60 anos do adeus dos Beatles a sua “sede” The Cavern Club

Em 3 de agosto de 1963, os Beatles fizeram sua 292ª (e última) apresentação no The Cavern Club, bar montado num porão do centro de Liverpool. Contamos aqui a história do lugar
Imagem: Reprodução/Beatles museum

No sábado, 3 de agosto de 1963, os Beatles fizeram sua 292ª e última apresentação na casa que ficou para a história como sua “sede”, The Cavern Club. O bar montado no porão de um imóvel da Matthew Street, no centro de Liverpool, foi uma base fixa para shows dos Beatles entre fevereiro de 1961 e essa data derradeira dois anos depois.

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Naquele dia, há 60 anos, os Beatles já tinham começado a virar fenômeno. Tinham lançado três singles e um LP. O terceiro single, “From Me to You”, foi o primeiro do grupo a alcançar o 1º lugar da parada oficial britânica, ocupando esse posto por sete semanas entre maio e junho de 1963.

Os Beatles não tocavam no Cavern havia quase quatro meses. Desde abril, trabalhavam como loucos fazendo turnê por tudo que é canto do Reino Unido. Finalmente, teriam um retorno a Liverpool no começo de agosto.

Foi fechado um show no Cavern Club em 3 de agosto. Foram colocados à venda em 21 de julho apenas 500 ingressos, por exigência do empresário da banda Brian Epstein, e eles se esgotaram em meia hora. Cada um custava 9 shillings e 6 pence, de acordo com o antigo sistema monetário não-decimal britânico da época. O valor seria de cerca de 30 reais hoje.

Pelo show, os Beatles receberam 300 libras da época – cerca de 8 mil libras ou 50 mil reais em valores de 2023.

O espetáculo daquela noite de 1963 começou às 18h, com participação de outros artistas antes da atração principal. O encerramento foi às 23h.

Durante a apresentação dos Beatles, houve queda de energia no Cavern. Para preencher o vazio enquanto esperavam a luz voltar, Paul McCartney e John Lennon improvisaram uma versão acústica de piano da música “When I’m Sixty-Four”.

“When I’m Sixty-Four” é aquela canção graciosa à la anos 1920 que Paul compôs aos 14 anos em 1956 antes de ser convertido ao rock’n’roll. Os Beatles só gravaram e lançaram a música em 1967 no álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”.

Meros vinte dias depois desse último suspiro no Cavern Club, os Beatles lançaram o single “She Loves You”, marco zero do fenômeno mundial conhecido como Beatlemania.

“She Loves You” foi o primeiro disco a vender mais de um milhão de cópias no Reino Unido (no total, vendeu 1,93 milhão), passou quatro semanas em 1º lugar em setembro e outubro e ainda teve fôlego para voltar ao topo por mais duas semanas em dezembro de 1963.

A partir dali, tornava-se mesmo impossível para o quarteto voltar a sua cidade natal e tocar no apertadíssimo Cavern. Primeiro, por causa dos tumultos que fãs causariam, com ou sem ingresso. Depois, porque os Beatles passaram a se ocupar de viajar pelo mundo e gravar no estúdio Abbey Road, em Londres.

Havia uma promessa da banda de voltar a tocar no Cavern. Mas ninguém se lembrou de cobrá-la depois de “She Loves You”.

Estreia com bilhetinho

A história da banda com o Cavern Club começou seis anos antes. Naquele ano de 1957, o Cavern foi fundado em janeiro por Alan Sytner para ser um clube de jazz igual a um que ele conheceu em Paris, também montado no porão de um imóvel.

Em 6 de julho de 1957, Paul McCartney conheceu John Lennon e este convidou o novo amigo a entrar para sua banda rudimentar de skiffle, The Quarrymen.

Os rapazes souberam que o Cavern Club proibia rock’n’roll, mas era tolerante com skiffle, um estilo que tem um pé no folk e no blues e outro na batida do rock, mas tocado com instrumentos acústicos ou improvisados.

The Quarrymen sonhavam ser rock, mas ainda eram skiffle por falta de equipamento. E conseguiram ter um show marcado para o Cavern, preenchendo intervalos das apresentações de outras três bandas mais experientes.

Logo na segunda música de sua apresentação, o rebelde incorrigível John Lennon puxou um rock’n’roll de Elvis Presley, “Don’t Be Cruel”. Furioso, o proprietário Sytner foi até o palco e entregou um bilhete a Lennon: “Chega desse maldito rock’n’roll !”.

O grupo só retornaria ao Cavern já como Beatles em fevereiro de 1961, quando a casa já tinha outro dono – Ray McFall, um contador que comprou o local em 1959 – e era mais receptiva ao rock.

