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A história da feiura – Por que achamos as coisas feias e por que isso é importante?

Todos nós já passamos por essa situação enquanto estávamos num brechó ou numa lojinha de cacarecos: você para, olha bem para um item e diz “Meu Deus, que coisa horrorosa!”. O negócio é tão feio que você fica espantado com o simples fato daquilo ali existir. Mas o que faz com que um objeto seja […]

Todos nós já passamos por essa situação enquanto estávamos num brechó ou numa lojinha de cacarecos: você para, olha bem para um item e diz “Meu Deus, que coisa horrorosa!”. O negócio é tão feio que você fica espantado com o simples fato daquilo ali existir.

Mas o que faz com que um objeto seja feio? Imagine uma sala rococó, com cada centímetro recoberto por ornamentações douradas, cheia de querubins com formas vagamente eróticas. Você se sente horrorizado ou fascinado? Compare essa visão com a de uma sala moderna, com linhas limpas e uma elegante mobília de madeira. Essa segunda sala é o retrato da paz e bom gosto ou do tédio completo? Artesanato faz seus dentes rangerem de pavor ou você consegue ver a beleza rústica das imperfeições? Vidros iridescentes te agradam ou fazem com que você desvie o olhar?

Você pode se sentir revoltado com um objeto, mas explicar de maneira objetiva por que ele é feio será mais difícil do que você pensa. A maioria das pessoas é influenciada pelos gostos dominantes e pelas sensibilidades da moda de sua geração, classe e grupo étnico. Quando você remove esses fatores da equação, é quase impossível chegar a uma definição de feiura que seja exata e universal.

Na imagem de destaque, temos a basílica da Abadia de Ottobeuren, na Alemanha. Ela foi construída em estilo rococó ornamentado no século XVIII. (Foto: Johannes Böckh & Thomas Mirtsch, via WikiCommons). Acima, bonequinhos artesanais esculpidos à mão na década de 1930 representam Popeye e Olívia Palito num encontro.

Crítico de design e comentarista cultural, o britânico Stephen Bayley resolveu abraçar o desafio e escreveu um livro chamado Ugly: The Aesthetics of Everything (Feio – A Estética de Todas as Coisas), publicado em 2012. Mas enquanto Bayley — que é assumidamente obcecado com sua versão modernista de beleza — mergulhava no processo de examinar aquilo que as pessoas consideram feio, ele percebeu que a feiura desapareceria.

Ainda assim, todo mundo de um senso intuitivo de feiura — coisas que achamos preocupantes, agressivas ou incômodas — e nós reconhecemos esses sinais quando os vemos. “Todos nós sabemos o que a feiura realmente significa” diz Bayley. “A palavra inglesa vem do nórdico antigo ‘uggligr’, que significa ‘agressivo’. Coisas feias são aquelas que nós achamos perturbadoras. Mas ao mesmo tempo, coisas perturbadoras também costumam ser interessantes”.

Também é surpreendentemente difícil projetar ou criar uma coisa feia de propósito, como Bayley descobriu dando aulas para turmas de estudantes de arquitetura e discutindo com eles. “Se você passar para uma sala de estudantes de arquitetura o projeto de criar um edifício feio, eles vão achar isso muito difícil. É muito difícil criar a feiura, embora você não vá acreditar nisso se prestar atenção aos prédios de qualquer cidade grande. A feiura é frequentemente um acidente, mas muitas vezes é completamente fascinante”.

Bayley explica que pesquisadores que estudam neuro-estética, o que ele chama de “essa nova pseudo-ciência”, estão tentando mapear a resposta do cérebro humano para o que é adorável e o que é repulsivo. Mas os cientistas vêm tentando quantificar a beleza há muito tempo.

Essa mesa de teca dinamarquesa de 1960 e o iPhone encarnam os ideais de design bonito de Bayley.

Até onde sabemos, os matemáticos da Grécia antiga, como Pitágoras e Euclides, foram os primeiros a calcular aquilo que é conhecido como a Proporção Áurea, um padrão estético agradável encontrado na natureza frequentemente. Séculos mais tarde, um matemático italiano da Idade Média chamado Leonardo Fibonacci conseguiu traduzir a Proporção Áurea numa sequência numérica. Ela pode ser encontrada em pétalas de flores, em pinhas e abacaxis, em galhos de árvores, em conchas, galáxias em espiral, rostos humanos, corpos de animais e sequências de DNA. A Proporção Áurea também é a base da arquitetura grega clássica e renascentista.

Paradoxalmente, se todas as coisas do mundo não tivessem falhas e possuíssem proporções perfeitas, ser um humano seria algo horrível. De fato, o excesso de perfeição também é perturbador, como os cientistas descobriram quando eles mostraram robôs perfeitos demais para pessoas de verdade. A teoria do vale da estranheza explica por que as pessoas ficam revoltadas com androides que são quase humanos, mas não exatamente humanos. Assim, Bayley acredita que a feiura é extremamente necessária.

