Lembre-se: os preços altos dos gadgets no Brasil não são culpa apenas dos impostos
Hoje, o site The Verge publicou uma reportagem sobre os altos preços de smartphones no Brasil, e os efeitos disso por aqui: há quem viaja ao exterior para trazer gadgets de fora; há quem compre no Mercado Livre; e há quem decida comprar aparelhos de contrabando, com preços suspeitosamente baixos.
Esse olhar de fora coloca a culpa dos preços altos principalmente na inflação e nos altos impostos. Mas, como notamos várias vezes no Gizmodo Brasil, há outro motivo que essas análises geralmente esquecem.
Uma reportagem recente do New York Times, citada pela matéria do Verge, chega mais próximo de explicar os preços altos, mas acaba voltando aos impostos:
Os custos altíssimos no Brasil podem ser atribuídos a uma série de fatores, incluindo gargalos de transporte que tornam caro levar produtos aos consumidores, políticas protecionistas que blindam fabricantes brasileiros da concorrência, e um legado dos consumidores um pouco acostumados com inflação relativamente alta… Mas economistas dizem que grande parte da culpa para os preços incrivelmente altos está no sistema fiscal disfuncional…
A infraestrutura precária ajuda a encarecer os produtos: o transporte no país, por exemplo, depende muito das rodovias. Isso é muito mais caro que levar tudo usando trens, e ainda resulta em perdas devido ao transporte. Isso se junta a ineficiências para atuar no país: o Brasil está em 130º no ranking de burocracia do Banco Mundial (quanto pior a colocação, mais burocrático é o país). Tudo isso faz parte do Custo Brasil; em reportagem para a revista Super Interessante, Alexandre Versignassi e Felipe van Deursen explicam isso com mais detalhe – selecionamos aqui os melhores trechos.
Sim, é inegável que os impostos pesam demais nos preços dos eletrônicos vendidos no Brasil. O ICMS, imposto sobre o consumo, varia entre 16% e 18% e pode chegar a 25%. E ainda há o imposto de 60% sobre importações – a medida protecionista que o governo impõe há anos. As empresas gastam um terço do ano para lidar com impostos.
Reduzir os impostos ajuda a baixar preços, mas não torna os gadgets exatamente baratos. Por exemplo, os smartphones abaixo de R$1.500 e produzidos no Brasil têm alíquota zero de PIS/Cofins. Como o imposto recai sobre a venda dos aparelhos, não sobre sua produção, o efeito pôde surgir em poucos dias. Sim, algumas lojas “inflaram” o preço para fingir que estavam dando desconto, mas no geral os preços caíram de verdade.
No entanto, esta queda ficou limitada a R$50-R$100 na maioria dos celulares. Tome por exemplo o Lumia 620: lançado no Brasil por R$ 899, ele recebeu desconto após a isenção dos impostos e chegou a R$ 815. Meses após o lançamento, ele custa ainda menos: hoje você pode encontrá-lo por cerca de R$ 650 pagando à vista. Preços baixos, certo? Bem, não. exatamente: o mesmo aparelho custa cerca de US$ 200 desbloqueado na Amazon.
A diferença de preço entre Brasil e exterior motivou o empresário gaúcho Henri Chazan, presidente do Instituto da Liberdade, a declarar a notória frase: “Como sou pobre, só compro nos Estados Unidos”. Em certos casos o preço de um gadget no Brasil cobre seu valor nos EUA mais a passagem de avião e hospedagem. Note que o empresário disse isso há três anos, mas a frase continua atual.
Afinal, quem tem dinheiro sobrando compra um MacBook Pro Retina por R$ 6.000, ou um iPhone 5 por mais de R$ 2.000. Para os outros, resta pedir a algum conhecido nos EUA – ou ir até lá – para trazer o gadget por menos. É por isso que brasileiros gastam tanto por lá: no ano passado, foram US$ 1,9 bilhão em Nova York e mais US$ 1,5 bilhão em Miami, onde somos a principal nacionalidade entre os turistas. (Estamos em segundo lugar em NYC, logo atrás dos britânicos.)
