Tudo o que você precisa saber sobre a CRISPR, nova ferramenta de edição de DNA
A CRISPR é uma nova ferramenta de edição de genoma que pode transformar esse campo da biologia – – e um recente estudo feito em embriões humanos geneticamente modificados pode ajudar a transformar essa promessa em realidade. Mas cientistas querem mexer com genoma há décadas. Por que a CRISPR de uma hora para outra se tornou uma grande esperança?
Uma explicação rápida para isso é que a CRISPR permite que cientistas modifiquem genomas com uma precisão nunca antes atingida, além de eficiência e flexibilidade. Os últimos anos foram cheios de conquistas para a CRISPR, que criou macacos com mutações programadas e também evitou a infecção do HIV em células humanas. No começo deste mês, cientistas chineses anunciaram que aplicaram a técnica em embriões humanos, o que dá uma dica dos potenciais da CRISPR para curar qualquer doença genética. E sim, isso pode nos levar à era do design de bebês (no entanto, como os resultados desse estudo nos mostram, ainda estamos longe de conseguir levar essa tecnologia para a medicina).
Em resumo, a CRISPR é muito melhor do que técnicas antigas de edição genética. E sabe o que é mais interessante? Essa técnica não foi inventada por cientistas.
A CRISPR/Cas9 vem de bactérias estreptococos…
A CRISPR é na verdade um mecanismo de defesa antigo e natural encontrado em diversas bactérias. Nos anos 1980, cientistas observaram um padrão estranho em alguns genomas bacterianos. Uma sequência de DNA poderia ser repetida diversas vezes, com sequências únicas entre as repetições. Eles chamaram essa configuração estranha de “agrupados de curtas repetições palindrômicas regularmente interespaçadas”, ou CRISPR, na sigla em inglês.
Isso era um enigma até cientistas perceberem que as sequências únicas entre as repetições combinavam com o DNA de vírus — especificamente de vírus que são predadores de bactérias. A CRISPR é uma parte do sistema imunológico bacteriano, que mantém partes de vírus perigosos ao redor para poder reconhecer e se defender dessas ameaças durante os próximos ataques. A segunda parte desse mecanismo de defesa é um conjunto de enzimas chamadas Cas (proteínas associadas à CRISPR), que podem cortar precisamente o DNA e eliminar vírus invasores. Convenientemente, os genes que codificam para o Cas são sempre os que estão próximos às sequências CRISPR.
Eis como os sistemas trabalham em conjunto para acabar com os vírus, como Carl Zimmer explicou no Quanta:
Conforme a região CRISPR se enche com o DNA de vírus, ela se torna uma galeria das moléculas mais procuradas, representando os inimigos que o micróbio encontrou. O micróbio pode então usar esse DNA viral para transformar as enzimas Cas em armas guiadas com precisão. Depois, o micróbio copia o material genético em cada espaçador e o coloca em moléculas RNA. As enzimas Cas deslizam pela célula. Se encontrarem material genético de um vírus que corresponde a um RNA CRISPR, o RNA o prende. As enzimas Cas então cortam o DNA em dois, impedindo a replicação dos vírus.
Existem diversas enzimas Cas, mas a mais conhecida é chamada Cas9. Ela vem da Streptococcus pyogenes, uma bactéria conhecida por causar infecção na garganta. Juntos, eles formam o sistema CRISPR/Cas9, frequentemente abreviado para apenas CRISPR.
É uma forma mais precisa de edição de genoma…
A esta altura, você talvez já esteja ligando os pontos: a Cas9 é uma enzima que corta DNA, e a CRISPR é uma coleção de sequências de DNA que dizem à Cas9 onde exatamente deve cortar. Tudo o que os biólogos precisam fazer é fornecer à Cas9 a sequência correta, chamada RNA guia, e pronto, você pode cortar pedaços de sequências de DNA no genoma onde você quiser.
A Cas9 consegue reconhecer uma sequência com até 20 bases, assim pode ser usada para agir em genes específicos. Tudo o que é necessário fazer é projetar uma sequência-alvo usando uma ferramenta online e então ordenar para o RNA guia agir. Em questão de alguns dias a sequência-guia chega pelo correio. Você pode até consertar um gene defeituoso ao cortá-lo com CRISPR/Cas9 e então injetar uma cópia normal na célula. Ocasionalmente, no entanto, a enzina acaba cortando o lugar errado, e esse é um dos principais obstáculos para um uso amplo do sistema.