Estes fósforos de 1940 são violentos, racistas e excessivamente decorados (Foto por Frank Kelsey).

“Precisamos de variedade e precisamos de competição. Temos uma necessidade de conflito estético. Nesse sentido, a feiura pode ser algo muito bom. Precisamos de uma certa dose de feiura para que possamos aproveitar aquilo que é bonito. Mas de quanta feiura nós precisamos? Será que 30% do mundo precisa ser feio? Ou 40%? Eu não sei.”

Nesse livro, que Bayley assume ser bastante irônico, ele reitera a queixa de que a democratização do consumo fez com que os objetos passassem a ser feitos para atrair o máximo possível de consumidores, apelando para o máximo denominador comum — a mesma crítica que foi feita à programação de TV por décadas.

“Antes da era da produção industrial, somente os muito ricos podiam comprar mercadorias discricionárias. Todas as outras pessoas sobreviviam com a produção artesanal”, explica Bayley. “Mas a Revolução Industrial transformou todos em consumidores e tudo se tornou um episódio da história do gosto. Bernard Berenson, o grande historiador da arte, uma vez disse que o gosto começa quando o apetite está satisfeito. E foi isso que aconteceu no século XIX: os apetites daqueles consumidores ficaram satisfeitos”.

Uma foto de 1930 que mostra o diorama “Escola de Coelhos”, de Walter Potter. Potter foi um taxidermista amador que viveu em meados dos anos 1800 e criou dioramas de animais fazendo atividades humanas. (Via Wikipedia, licença Creative Commons)

E assim os vitorianos de classe média encheram suas casas de bugigangas e “peças de conversação”, como pesos de papel de vidro, sobre os quais Bayley escreve: “representavam em miniatura a atitude do século XIX diante do design: se de um lado eles eram uma maravilha da indústria, de outro eram verdadeiros horrores estéticos.”

Mulheres grávidas muitas vezes usavam objetos em forma de cegonha, como esta tesoura de bordado. Grampos em forma de cegonha eram usados para cortar o cordão umbilical.

Os vitorianos estavam bem conscientes de seus próprios excessos e do ridículo que passavam. Em 1852, Henry Cole, o fundador e diretor de uma instituição que veio a ser conhecida como o Victoria and Albert Museum, abriu a Galeria de Falsos Princípios para exibir peças com design ruim. Ela acabou se tornando conhecida como “câmara dos horrores”. Em um artigo de 2001 na revista do Guardian, Sarah Wise descreve a coleção que contém coisas como uma garrafa cor-de-rosa com o formato de uma cobra, um vaso de flores em forma de juncos amarrados com uma fita amarela, tesouras com o formato de cegonhas e um papel de parede tão repleto de desenhos que você poderia ficar cego só de olhar para ele.

Na Alemanha, o curador de museu Gustav E. Pazarek seguiu os passos de Cole e criou o Gabinete do Mau Gosto no Stuttgart State Crafts Museum em 1909. Seu objetivo era mostrar peças que eram consideradas erros de design. O catálogo de ofensas visuais incluía qualquer coisa feita de pele, ossos ou dentes; troféus em forma de animais; materiais criados com o intuito de imitar outros materiais; objetos produzidos em massa imitando objetos artesanais; ornamentações exageradas; objetos com proporções estranhas; objetos com bordas afiadas; excesso de iridescência; anacronismos; objetos que imitavam culturas estrangeiras; kitsch religioso, racista ou sexista; e brinquedos que poderiam machucar crianças.

Uma luminária da Câmara dos Horrores de Henry Cole.

Para livrar a Era das Máquinas de todo esse design ruim, as primeiras ondas do Modernismo chegaram com a Escola Bauhaus em 1919 e com a Art Deco, em 1925. Desta vez, a elite educada iria tornar as coisas belas e simplificar os objetos que seriam produzidos em massa, oferecendo ao grande público objetos bonitos e simples, como rádios Catalin e cadeiras Bauhaus.

“As coisas não precisam ser feias só porque são produção em massa”, diz Bayley. “A produção em massa requer normas e padrões e padrões levam à excelência, ou pelo era nisso que Le Corbusier acreditava. A produção em massa geralmente nos leva a soluções elegantes e agradáveis. Essa é a história da aventura do design moderno. A ideia era que a beleza se tornasse comum e democrática. E essa é uma ideia maravilhosa.”

Por exemplo, o icônico desiner Raymon Loewy conseguiu transformar máquinas domésticas, como o refrigerador Coldspot, o dispenser de Coca-Cola, e o aspirador de pó Singer, em obras de arte de cromo nos anos 1940 e 1950. Em 1956, de acordo com o livro de Bayley, Dieter Rams alcançou o ápice do idealismo moderno com o rádio toca-discos apelidado de Caixão da Branca de Neve.

