O novo intermediário: como os apps de táxi facilitam nossa vida e dos taxistas, e incomodam cooperativas
Os apps de táxi não são exatamente novos, mas a cada dia se tornam mais comuns, principalmente nos maiores centros urbanos do Brasil. A ideia é simples: um app instalado no smartphone procura taxistas sem passageiros perto de onde você está, e sem muita dificuldade você consegue alguém para levar você ao seu destino. Fantástico, não? Mas nem todo mundo está feliz com isso.
Esses apps – como o 99taxis, Taxibeat e EasyTaxi – estão crescendo em número de usuários e cobertura. Não são exclusividades de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. O 99Taxis chegou a Belo Horizonte recentemente, e o EasyTaxi opera até fora do Brasil. Mas a expansão desses serviços simples e extremamente úteis não seria possível se ele não tivesse adesão de taxistas. E os taxistas gostaram muito da ideia de conseguir uma corrida com mais facilidade.
Isso já aconteceu mais de uma vez comigo: sentado no banco de trás do táxi, fico mexendo no meu smartphone (seja respondendo algum email importante ou simplesmente checando o Twitter). O taxista, ao perceber que o passageiro é um daqueles que usa bastante internet no celular, já puxa o assunto. “Você conhece esse app?”, ele diz, ao entregar um cartão com informações de como baixar o app. E logo começa a falar sobre como as corridas aumentaram depois que ele entrou para o serviço, e como é tudo extremamente simples.
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99Taxis, EasyTaxi e TaxiBeat
Mas, é claro, isso incomoda alguém em algum lugar. E há algum tempo surgiu a informação de que as cooperativas de táxi querem que a prefeitura de São Paulo regulamente os apps de taxi. Como assim?
Empresas de taxi ou de tecnologia?
As empresas por trás dos apps de táxi dizem que não são empresas de táxi, e sim de internet (ou de tecnologia). “Nós só fazemos a ponte entre o passageiro e o taxista”, explicou Tallis Gomes, da Easy Taxi. Ele comparou o serviço do seu app com aqueles que ajudam pessoas a encontrarem vagas em hotel: eles não fazem parte da rede hoteleira, eles apenas ajudam quem precisa de um lugar para ficar a encontrar, mesmo que seja de última hora.
Mas não é assim que o outro lado da história enxerga essas empresas. Eder Luz, secretário da Associação Brasileira das Cooperativas e Associações de Táxis (Abracomtaxi) e presidente da cooperativa Use Táxi, defende que o serviço prestado pelas cooperativas e pelos apps é, na sua essência, o mesmo. “Quem faz o intermédio tem que ser responsável. O mercado é aberto para todo mundo, não acho correto uns seguirem a legislação e outros não.”
A Prefeitura de São Paulo tem uma série de regulamentações para a oferta do serviço de táxi dentro do município de São Paulo (a lista delas pode ser vista aqui). O fato dos apps não seguirem normas específicas, no entanto, não significa que eles não sejam regularizados.
“Afirmar que é ‘tudo irregular’ não é verdade. Estamos nos aproveitando dessa regulamentação.”, diz Paulo Veras, da 99Taxis. “Só cadastramos taxistas após verificar a documentação deles”. O discurso é o mesmo pelo lado da EasyTaxi (e não é diferente em outros serviços): o taxista já passou por todo o processo de homologação da prefeitura, ele já está autorizado a transportar passageiros em São Paulo. Portanto, ele já está regulamentado.
“Nosso sistema facilita a chamada entre passageiro e taxista. O motorista tem um alvará, um ponto, licença, tudo isso”. A diferença entre o 99Taxis e uma cooperativa é o fato do taxista não ser diretamente vinculado à empresa responsável pelo app – como ele é vinculado à cooperativa.
Nelas, o taxista pode pagar taxas entre R$ 500 e R$ 2.000 para circular usando a rádio, os clientes e a marca da cooperativa. Se o mês é fraco, esse valor pesa consideravelmente na hora de pagar as contas. Nos apps, além de não existir vínculo exclusivo, o valor cobrado funciona de forma diferente: alguns apps cobram, por exemplo, R$ 2 por corrida (o 99Taxis, por exemplo, ainda não cobra nada).
Para os taxistas, isso já é um enorme avanço: só há cobrança quando há corrida, e isso equilibra as coisas. “Se fizermos a média, uma corrida em SP costuma dar uns 20 reais mesmo. Eles levam 10%, e eu acho bem mais justo”, me contou um taxista enquanto listava os infinitos pontos positivos dos apps para seu uso. “O pessoal do ponto diz que eu estou faminto por dinheiro, mas eu digo: ‘podem ficar com os velhinhos do bairro que eu gosto mesmo é de ficar com essa gente jovem dos apps'”, contou, rindo.
Foto via Nicolas Frenay/Flickr
Nem todo mundo é contra
Eder Luz fala propõe a regulamentação, mas não significa que ele queira acabar com a existência dos apps – ele quer apenas que elas passem pela mesma fiscalização que as cooperativas. Afinal, não apenas apps e cooperativas fazem, na essência, a mesma coisa (a intermediação entre passageiro e taxista), como elas atuam na mesma plataforma. Sim, cooperativas, radio táxis e empresas similares também oferecem apps para seus clientes.