Mesmo assim, os impostos não explicam, por si só, por que tudo custa tão caro no Brasil. Tome por exemplo o subsídio dado aos tablets: inclusos na “Lei do Bem”, eles recebem isenção de PIS/Cofins e redução de IPI se montados no Brasil. No entanto, levou muitos meses até os preços caírem, e boa parte da redução aconteceu graças à concorrência entre as empresas, não devido aos impostos.
E por vezes, o preço se manteve – ou até aumentou. O iPad é o principal exemplo: a Foxconn recebeu incentivos fiscais para fabricar produtos da Apple no país. No entanto, o preço do iPad 3 não caiu nas lojas que vendiam o modelo brasileiro. Pior: o iPad 4 é até R$300 mais caro que o antecessor. Até o iPad 2 ficou mais caro na Apple Store online!
Mais uma prova de que o imposto não é tudo: o preço absurdo de lançamento do Galaxy S4. A Samsung testou um novo patamar para o preço de smartphones high-end no Brasil: antes, a Apple ficava sozinha com seus valores altíssimos. Mas por que o S4 é mais caro que o S III no lançamento? Eles não recebem incentivo fiscal por custarem mais de R$ 1.500 – estão fora da Lei do Bem – mas os impostos não aumentaram em relação ao ano passado. E o preço do aparelho nos EUA praticamente não aumentou.
Aí chegamos na raiz dos preços mais altos. O Verge toca levemente no assunto:
“Há uma classe média emergente no Brasil e em toda a América do Sul”, diz [o antropólogo José Carlos] Aguiar. “Eles não são ricos, mas não tão pobres quanto os seus pais foram, então de repente você tem milhões de pessoas que querem comprar produtos – os iPhones e produtos high-end que eles veem com pessoas ricas e na TV.”
“A classe no Brasil não é determinada mais pela educação ou por bairros: é tudo sobre o estilo de vida. E é isso que está conduzindo este mercado.”
E voltamos ao problema do lucro Brasil. Se há quem pague caro, para que baixar o preço? E se o gadget está aí para representar status, não há muito sentido em deixá-lo mais barato. Essa postura por parte dos consumidores permite que os preços fiquem lá no alto.
Em entrevista à revista Trip, o antropólogo Roberto Da Matta nota como o Brasil está importando o modelo americano de consumo excessivo, mas mantendo a desigualdade:
Quando morava em Washington, uma vez estava correndo e vi o Bush filho, que era presidente na época, também correndo, com seguranças. Ele estava usando o mesmo Nike que eu. Aqui no Brasil, é mais difícil imaginar essa cena. Porque os objetos ainda refletem muito o segmento social da pessoa. O tênis, o carro, o restaurante não valem só pelo que eles são, mas como símbolos de status. É por isso que sai mais caro jantar no Rio ou em São Paulo do que em Nova York.
Qual a solução para os preços mais altos? Para alguns, é não comprar mais gadgets pelo preço “oficial” do Brasil: ou arranjá-lo pela internet a preços mais “justos”, ou adquiri-lo no exterior.
No entanto, até mesmo ir para os EUA comprar um gadget mais barato é sinal de status para a classe média. Do Financial Times:
“É quase como um rito de passagem”, diz Andrew Gajary, gerente geral do InterContinental Hotel, em Times Square, Nova York. “Uma viagem para Nova Iorque parece ter se tornado o símbolo de status para a nova classe média do Brasil”.
Os impostos não explicam, por si só, os altos preços do Brasil. Temos gargalos na infraestrutura que aumentam o Custo Brasil, e temos uma cultura de ostentação que motiva o Lucro Brasil. Enquanto esses dois fatores se moverem em um ciclo vicioso, as isenções de impostos só virarão lucro para as fabricantes, e continuaremos com os smartphones mais caros do mundo.
Foto por vpn2010/Flickr
Atualizado às 23h53 com comparação de preços do Lumia 620 (em vez do 520).