O rádio SK4 Braun de Dieter Rams, chamado de Caixão da Branca de Neve, é a perfeição modernista aos olhos de Bayley. (Imagem cortesia de Wright).

Nos anos 1950 e 1960, a aparência elegante, eficiente e futurista do modernismo foi absorvida pela cultura empresarial e os escritórios começaram a ser adornados com mobília Knoll. Edifícios criados num subconjunto do modernismo chamado Brutalismo — em homenagem ao phrasebeton brut francês, que significa concreto bruto — eram pesados, largos, impositivos por conta de seus ângulos projetados. Hoje em dia as pessoas acham esses prédios horrorosos.

“A maior parte das pessoas não sente a menor atração pelo Brutalismo hoje”, diz Bayley. “Mas na Inglaterra há uma mudança de gosto. Foi por isso que eu coloquei o edifício brutalista mais famoso da Inglaterra, a Trellick Tower de Londres, na contracapa do meu livro. Esse prédio recentemente foi classificada pelo Patrimônio Inglês como uma construção de importância arquitetônica e histórica. A qualquer momento, eu aposto, o Príncipe Charles, que costumava condenar essas coisas, vai começar a dizer por aí que a Trellick Tower é bonita”.

A Trellick Tower, em Londres, encomendada em 1966 e concluída em 1972, está sendo reconhecido por sua importância histórica como um exemplo da arquitetura brutalista. (Via Wikicommons)

Em seu livro, Bayley lista algumas das coisas mais ofensivas visualmente: camisas havaianas, bonequinhos cabeçudos de esportistas, Tupperware, árvores de Natal, tatuagens, poliéster, macramé, roupas para animais, tapetes felpudos, globinhos de neve, cadeira reclináveis e velas artísticas.

Um item da lista, “Peitos (enormes)”, parece body-shaming, até você perceber que ele não está falando de mulheres de verdade. Trata-se da obsessão nacional dos Estados Unidos com a objetificação de seios imensos e mostrando-os em objetos inanimados, como bonecas Barbie e souvenirs de praia. Alguns para-choques de carros foram apelidados de Dagmars, porque se pareciam com os seios da atriz Virginia Ruth Dagmar, que fez sucesso nos anos 1950.

Esta caixa de faróis da década de 1950 traz uma piada ruim que mostra obsessão dos EUA com seios grandes. (Cortesia de Mardi e Stan Timm)

Hoje, produtos da Apple como iPhones, iPads e MacBooks encarnam os ideais de Bayley de elegância e design funcional, mas, ele diz, em breve a Apple não terá outra escolha a não ser torná-los mais chamativos. “As ideias estéticas da Apple vão acabar terminando“, ele explica. “Você não pode fazer algo mais puro que um iPhone ou um iPad. Eles vão acabar se tornando barrocos — aliás, a Apple já ficou meio barroca em seus últimos lançamentos, como os iPhones coloridos. Jonathan Ive é um homem brilhante. As coisas que ele está criando são ultra-sofisticadas. Ele criou estes produtos tecnológicos densos usando as técnicas de um artesão, porque o pai dele é um ourives e ele realmente sabe como o metal funciona. Esses lindos aparelhos em nossas mãos são só aparentemente simples. Na verdade, eles são extraordinários. Eles não são completamente utilitários, mas são incrivelmente sutis. Mas eu garanto que dentro de cinco anos eles passarão a ser muito diferentes.”

Ao escrever Ugly, Bayley se deparou com outra contradição: se o design bom, funcional e com linhas limpas tem uma função moral, então o que dizer da Colt .45, “o revólver que ganhou o Oeste”, que funcionava de forma excelente? Muitos objetos belos foram criados para propósitos “feios”, como a morte, a guerra e a destruição em massa. O Colt .45 e outras armas feitas à máquina nos anos 1800 costumavam ser embelezadas através de banhos de prata ou ouro e filigranas com designs intrincados.


“Mais uma vez, estou minando alguns dos pressupostos do movimento Modernista, que dizem que tudo que tivesse um bom design seria bonito”, diz Bayley. “Isso claramente não é verdade, porque várias coisas que funcionam muito bem, como refinarias de óleo, são vistas como belos por pouquíssimas pessoas. Da mesma forma, coisas como armas e aeronaves militares são admirados por muitos, embora seus propósitos funcionais sejam repulsivos. Foi por isso que eu escrevi um pequeno capítulo sobre o B-52. É uma máquina incrível. É imponente e tem domínio técnico. Pessoalmente, acho que se trata de uma coisa muito bonita, com formas graciosas e repleta de detalhes. Mas foi criado para causar destruição. Que tipo de beleza é esse?”

Talvez a verdade não seja beleza, no final das contas.

Este artigo foi republicado com permissão da Collectors Weekly. Para ler a versão completa, clique aqui.

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