“Na nossa visão, os aplicativos vieram para somar aos serviços já oferecidos pelas cooperativas da táxi”, explica Rubens Marques, vice-presidenteda Coopertax. “No nosso caso, já temos trabalhos focados na web há bastante tempo, e há alguns meses lançados nosso aplicativo de táxi”.
O app faz exatamente o mesmo dos outros, mas com uma limitação: o taxista precisa ser filiado à cooperativa. E aí está a grande vantagem dos outros apps: eles são abertos para taxistas autônomos, que são os que mais se beneficiam do novo modelo.
“Não exigimos exclusividade, nem que o app fique ligado o tempo inteiro, ou em horários específicos”, diz Veras, da 99Taxis. O mesmo se aplica aos outros apps. Quando o taxista quiser uma forma mais fácil de conseguir passageiros, ele liga o app e espera um chamado – se encontrar um potencial passageiro, pode atender. Mas se não quiser, não precisa. Ele tem a liberdade para fazer como quiser e quando quiser. O mesmo taxista pode usar diversos apps diferentes para conseguir mais corridas. E aí está a grande vantagem: a flexibilidade – algo que as cooperativas não gostam muito.
Uma questão de segurança?
A ideia de regulamentação também passa por segurança. Cooperativas defendem que o modelo delas é mais seguro. “Um exemplo: se o motorista da UseTáxi cometer um crime, a empresa é responsabilizada por isso também. No caso dos apps, só o motorista é responsável”.
Ele vai além, e diz que se um passageiro se sentir lesado e quiser denunciar o serviço para a prefeitura, nada acontecerá – como a prefeitura não controla os apps, não sabe exatamente o que significa “Taxibeat”, ou “99Taxis”.
Mas, na prática, um passageiro prejudicado tem como saber exatamente quem foi o responsável pelo crime, e as empresas de apps têm como solucionar o problema.
Quando você solicita um táxi por um app e um motorista responde e vai buscá-lo onde estiver, você recebe dentro do app todas as informações sobre o taxista: nome completo, telefone, placa do carro. Você pode denunciar exatamente quem prejudicou e como foi prejudicado, sem precisar passar pela empresa. O motorista é total responsável pelo que faz dentro do seu táxi, e o app é apenas o canal para facilitar a sua ligação com ele.
“Experiências ruins não têm a ver com o app”, explica Veras. “Nós criamos uma comunidade de taxistas e passageiros. Isso é o controle da qualidade do serviço”, continua. Por essa comunidade, você pode dar uma nota baixa para o taxista que não atendeu direito – se atrasou, reclamou de uma corrida curta, foi sem educação. Se muitos passageiros denunciam o mesmo taxista, ele é excluído do serviço. E o mesmo pode acontecer com o passageiro: se ele recebe avaliações ruins dos taxistas, também pode ser excluído. Uma pessoa que pede o táxi pelo app, mas pega o primeiro disponível que aparece na rua mesmo após um motorista responder ao chamado, também pode perder o direito de usar esse canal mais simples para conseguir a corrida para casa.
Apesar de tudo – e de acreditar que a própria comunidade tem poder para controlar a qualidade do serviço – Veras entende que algo pode sim ser feito para ao menos a prefeitura ter ideia do que acontece com os apps. “Nós checamos a documentação, mas não podemos garantir que todos os outros serviços façam isso.” Portanto, ele acha que a ideia das empresas responsáveis pelos apps ao menos entregarem para a prefeitura a lista dos taxistas cadastrados não é de todo mal. “Mas entendemos que não violamos nada que exista. As prefeituras são rigorosas com táxi no Brasil. Se algo estivesse errado, elas fariam alguma coisa.”
Enquanto isso…
As prefeituras não parecem empolgadas com a discussão e as empresas dos apps dizem não ter recebido nenhuma notificação e nenhum contato de uma proposta de regulamentação. Enquanto isso, os apps continuam funcionando, e muito bem. Trata-se de uma mistura que deverá mudar muitos segmentos nos próximos anos: com a facilidade do acesso à internet e com um intermediário novo, mais leve e menos interessado em cercar tanto funcionários quanto clientes, o formato continua crescendo.
Já o intermediário histórico da relação passageiro/taxista agoniza, vendo soluções muito mais simples para ambos os lados se popularizarem nas ruas. Mais flexíveis e mais barato para os taxistas, os apps facilitam um serviço historicamente truncado, e melhoram nossa vida em momentos complicados. Achar um táxi para voltar para casa às 3 da manhã em São Paulo nunca foi tão fácil: é só iniciar um app, checar motoristas próximos, até que um deles responda ao seu chamado e vá te buscar. E, no caminho, certamente ele comentará sobre como as coisas estão bem melhores por causa do app.
Foto de destaque via mantelli/Flickr