Ciência

As histórias, os segredos e os poderosos potenciais terapêuticos do alho, uma das plantas mais versáteis do mundo

O alho é utilizado em praticamente todos os países e sua popularidade tão longeva se deve justamente pelos seus benefícios culinários e as suas propriedades medicinais.
Imagem: Freepik/Reprodução

Texto: Marli do Carmo Cupertino/ Adriano Simões Barbosa Castro / João Paulo Viana Leite / Rodrigo Siqueira-Batista/The Conversation

whatsapp invite banner

Como tempero, o alho é uma unanimidade quase universal. Presente na cozinha de todos os continentes, em centenas de países. Como remédio, já era usado pelos sumérios nos primórdios da civilização humana, e continua assim até hoje, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Na religião de várias culturas, é tido como um elemento de proteção.

Mas o que fez do alho uma planta tão popular na geografia, na história, na gastronomia, na medicina e no imaginário da humanidade há tanto tempo e de forma tão abrangente? Possivelmente por conta de suas qualidades indiscutíveis, que fizeram ele ser cobiçado e comercializado entre a Ásia e a Europa desde há milhares de anos.

O alho é uma planta oriunda da Ásia, que se espalhou para diversas regiões do mundo através do comércio e das migrações humanas que remontam mais de 20 mil anos atrás. A Rota da Seda, que foi uma rede de comércio bastante ativa entre cerca de 500 AC e meados do século 15, facilitou muito a disseminação da planta para a Europa, o Oriente Médio e, depois do século 16, a África e as Américas.

Atualmente, o alho é utilizado em praticamente todos os países e sua popularidade tão longeva se deve justamente pelos seus benefícios culinários e as suas propriedades medicinais.

Cientificamente falando, o alho é uma planta do gênero Allium que possui um bulbo aromático muito apreciado em diferentes civilizações e culturas, que serve como tempero para inúmeras preparações, dado o seu sabor agradável ao paladar humano. Ele é considerado um ingrediente muito versátil, podendo ser consumido cru, cozido, assado, frito ou em conserva, com alterações no sabor de acordo com o modo de preparo.

Além da contribuição na alimentação, o alho também é tradicionalmente usado como remédio contra diversas enfermidades, em diferentes culturas, há milhares de anos. Há regitros de seu uso entre os egípcios, os sumérios, os chineses, os gregos e os romanos. Um costume que percorreu gerações e permanece até o presente, no Ocidente e no Oriente.

 Bulbos de alho (Allium sativum) Ralphs fotos. Licenciada por Pixabay.

Bulbos de alho (Allium sativum) Ralphs fotos. Licenciada por Pixabay.

O uso popular no tratamento e na prevenção de doenças é feito através do consumo direto das diferentes estruturas da planta ou da preparação de chás e/ou misturas com outros vegetais.

Uma curiosidade é que no Antigo Egito, os construtores de pirâmides acreditavam que consumir o alho diariamente ajudava no aumento da sua força e da sua resistência, utilizando-o, dessa forma, como um suplemento diário.

O alho já foi utilizado também como moeda de troca na economia de algumas sociedades ancestrais. Uma delas foi justamente a Egípcia, que o considerava um recurso valioso no comércio.

Devido à suas propriedades aromáticas marcantes, também existem registros históricos antigos do uso do alho como protetor contra o ataque de animais ferozes, como cobras e crocodilos. Essa característica contribuiu para que ele fosse também relacionado ao combate contra “maus espíritos” em práticas religiosas. Veio daí, também, a lenda popularizada pela literatura ocidental – e mais tarde pelo cinema norte-americano – de que o alho é capaz de afastar vampiros…

Com toda essa relevância histórica e cultural, conhecer o alho e seus benefícios de modo mais aprofundado é muito importante para a biologia e a pesquisa farmacêutica.

Composição e princípios ativos

O alho é chamado cientificamente de Allium sativum. Ele possui uma composição complexa com mais de 2000 substâncias químicas, com destaque para os organossulfurados, os flavonoides e os ácidos fenólicos. Tais compostos estão presentes em concentrações diferentes de acordo com a parte da planta analisada.

