de material radioativo e provavelmente haverá mais, em partes por causa do sistema de contenção que rompeu, e também porque o vapor radioativo precisa ser regularmente expelido para deixar mais água entrar.
A maior ameaça agora parecem ser os tanques de combustível usado, onde o nível da água desceu e a temperatura subiu. Isso pode fazer com que as barras de combustível abram, soltando seu conteúdo radioativo.
Bluck está surpreso que os tanques estão provando ser tão problemáticos, porque diferente dos núcleos do reator eles não contém vapor de alta pressão dificultando o processo de bombear água para a refrigeração. Os tanques são uma característica padrão em instalações nucleares, e normalmente são projetados para garantir que reações nucleares não possam reiniciar nas barras de combustível: entre outras coisas, as barras devem ter um espaço bem grande entre si no tanque.
Entretanto, a empresa operando Fukushima Daiichi disse agora que, a respeito do tanque de combustível no reator 4, “o risco de uma nova situação crítica não é zero”, significando que uma reação nuclear em cadeia pode reiniciar nas barras. Como isso pode acontecer não está claro. Mas colocar ácido bórico para absorver nêutrons pode parar a reação antes que ela aconteça.
A New Scientist relata, investiga e interpreta os resultados dos esforços humanos no contexto social e cultural, proporcionando uma cobertura abrangente das notícias da ciência e tecnologia.