AGU se junta a entidades para proibir prática de “loot boxes” nos games

"Loot boxes transformaram jogos em caça-níqueis", disse a Anced, organização de apoio à criança e adolescente, que lidera a ação na Justiça
AGU se junta a entidades para proibir prática de “loot boxes” nos games
Imagem: Alex Haney/Unsplash/Reprodução

Entidades lideradas pela Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente) estão brigando na Justiça pela proibição dos “loot boxes”, caixas de recompensas dos videogames associadas a jogos de azar. São prêmios para fazer com que os jogadores acessem as plataformas todos os dias. 

O processo começou em 2019 contra nove companhias de tecnologia, incluindo EA (Electronic Arts), Riot Games e Ubisoft. Desde então recebeu adesões e pareceres favoráveis de organizações e órgãos públicos brasileiros. 

Em novembro passado, a AGU (Advocacia-Geral da União) concordou em entrar no processo como assistente simples. Isso significa que dará apoio à causa e tem interesse no desfecho da proposta, o que pode acelerar a tramitação. 

Outros órgãos também deram parecer favorável. A Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) apoiou a adesão da AGU no processo. Em 2021, o MPDF (Ministério Público do Distrito Federal) e o Conselho Federal de Psicologia emitiram pareceres em apoio à proibição da prática no Brasil. 

A concordância da União em entrar no processo fez com que o trâmite passasse das Varas de Infância e Adolescência do DF para a Justiça Federal. Além disso, a Anced protocolou, em 2 de maio, um pedido para que a pauta vire “prioridade máxima” no país, uma vez que o assunto envolve menores. 

O que são loot boxes 

Loot boxes funcionam como uma estratégia de monetização dos usuários em jogos gratuitos, como “Free Fire”, “Fifa” e “Clash Royale”. Na prática, os jogos oferecem prêmios para fazer com que as pessoas entrem na plataforma todos os dias. 

No inglês, “loot” é sinônimo para “saquear”, “roubar” ou “pilhar”. Dentro dos videogames, o termo se refere a tesouros que são encontrados “aleatoriamente” e oferecem ao jogador a possibilidade de comprar objetos, habilidades ou itens de personalização. 

A diferença é que os jogadores não sabem o que tem nas caixas antes da compra e nem qual o critério para a distribuição das “surpresas”. Essa é a principal queixa do processo: a desigualdade entre consumidores que pagam, ou não, para conseguir as loot boxes. 

Quem não paga precisa reunir muitas horas de jogo até conseguir uma dessas caixas. Porém, ao abrir o pacote para receber o prêmio, o consumidor pode encontrar, ou não, o item que deseja. 

Agora, se o usuário gastar mais dinheiro dentro do jogo, a chance de encontrar uma dessas aumenta. Mas isso não significa que ele vai ganhar o que deseja, uma vez que os jogos parecem colocar prêmios aleatórios nos pacotes. 

“O jogo acaba se tornando um verdadeiro cassino, em que o jogador, infanto-juvenil, deve rolar a roleta várias vezes, para tentar cair no “número” que deseja”, diz a petição inicial da Anced. Em alguns casos, a roleta imita um verdadeiro jogo de cassino.

“As loot boxes transformaram os jogos em caça-níqueis. Os jogadores não compram mais itens, eles participam de sorteios e apostas. É brutal” – Marlon Reis, advogado que representa a Anced, ao Giz Brasil

Consequências 

No parecer de 2021, o Conselho Federal de Psicologia relaciona as loot boxes aos jogos de azar, prática proibida no Brasil desde 1941. 

“Se mesmo os adultos plenamente responsáveis por seus atos e com maturidade cognitiva estão proibidos de participarem de jogos que dependam de sorte e envolvam dinheiro, esta vedação jurídica a crianças e adolescentes parece ser mais que óbvia, incontestável”, diz o texto. 

A posição tem respaldo em uma pesquisa do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo). Segundo o estudo, quase 30% dos adolescentes brasileiros fazem uso problemático de jogos eletrônicos e se encaixam nos critérios do TJI (Transtorno de Jogo pela Internet) – em outras palavras, vício em videogames. 

O vício em games traz consequências como qualquer outro, incluindo perda de interesse nas atividades escolares, sociais ou de trabalho, distúrbios do sono, irritabilidade e oscilação emocional.

O que acontece agora 

O processo já entrou na Justiça Federal e foi encaminhado para o juiz Paulo Ricardo de Souza Cruz. Em 9 de maio, o magistrado pediu a distribuição das ações para outros juízes da comarca ao alegar que isso aceleraria o andamento do processo. 

A Anced estuda se vai recorrer da decisão, mas reafirma o posicionamento pela proibição das loot boxes no Brasil. “As empresas de videogames vão ter que arrumar outro jeito de ganhar dinheiro. Elas não precisam disso, mas fazem porque encontraram uma maneira de explodir [os ganhos]”, disse Reis. 

Se não for a proibição via processo judicial, um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados também pode regular as loot boxes. O PL 4148/2019 foi apresentado em julho de 2019 por Heitor Freire (PSL-CE) e pede que as produtoras de jogos eletrônicos exibam a probabilidade exata da obtenção dos itens sorteados nas caixas secretas, sob pena de multa. 

Dessa forma, seja pela regulação ou pela proibição, o Brasil está na vanguarda de um debate internacional. Bélgica e Holanda já baniram as loot boxes, enquanto EUA, UE (União Europeia) e Reino Unido também discutem a prática. 

Julia Possa

Julia Possa

Jornalista e mestre em Linguística. Antes trabalhei no Poder360, A Referência e em jornais e emissoras de TV no interior do RS. Curiosa, gosto de falar sobre o lado político das coisas - em especial da tecnologia e cultura. Me acompanhe no Twitter: @juliamzps

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