Aedes aegypti transgênicos já estão no mercado
Texto: Frances Jones, da Revista Pesquisa FAPESP
O Brasil é pioneiro na liberação de Aedes aegypti transgênicos, com testes sendo feitos desde a década passada em cidades na Bahia e no interior paulista. Um artigo controverso foi publicado em 2019 sobre um estudo com os mosquitos em Jacobina (BA) na revista Scientific Reports. Na conclusão do texto, era dito que se constatou a transferência dos genes transgênicos para a população selvagem de Aedes, gerando mosquitos híbridos. Após repercussão, a publicação anexou ao original, em 2020, uma nota de preocupação editorial, expressando críticas ao texto, apoiada por seis dos 10 autores do artigo (ver Pesquisa FAPESP nº 285).
Dois anos depois da polêmica, a Oxitec foi autorizada pelo governo brasileiro, a partir de parecer favorável da CTNBio, a vender o mosquito geneticamente modificado em todo o território brasileiro, para empresas e pessoas físicas. “Estamos apresentando o Aedes do Bem para um grande grupo de clientes e ele está tendo aceitação em muitos deles. Já vendemos para pessoas físicas”, informa Matheus Valério, biólogo da Detecta, especializada em controle de pragas. “Temos que demonstrar um conceito novo, porque as pessoas estão acostumadas com os produtos de aplicação convencional.” Com sede em Campinas (SP), a Detecta começou a vender o produto como distribuidora parceira da Oxitec em outubro de 2022.
A distribuidora recomenda a liberação dos mosquitos por pelo menos oito meses seguidos, de preferência de outubro a março. O kit de tratamento básico é composto por duas caixas, suficientes para 5 mil metros quadrados (m2). Cada caixa vem com cerca de 2,3 mil ovos, mas apenas 1,2 mil mosquitos machos são liberados de cada unidade; as fêmeas não sobrevivem. O refil com os ovos de Aedes deve ser substituído a cada 28 dias.
Quatro sachês específicos para o controle e a qualidade da água essenciais ao ciclo de desenvolvimento dos mosquitos também compõem o kit. Cada caixa vendida pela Detecta custa R$ 460 e o refil sai por R$ 196. Valério ressalta, porém, que o custo total varia muito. “Depende do tamanho da área de abrangência, da necessidade de deslocamento do produto, de quem vai operar as caixas. É feito um projeto individualizado.”
Nos Estados Unidos, a liberação ainda é feita em caráter experimental e apenas na Flórida. Em 2020, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) autorizou a Oxitec a fazer testes-piloto da tecnologia com o mosquito de segunda geração (da linhagem OX5034) em regiões dos estados da Flórida e da Califórnia.
A agência norte-americana, porém, tomou a precaução de proibir a liberação dos mosquitos em áreas situadas a menos de 500 m de possíveis fontes do antibiótico tetraciclina, como estações de tratamento de esgoto, áreas produtoras de maçãs, peras e frutas cítricas e instalações para gado bovino, suínos e granjas. Bastante usado tanto na saúde humana como na terapia animal e em alguns casos na agricultura, as moléculas dos antibióticos podem ser excretadas sem sofrer metabolização no trato digestivo e contaminar o ambiente, no solo ou na água, mesmo que em baixas concentrações.
O mosquito transgênico foi desenvolvido e é criado num ambiente rico em tetraciclina. Assim como no caso de Spodoptera, o gene letal introduzido é o tTAV, feito a partir de DNA sintético baseado em uma fusão de sequências da bactéria Escherichia coli e do vírus do herpes simples. “Em laboratório, o antibiótico, em alta concentração, é capaz de inibir a expressão do gene letal que ele carrega. No campo, o inseto macho transgênico copula com a fêmea, que depois coloca os ovos. Os ovos eclodem e viram larvas, que são de vida aquática. Só que essa prole não encontra nesse meio a concentração elevada de tetraciclina. Então o gene letal é expressado e a larva morre. Esse é um resumo geral do processo”, diz o engenheiro-agrônomo Alberto Soares Corrêa, da Esalq.
Em um comunicado de 2022, a agência norte-americana argumentou que “há uma chance remota de que fontes ambientais de tetraciclina podem ter tetraciclina o suficiente para funcionar como um antídoto para a característica letal à fêmea do mosquito OX5034”. Com isso, haveria a possibilidade de fêmeas transgênicas sobreviverem e se reproduzirem. Apenas as fêmeas de Aedes picam os humanos e transmitem doenças.
No Brasil, não há nenhuma restrição de local para a liberação dos insetos transgênicos, tanto da mariposa quanto do mosquito. O agrônomo e entomologista Fernando Hercos Valicente, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, que integrou a CTNBio na época das deliberações para a aprovação da primeira versão de Aedes aegypti da Oxitec, contou que o assunto foi discutido na época. “Alguém mencionou o caso das rações de cachorro, que podem conter tetraciclina. Mas é uma quantidade muito discrepante entre o que havia na ração e o que era preciso para o inseto sobreviver. Seria preciso uma dose muito maior. Isso não é um problema”, afirma Valicente. Para ele, “os resultados positivos dos testes feitos no Brasil mostram o benefício da tecnologia”.
Já o biólogo José Maria Gusman Ferraz, que também fez parte da CTNBio e votou contra a liberação do mosquito transgênico no país, afirma que há um grande descuido por parte das autoridades e que seria preciso pesquisar muito mais o que pode acontecer com o ecossistema como um todo. “O princípio da precaução não está sendo levado em conta. A liberação só será reavaliada se houver um problema muito grave. Mas pode ser tarde. Quando liberamos um produto, não liberamos apenas a planta ou o inseto transgênico. Liberamos uma tecnologia que pode levar a uma alteração no ambiente.”