Os animais têm um senso de competição?

Os seres humanos fazem coisas muito loucas com os animais – usam drogas experimentais neles, os trituram até virar nuggets, pregam suas cabeças decepadas nas paredes da sala de jantar. Diante desse extermínio em massa, corridas de cavalo e outros eventos onde os animais são obrigados a competir para o nosso entretenimento não parecem ser […]

Os seres humanos fazem coisas muito loucas com os animais – usam drogas experimentais neles, os trituram até virar nuggets, pregam suas cabeças decepadas nas paredes da sala de jantar. Diante desse extermínio em massa, corridas de cavalo e outros eventos onde os animais são obrigados a competir para o nosso entretenimento não parecem ser tão diabólicos assim.

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Nós sabemos que os humanos gostam desses jogos, especialmente quando acertam suas apostas; mas como os animais se sentem? O que se passa na mente de um cavalo quando termina em primeiro em uma corrida? Pode um animal ter alguma noção de que ele ganhou alguma coisa, ou que perdeu?

Para esta semana no Giz Pergunta, tentamos entender exatamente isso, conversando com psicólogos, biólogos e cientistas animais que passaram suas vidas buscando compreender essas criaturas teimosamente não-falantes. Como poderemos ver, os animais têm alguma noção se ganharam ou perderam um determinado jogo, apesar de não saberem muito bem o que é um jogo.

Clive Wynne

Professor e chefe da área de Neurociência Comportamental da Universidade Estadual do Arizona

Eu acho que a maioria dos cães tem algum senso natural de competição. Eles perseguem uns aos outros, eles brincam de cabo de guerra. Mas quando você os coloca em jogos como o Puppy Bowl, eles simplesmente não têm a inteligência para entender o que deveriam estar fazendo. Estou bastante certo de que os cães do Puppy Bowl não fazem ideia do que está acontecendo.

Todos eles têm um pouco de competição intrínseca – estão interessados em ser o único com a bola. Mas os jogos humanos são feitos para o nosso intelecto. Os cães não têm a menor ideia do que eles deveriam estar fazendo lá, a não ser que, por coincidência, o cão vencedor seja o que acabou com o brinquedo na boca.

Nesse caso, esse cão pensa que, “sim, eu sou o chefe, eu sou o vencedor, porque eu sou o único com a bola”. Eles não pensam “eu sou o vencedor porque minha equipe marcou mais pontos”. Mas acho que eles têm um senso de quem ganhou essas pequenas competições que eles fazem sozinhos, que estão de acordo com seus níveis intelectuais, brincar de cabo de guerra ou lutar por causa de um bife.

Os cães não são animais de caça, mas eles são descendentes de uma maneira geral de animais de caça, então eles têm alguns dos instintos de caça neles de uma forma fraca, e isso está presente na maneira de perseguir, pegar, agarrar, puxar e coisas desse tipo. Esses jogos são elos fracos dos comportamentos de caça de seus antepassados.

E eu acho que, além de um sentimento de sucesso, eles podem experimentar a derrota em seus próprios jogos simples. Mas tudo na vida de um cão é bastante curto. Passa rapidamente. Eu duvido que eles mantenham a pontuação. Com exceção de uma forma muito vaga de sensação, eles provavelmente sabem que outros cães tentam vencê-los em pegar a bolinha ou no cabo de guerra ou algo do gênero.

Jennifer Nadeau

Professora Associada e Especialista em Extensão Equina e Zootecnia na Universidade de Connecticut

Minha especialidade é com cavalos, e eu teria que dizer que não acho que percebem quando ganham, mas são muito bons em fazer a leitura de linguagem corporal. Como um animal de presa, eles realmente tentam agradar as pessoas. Eles percebem, ao ganhar, que a pessoa ou pessoas que estão correndo ficam muito felizes e então eles também se sentem felizes. Quando se trata de cavalos, palavras amáveis ou outros atos de bondade, assim como a tirar a pressão (pense em soltar as rédeas depois de pedir para eles pararem), são as recompensas que os fazem se sentirem calmos e relaxados ou felizes.

