Muito se fala sobre o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e seus riscos para a saúde. Afinal, produtos como os salgadinhos, refrigerantes e macarrão instantâneo são ricos em açúcar, sódio e outros aditivos que diminuem sua qualidade nutricional.
Mas os ultraprocessados não fazem mal apenas para a saúde humana. Um comentário de pesquisadores das universidades de São Paulo, Harvard (EUA) e Deakin (Austrália) publicado na revista BMJ Global Health aponta para os efeitos desses alimentos no meio ambiente.
“A cadeia produtiva de alimentos é responsável por 80% da conversão do uso da terra e perda da biodiversidade, 80% do consumo de recursos hídricos e da contaminação de lençóis freáticos e por 20 a 30% das emissões de gases de efeito estufa”, explicou Fernanda Marrocos, autora do artigo, ao Gizmodo Brasil.
Todos estes impactos estão associados à produção de poucas espécies, como milho, soja, trigo e cana de açúcar. Essas monoculturas fornecem a matéria-prima para a fabricação de xarope de glicose, amido de milho e outros ingredientes utilizados em alimentos ultraprocessados.
De acordo com Fernanda, “todos esses fatores têm alterado as dinâmicas territoriais, de modo que os territórios até então destinados à produção de uma variedade de alimentos frescos, incluindo aqueles da agrobiodiversidade, passam a ser substituídos por espaços utilizados para a produção de commodities, o que tem contribuído diretamente para a redução do número de espécies vegetais destinadas ao consumo humano”.
As consequências ambientais são visíveis, mas o tema ainda é subestimado por organizações internacionais ligadas a sistemas alimentares, biodiversidade e mudanças climáticas. A falta de estudos que investiguem os impactos dos ultraprocessados sobre a agrobiodiversidade pode ser um dos fatores que leva à minimização do problema.
A pesquisadora também cita como culpada a chamada inércia política, “o efeito combinado de liderança política e governança inadequados para o enfrentamento da Sindemia Global – definida como a coexistência das pandemias de obesidade, desnutrição e mudanças climáticas”.
Em resumo, o governo faz pouco caso da questão. A influência de empresas com interesses comerciais, como as transnacionais de alimentos e bebidas ultraprocessados, contribuem para essa situação.
Fernanda acredita que ainda é possível virar o jogo, mas não sem que os representantes de organizações intergovernamentais e os formuladores de políticas reconheçam os efeitos dos alimentos ultraprocessados para a saúde humana e planetária.
“As diretrizes alimentares nacionais devem ser revisadas para enfatizar a preferência por uma variedade de alimentos minimamente processados frescos”, explica. “Como indivíduos, podemos passar a seguir a regra de ouro do Guia Alimentar Brasileiro: ‘prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados’”.