… e muito mais eficiente…
Camundongos cujos genes foram modificados ou desabilitados são a força de trabalho da pesquisa biomédica. Pode demorar até um ano para estabelecer uma nova linha de camundongos geneticamente alterados com técnicas tradicionais. Mas leva apenas alguns meses com a CRISPR/Cas9, salvando a vida de muitos camundongos e economizando tempo.
Tradicionalmente, um desses camundongos é criado com o uso de células-tronco. Pesquisadores injetam a sequência alterada de DNA nos embriões dos camundongos, e torcem para eles serem incorporados através de um processo raro chamado recombinação homóloga. Alguns camundongos da primeira geração serão quimeras, e seus corpos serão uma mistura de células com e sem a sequência mutada. Apenas algumas das quimeras terão órgãos reprodutivos que produzem esperma com a sequência alterada. Pesquisadores então cruzam essas quimeras com camundongos normais para conseguir uma segunda geração, e torcem para que alguns deles sejam heterozigotos, ou seja, carregando uma cópia normal do gene e uma modificada em cada uma das células. Se você cruzar dois desses camundongos heterozigotos, poderá conseguir uma terceira geração de camundongos com duas cópias desse gene mutante. Então são necessárias ao menos três gerações de camundongos para conseguir um mutante experimental para pesquisas. Veja tudo isso resumido em uma linha do tempo:
Agora vamos explicar como é feito um desses camundongos com a CRISPR. Pesquisadores injetam as sequências CRISPR/Cas9 em embriões de camundongos. O sistema edita ambas as cópias do gene ao mesmo tempo, e você consegue o que procura em uma geração. Com a CRISPR/Cas9 você também pode alterar, se quiser, cinco genes de uma vez, enquanto da outra forma você precisaria enfrentar o mesmo processo trabalhoso e multi-geracional cinco vezes.
A CRISPR também é mais eficiente do que duas outras técnicas de engenharia genética antigas chamadas nuclease de dedo de zinco (ZFN, na sigla em inglês) e transcrição do gene alvo ativador-como nucleases efetoras (TALEN). A ZFN e a TALEN conseguem reconhecer grandes sequências de DNA e teoricamente possuem mais especificidade do que a CRISPR/Cas9, mas elas também possuem um grande ponto fraco. Cientistas precisam criar proteínas ZFN ou TALEN customizadas a cada vez que precisarem, e frequentemente eles precisam criar diversas variações até encontrar uma que funcione. É mais fácil criar a sequência do RNA guia para a CRISPR/Cas9, e a chance de dar certo é maior.
… e pode ser usada em qualquer organismo
Muitos experimentos científicos são feitos e limitados a poucos organismos: camundongos, ratos, moscas, um nematódeo chamado C. elegans, peixe-zebra. Isso porque esses são os organismos que os cientistas estudaram mais de perto e sabem como manipular geneticamente.
Mas com a CRISPR/Cas9 é possível, ao menos teoricamente, modificar o genoma de qualquer animal debaixo do sol. Isso inclui humanos. A CRISPR pode um dia ser a cura para diversas doenças genéticas, mas obviamente a manipulação genética é um assunto delicado do ponto de vista ético e algo muito distante de se tornar comum no nosso cotidiano.
Mais próximas da realidade estão outras criaturas geneticamente modificadas — e não apenas as em laboratório. A CRISPR pode se tornar uma grande força na ecologia e conservação de espécies, especialmente quando usada em conjunto com outras ferramentas de biologia molecular. Ele poderia, por exemplo, ser usado para introduzir genes que podem lentamente matar os mosquitos que transmitem malária. Ou genes que limitem espécies invasivas como ervas daninha. Pode ser também o próximo grande passo na conservação ou melhoria do meio ambiente — abrindo assim uma caixa com novos riscos e recompensas.
Com as recentes notícias de edição de embriões humanos, A CRISPR ganhou bastante atenção e destaque como um tratamento médico do futuro. Mas focar na medicina apenas é pensar pequeno demais. Engenharia genética precisa tem o potencial de não apenas nos mudar, mas também mudar o mundo inteiro e todos os seus ecossistemas. [Quanta, The Scientist, NOVA NEXT]