Muitos cavalos são criados para executar uma determinada tarefa, e há definitivamente cavalos de corrida que respondem ao ver um concorrente correndo ao seu lado com uma explosão de velocidade (alguns cavalos vão para o último lugar quando são ultrapassados uma vez), então parece que ao menos alguns deles podem sentir e ter uma noção de competição, apesar de serem indivíduos como pessoas; cada um reage de um jeito diferente.

Mark Plonsky

Professor de Psicologia da Universidade do Wisconsin e treinador profissional de cães

Para um cão, a concorrência é algo que vem junto com a busca por recursos, como um alimento ou um brinquedo que representa uma presa. Ganhar é conseguir o recurso. Eu acho que eles são competitivos, mas em resposta a um recurso limitado. É algo que eles fazem, mas não acho que seja algo sobre o qual gastam muito tempo pensando ou tendo muitos sentimentos a respeito. Então acho que eles não entendem, ou não se importam, em ganhar. O recurso é tudo o que importa.

Michelle Rafacz

Professora Associada de Biologia, Columbia College Ohio

Embora não haja nenhuma maneira de saber realmente o que os animais estão pensando, podemos usar a observação e nossa compreensão da evolução do comportamento para tentar interpretar o que eles sabem. Por exemplo, na maioria das populações selvagens de animais, a competição é um fato constante em suas vidas. Eles competem por comida, território e, especialmente, companheiros, o que é fundamental para a sobrevivência e continuação dessa população.

Agora, se estamos fazendo animais competirem, estamos propensos a falar de animais domesticados ou de companhia. Claro, alguns desses animais de companhia realmente coevoluíram com a gente e, portanto, aprenderam a responder aos nossos comandos.

Os cães podem ler nossas emoções e até mesmo as nossas expressões faciais. Na verdade, vários estudos utilizando software de rastreamento ocular concluíram que cães leem nossas faces da mesma maneira que os seres humanos leem os rostos uns dos outros. Nós achamos que essa é a melhor forma de identificar emoção, já que temos a tendência de expressar emoções de forma mais intensa no lado esquerdo de nossos rostos. Isto é provavelmente devido em parte à nossa história evolutiva como uma espécie social.

Também foi mostrado que os cães não leem os rostos dos outros cães da mesma maneira, sugerindo que eles estão tentando entender as emoções humanas em um esforço de reação. Com o tempo, tornou-se evolutivamente vantajoso para essas espécies ser capaz de entender a intenção humana.

Por exemplo, fazia mais sentido para um cão evitar um ser humano agressivo e passar mais tempo com aquele que pode fornecer alimentos, abrigo e até mesmo afeto. Mesmo que seja perfeitamente possível que animais como cães ou cavalos tenham algum senso de competição e de ganhar e perder, ele provavelmente é mediado por nossa própria reação a uma vitória ou uma perda.

Entender que você ganhou provavelmente requer uma compreensão de que o outro perdeu. Este é um comportamento complexo que pode exigir uma teoria da mente. Se eu acho que eles sabem que ganharam? Não necessariamente, mas eles provavelmente sabem que realizaram uma tarefa que foi solicitada a eles.

Suzanne Baker

Professora e Assistente Chefe do Departamento de Psicologia da Universidade James Madison

Há evidências de muitas espécies em que os indivíduos se comportam de maneira diferente em futuros encontros agressivos, com base na vitória ou derrota de um encontro anterior. Estes são conhecidos na literatura de pesquisa como “efeitos do vencedor” e “efeitos do perdedor”.

De acordo com um dos meus livros (Dugatkin), “ganhar uma interação agressiva aumenta a probabilidade de vitórias futuras (os chamados efeitos do vencedor), e perder uma interação agressiva aumenta a probabilidade de perder futuras lutas (os chamados efeitos do perdedor)” (p. 497).

De acordo com Dugatkin, efeitos do perdedor são mais comuns do que os efeitos do vencedor. Esses efeitos foram documentados em muitas espécies (exemplos incluem patolas-de-pés-azuis, grilos, algumas espécies de peixes, etc.).

