Apps de saúde mental e para parar de fumar estão compartilhando informações de usuários

Estudo nos EUA e na Austrália sugere que vários apps do tipo estão entregando seus dados a gigantes da tecnologia como Facebook e Google
Ícones dos aplicativos Facebook, Messenger e Instagram
AP

Quando se trata de assuntos como saúde mental ou vícios, deveríamos poder confiar que um aplicativo projetado para ajudar em um problema tão difícil e pessoal levaria sua privacidade a sério. Mas um novo estudo sugere esse não é o caso. Mais do que isso: esses aplicativos estão compartilhando seus dados com gigantes da tecnologia como — surpresa! — Facebook e Google. E alguns desses aplicativos não apenas ocultam essa prática, como também podem estar fazendo isso mesmo que você não use os logins de redes sociais que ligam essas contas a esses aplicativos.

O estudo foi conduzido em janeiro do ano passado por pesquisadores da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, e do Departamento de Psiquiatria do Beth Israel Deaconess HealthCare, em Boston, nos EUA.

Publicado na sexta-feira na revista científica JAMA Network Open, ele examinou um total de 36 dos principais aplicativos gratuitos para cessação do tabagismo e para depressão disponíveis nas lojas de aplicativos para Android e iOS nos Estados Unidos e na Austrália. A lista incluía sete aplicativos disponíveis para ambos, assim como outros 14 exclusivos para iOS e 15 disponíveis apenas no Android.

Os aplicativos foram testados em um Huawei Nexus 6P e um iPhone 6S. Os pesquisadores examinaram suas respectivas políticas de privacidade, incluindo aquelas disponíveis nas descrições das lojas, em seus sites associados e vinculados ou no próprio aplicativo. Eles descobriram que 25 dos 36 aplicativos examinados tinham alguma forma de política de privacidade — mas aqui a coisa fica complicada.

Para aqueles com políticas de privacidade, os pesquisadores descobriram que apenas 23 aplicativos estavam divulgando a possibilidade de que os dados de um usuário pudessem ser compartilhados com terceiros, com 16 afirmando que os dados poderiam ser compartilhados com anunciantes e 14 indicando que os dados poderiam ser compartilhados com anunciantes e serviços de análise.

Apenas um aplicativo disse que nenhum dado seria compartilhado com terceiros, mas seis desses aplicativos declararam especificamente que nenhum “identificador pessoal forte”, como endereço de e-mail, nome ou data de nascimento, seria compartilhado com anunciantes.

Mas ao examinar a transmissão de dados de cada aplicativo iOS e Android, os pesquisadores descobriram que 33 dos 36 aplicativos, ou 92% deles, compartilhavam dados com um ou mais terceiros.

Eles também observaram que 29 desses 36 aplicativos populares de saúde mental e cessação de tabagismo estavam compartilhando informações com serviços operados pelo Facebook (12) ou Google (28). Só alguns deles, no entanto, deixavam isso claro em suas políticas de privacidade (seis aplicativos para o caso do Facebook e 12 no caso do Google).

Em aplicativos que incluíam logins de redes sociais para essas plataformas, os pesquisadores escreveram que o compartilhamento de dados “ocorreu independentemente da utilização do recurso de login social”.

Nem o Facebook e nem o Google responderam imediatamente a um pedido de comentário do Gizmodo. Perguntamos aos pesquisadores por trás do estudo quais aplicativos eles estudaram, mas ainda não recebemos uma resposta.

“A transmissão de dados para entidades de terceiros foi prevalente, ocorrendo em 33 dos 36 aplicativos mais bem classificados (92%) para depressão e cessação do tabagismo. A maioria dos aplicativos, porém, não forneceu divulgação transparente de tais práticas”, escreveram os autores do estudo.

“Questões comumente observadas incluíam a falta de uma política de privacidade escrita, a omissão de textos de políticas descrevendo a transmissão a terceiros (ou para que tais transmissões fossem declaradas de forma não específica), ou falhas em descrever as jurisdições legais que lidariam com dados”.

Entre os 33 casos de apps que compartilhavam dados de usuários, os pesquisadores descobriram que:

  • nove compartilhavam o nome de usuário;
  • oito compartilhavam um identificador vinculado ao dispositivo do usuário;
  • fois compartilhavam informações que incluíam o uso de substâncias ou informações pessoais de saúde;
  • 26 compartilhavam identificadores de publicidade pseudônimos, que os pesquisadores apontaram que “podem ser usados para acompanhar o comportamento do usuário ao longo do tempo e em diferentes produtos e plataformas tecnológicas”.

Os pesquisadores, entretanto, disseram que, além dessas informações, não observaram que nenhuma “outra informação pessoal ou delicada (como nomes completos, senhas, datas de nascimento ou dados médicos)” estava sendo compartilhada com terceiros. Além disso, eles disseram que seu estudo não examinou se os dados de usuário que estavam sendo enviados sorrateiramente para terceiros eram usados para publicidade direcionada.

Ainda assim, o estudo levanta questões significativas sobre a segurança das informações que compartilhamos com os aplicativos destinados a nos ajudar a levar estilos de vida mais saudáveis. Em situações sensíveis, como saúde mental e dependência, a última coisa que alguém precisa é de anúncios direcionados que tentem atraí-los para algum tipo de remédio picareta ou coisa pior.

Steven Chan, médico do Sistema de Saúde de Veteranos de Guerra de Palo Alto, disse ao Verge que os anunciantes poderiam potencialmente visar um indivíduo que tentasse conter um vício, como tabagismo, com anúncios para outro, como o alcoolismo — o que não parece muito longe do reino infernal das possibilidades.

Os pesquisadores, por sua vez, escrevem que o estudo deve ressaltar as revisões necessárias das políticas de privacidade e que iniciativas tecnológicas devem ser implementadas para proteger melhor os consumidores que usam esses tipos de aplicativos — especialmente à medida que nos tornamos cada vez mais dependentes de nossos dispositivos como uma forma necessária de ajudar a monitorar nossa saúde e nosso bem-estar.

“Conforme os smartphones continuam ganhando recursos para coletar novas formas de informações pessoais, biométricas e de saúde, é imperativo que a comunidade de saúde responda com novos métodos e processos para revisar aplicativos e garantir que eles permaneçam seguros e protejam as informações pessoais de saúde”, disseram eles.

[JAMA Network Open]

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