Os Beatles tinham acabado de voltar de uma longa estadia em Hamburgo, Alemanha Ocidental, onde tocavam mais de 12 horas por dia/noite nos inferninhos da área de Reeperbahn e acabaram aprendendo a fazer de tudo com música.

Há uma história de que a estreia no Cavern foi promovida como “Direto de Hamburgo: The Beatles”. E que pelo menos alguns na plateia ficaram decepcionados ao saber que eles não eram alemães, mas sim dali mesmo de Liverpool.

Só que o cartaz não mentiu. Eles vinham mesmo direto de Hamburgo, onde tinham feito seus shows mais recentes…

Epstein e Pete Best

O Cavern foi cenário fundamental de muita coisa nessa fase inicial dos Beatles. Em novembro de 1961, o gerente-herdeiro da loja de discos NEMS, Brian Epstein, foi ao Cavern para saber quem eram aqueles Beatles que um cliente pediu para ele no balcão – no caso, era o compacto gravado na Alemanha acompanhando o cantor Tony Sheridan.

Todo elegante e refinado, Brian se enfiou naquela caverna suarenta para ver quatro moleques vestidos de couro preto tocar rock em volume ensurdecedor para um local tão pequeno.

Ao que consta, o homossexual Brian teria se encantado com a visão de John Lennon vestido todo de couro e não pensou duas vezes para encontrar a banda e se oferecer para ser seu empresário. Acordo fechado.

Epstein disciplinou os Beatles, baniu o couro e instituiu, e se encarregou de conseguir contrato com alguma gravadora. Foi rejeitado por várias. A mais dolorosa foi a rejeição da Decca, que chegou a gravar uma fita demo com a banda em 1º de janeiro de 1962.

Finalmente, surgiu a chance de fechar com a Parlophone, um selo sem muito prestígio subordinado à gigante EMI. O diretor artístico e produtor do selo era George Martin, que detestou o baterista Pete Best, rudimentar demais para seu gosto.

Assim, Epstein, John, Paul e Groove Harrison concordaram em demitir Pete Best e chamar o amigo Ringo Starr para assumir a bateria. Isso aconteceu em agosto de 1962.

No primeiro show no Cavern com Ringo, uma multidão de fãs de Pete Best (sim, ele tinha muitas e muitos graças ao topete e o look de rebelde misterioso) protestou do lado de fora e até dentro do clube.

Uma pessoa mais exaltada deu uma cabeçada em George Harrison, que nos dias seguintes participou das primeiras gravações oficiais dos Beatles com um olho roxo indisfarçável.

É de 1962 também, já com Ringo na bateria, o único vídeo com qualidade razoável dos Beatles tocando no Cavern. Eles tocam “Some Other Guy” para a câmera da emissora local Granada TV.

Neste vídeo abaixo, uma versão com duas versões de “Some Other Guy”: um ensaio e a que a Granada TV exibiu.

E, para quem não tem implicância com imagens antigas alteradas digitalmente, eis um vídeo colorizado:

O Cavern e o Cavern

O Cavern original em que os Beatles tocaram não existe mais. Foi demolido em 1973 por causa de obras de ventilação do metrô da cidade. Mas a demanda de fãs dos Beatles que chegam de várias partes do mundo até Liverpool levou à “refundação” do Cavern no imóvel vizinho, teoricamente aproveitando 70% das instalações do original. 

Estive no “novo” Cavern em 1996. Minha impressão no dia foi a de que qualquer Corpo de Bombeiros brasileiro proibiria na hora o local de funcionar pelo risco de uma tragédia em caso de incêndio. A “caverna” fica mesmo bem abaixo da rua. Chega-se a ela por uma longa escada que começa na porta do estabelecimento. 

O ambiente claustrofóbico não impediu Paul McCartney de matar saudades do Cavern Club em 1999. Na época, ele tinha ficado viúvo recentemente e gravou o álbum de rock de raiz “Run, Devil, Run” para espantar a tristeza. 

McCartney apresentou-se no velho clube com a mesma banda que gravou o disco, com David Gilmour (Pink Floyd) na guitarra e Ian Paice (Deep Purple) na bateria. Dessa passagem pelo Cavern, um vídeo de Paul cantando “I Saw Her Standing There”, do primeiro LP dos Beatles.

Para encerrar, um vídeo tour feito no ano passado pelo usuário My 3rd Eye que mostra como anda o atual Cavern:

 

Marcelo Orozco

Marcelo Orozco

Jornalista que adora música, cultura pop, livros e futebol. Passou por Notícias Populares, TV Globo, Conrad Editora, UOL e revista VIP. Colaborou com outros veículos impressos e da web. Publicou o livro "Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia" (Conrad, 2002).

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