Outro lugar em que perder e ganhar afeta o comportamento futuro são as hierarquias de dominância, em que os indivíduos que têm repetidas interações agressivas, eventualmente, formam um relacionamento de domínio de tal forma que raramente se envolverão em outra luta novamente. O animal subordinado pode simplesmente se render ao dominante, ou às vezes o dominante pode mostrar uma expressão ou postura corporal facial especial que provoca a submissão do outro indivíduo.

Essas relações de dominância podem ser estáveis por longos períodos de tempo. Hierarquias de dominância foram estudadas durante décadas em muitas espécies, como os primatas não-humanos (macacos, chimpanzés, etc). Uma função adaptativa de ambos os processos é uma diminuição na agressão física real e, por conseguinte, menos gasto de energia e chances reduzidas de ferimento por parte de ambos os indivíduos.

No entanto, isso realmente não explica se os animais realmente entendem isso, ou como eles “se sentem” sobre ganhar ou perder. Isso afeta seu comportamento futuro, e, em alguns casos, sabemos que também afeta seu estado hormonal. Então, na medida em que essas coisas refletem estados emocionais internos, talvez existam alguns sentimentos e emoções ligados a eles.

Mas eu não sei o suficiente para dizer o que esses sentimentos poderiam ser. Poderia ser qualquer coisa de “droga, não deu certo” até “eu sou um grilo completamente inútil”.

James Serpell

Professor de Ética Animal e Bem-Estar na Universidade da Pensilvânia e autor de The Domestic Dog

A maioria dos animais, mesmo os peixes, tem alguma compreensão do ganhar e perder em encontros agressivos com outros de sua espécie. Estudos envolvendo conflitos encenados têm mostrado que a experiência anterior de vencer uma luta tende a aumentar a probabilidade de ganhar em encontros posteriores, enquanto que a experiência anterior de perder tende a ter o efeito oposto.

Isso sugere que os animais têm algum senso de sua própria capacidade competitiva e estão mais inclinados a enfrentar um rival se tiverem tido algum sucesso no passado. Também sabe-se que esses efeitos são sustentados por mudanças nos níveis de hormônios circulantes, como a testosterona e o cortisol.

Não se sabe se os animais também experimentam um sentimento de triunfo ou euforia quando ganham em um encontro competitivo, como acontece com os humanos. Mas as evidências sugerem que eles podem ser capazes disso. Por exemplo, quando pares monogâmicos de aves, como gansos, ganham um conflito com um rival, muitas vezes eles fazem elaboradas performances, como se comemorassem seu sucesso. O etólogo ganhador do Nobel Konrad Lorenz se referiu a essas exibições como “cerimônias de triunfo”.

Muitas espécies animais também gostam de competições no contexto do jogo. No entanto, por definição, o verdadeiro jogo não é sério, já que o objetivo é menos ganhar e muito mais manter a brincadeira acontecendo.

Um bom exemplo desse tipo de atividade é o “Puppy Bowl”, no qual os filhotes correm, lutam e disputam por brinquedos, mas não há nenhum vencedor ou perdedor no final do jogo, apenas um monte de filhotes felizes e cansados. Quando jogado em um nível informal ou amador, jogos de humanos e esportes são às vezes como esses, mas o esporte profissional tende a ser muito mais sério, quase um substituto para a guerra.

Até onde sabemos, nenhuma outra espécie de animal se envolve neste tipo de competição organizada com vencedores e perdedores claramente definidos.

A emoção coletiva sentida por animais esportivos, como corridas de galgos e cavalos puro-sangue, parece derivar da participação, algo mais similar ao jogo por diversão do que um sensor sério de competição. Certamente, não é óbvio se vencedores e perdedores estão realmente cientes de ganhar ou perder ou se eles se importam com isso.

Seus donos e treinadores podem pensar que eles se preocupam, mas é provável que eles estejam simplesmente projetando seu próprio triunfo ou decepção no animal.

Stefano Ghirlanda

Professor de Psicologia da Brooklyn College

Competição é uma forma ritualizada de agressão, e tanto agressão quanto ritualização são comuns entre os animais. Ritualização significa que a agressão é feita de tal forma que obedeça regras que tornem menos prováveis as lesões.

Assim como esgrimistas usam espadas embotadas, chifres de veado são feitos para entrelaçar em vez de furar. Assim, torna-se possível decidir quem ganha sem ninguém ficar muito ferido. Os animais podem ter muitas razões para a agressão: comida, território, companheiros, dominância social.

Competições humanas são muitas vezes uma ritualização da dominância social – vencedores ganham status social, e os perdedores… o perdem. Os animais que não lutam por status social podem não ter esse motivo, mas podem competir por outros motivos – e eles parecem saber muito bem quando ganham ou perdem. Animais derrotados, por exemplo, muitas vezes agem de forma submissa para sinalizar que a luta acabou e evitar mais ferimentos.

Onde os seres humanos se destacam não está no motivo da competição, mas na extrema diversidade das competições que nós inventamos: do curling às olimpíadas de xadrez, esportes e jogos na casa dos milhares.

Outros animais, ao contrário, se mantêm com alguns rituais de combate. Seria muito difícil convencer dois veados a competirem em uma corrida em vez de correrem uns em direção aos outros com as galhadas em riste.

Podemos ensinar animais novas competições, como novas brincadeiras para um cão, mas o objetivo dos animais é muitas vezes conseguir elogios de seu treinador humano, ou alimento, ou ambos. Essas invenções humanas provavelmente não parecem a mesma coisa para o animal se comparadas com suas competições naturais. O psicólogo BF Skinner treinou pombos para jogar pingue-pongue, mas eu acho que os pombos só se importava com o fato de que cada ponto lhes dava um tanto de comida.

Marc Bekoff

Professor Emérito de Ecologia e Biologia Evolucionária na Universidade de Colorado e autor de Canine Confidential: Why Dogs Do What They Do

Não há dúvida de que animais não-humanos têm um sentido de que “ganharam” algo quando precisam competir por um recurso limitado com outros indivíduos – seja uma briga por território, comida, um lugar para dormir, um companheiro ou a liberdade para se movimentar sem se preocupar com ser incomodado pelos outros, por exemplo.

Mas nós realmente não sabemos e não podemos saber se o que eles estão sentindo é parecido com o que sentimos quando ganhamos alguma coisa. Na verdade, realmente não importa se compartilhamos esse sentimento de ganhar com outros animais, porque, mesmo se não o fizermos, eles já se comportam como se soubessem ter ganho ou conseguido algo que os outros também queriam.

Por exemplo, muitas vezes, quando os animais competem (e às vezes lutam) por alimento, o vencedor leva o que ela ou ele conquistou e come em paz, muitas vezes sem ser ameaçado ou assediado por outros. A posse, em um número de espécies animais, é lei – eles podem experimentar algo como: “é meu, então me deixe em paz”.

Eu já vi isso em chacais selvagens e cães selvagens. Nesse sentido, um indivíduo ganhou alguma coisa, mas não acho que eles pensam muito sobre isso nesses termos. Da mesma forma, em algumas espécies, ganhar uma briga que pode ou não incluir uma luta dá uma maior liberdade individual de circular por aí e não se preocupar em ser acossado por outros.

Eu vi chacais selvagens e cães se comportarem exatamente assim depois de uma briga envolvendo ameaças, rosnadas e talvez uma breve e muito leve briga, após a qual um indivíduo sabe que tem a liberdade para ir a qualquer lugar que desejar. Então, mais uma vez, nesse sentido, eles ganharam.

Há alguns exemplos nos quais um animal ganha algo ou ganha de alguém e desfila por aí, e parece que eles estão se exibindo, como nós costumamos fazer. No entanto, não acho que eles estejam dizendo algo como: “Eu sou melhor que você” ou “eu ganhei, você perdeu” ou “eu sou um vencedor, e você é um perdedor”, embora o seu comportamento mostre que eles sabem que conseguiram algo que o outro indivíduo não tem. Portanto, animais sabem que eles ganharam alguma coisa? Sim, mas talvez não como nós.

Ilustração: Chelsea Beck / Gizmodo

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