Por exemplo, os flavonoides e ácidos fenólicos são encontrados majoritariamente nas folhas. Por outro lado, o composto organossulfurado bioativa alicina é identificado em boa quantidade nas raízes.

Monografias do Allium sativum estão presentes em farmacopeias de diferentes países. Na Farmacopeia Brasileira, a droga vegetal está descrita como um bulbo (ou bulbilhos de Allium sativum L.), desprovidos de raízes, caule e folhas.

 Fórmula estrutural da alicina: principal composto bioativo presente em Allium sativum. Ilustração elaborada pelos autores.

Fórmula estrutural da alicina: principal composto bioativo presente em Allium sativum. Ilustração elaborada pelos autores.

Poderes medicinais

Os componentes químicos de alimentos com ação na saúde podem ser chamados de agentes nutracêuticos, pois são nutritivos e terapêuticos ao mesmo tempo. No caso do alho, esses componentes nutracêuticos atuam por meio de diferentes mecanismos de ação no organismo humano, assumindo propriedades antimicrobianas e anti-inflamatórias, entre outras.

Nesse sentido, estudos realizados já demonstraram significativas propriedades terapêuticas em amostras de alho com destaque para a substância alicina, que atua contra infecções e hipertensão arterial sistêmica.

No Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira, o alho está indicado para auxiliar no controle dos níveis elevados de lipídios no sangue (hiperlipidemia) e como auxiliar na prevenção da aterosclerose. Além disso, é utilizado como coadjuvante no tratamento da hipertensão arterial leve a moderada.

Por outro lado, são necessárias mais informações sobre as doses terapêuticas e tóxicas desses compostos, em busca de, futuramente, ampliar o uso da planta nas diversas áreas de cuidado à saúde e de promoção do bem-estar. Apesar de bem descrita, a composição fitoquímica do alho apresenta variações na concentração dos componentes que podem ocorrer de acordo com a parte da planta utilizada, o modo de extração dos compostos e até mesmo de acordo com a característica do cultivo, o tipo de solo e a intensidade de chuvas e luz solar recebidas pela planta.

Vale ressaltar que em medicina veterinária e nutrição animal o alho é amplamente utilizado em cavalos, bois, aves e porcos para melhorar o paladar e controlar parasitas. Tal controle de parasitas se dá devido o odor da planta, que desempenha ação repelente ao ser liberado junto ao suor do animal, após o consumo. Ao ser eliminado nas fezes, o alho também inibe a reprodução de insetos parasitas, sendo que a adição de 1% de pó de alho na alimentação de bovinos pode diminuir em até 90% os índices de infestação pela mosca-dos-chifres.

Função anti-infecciosa

As substâncias anti-infecciosas – têm a função de matar ou inibir o crescimento de patógenos, incluindo bactérias, vírus, fungos e parasitas – também podem ser encontradas no alho, que tem excelente capacidade de inibição do crescimento de microrganismos.

Para chegar a essa conclusão, diversos estudos já demonstraram a existência de patógenos humanos que são mais sensíveis ao extrato de alho, com destaque para as bactérias Staphyloccocus aureus, responsável por grande parte das infecções de pele; a Escherichia coli, principal causadora de infecção urinária; a Klebsiela pneumoniae, importante geradora de quadros infecciosos do trato respiratório; e o fungo Candida albicans, agente etiológico da candidíase. Além disso, o alho também possui capacidade de inibir protozoários e vírus – mas em menor escala do que bactérias e fungos.

Também vale destacar que o alho possui também efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes e antitumorais, o que amplia as possibilidades de sua utilização, futuramente, para o tratamento de distintas doenças.

Resistência bacteriana

A resistência antimicrobiana é conceituada, de acordo com o DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), como a “capacidade de microrganismos (especialmente bactérias) em resistir ou tornar-se tolerante a agentes quimioterápicos, antimicrobianos ou a antibióticos”. Tal situação ocorre quando os agentes patogênicos sofrem alterações genéticas, que os tornam menos susceptíveis aos tratamentos que anteriormente os controlariam ou eliminariam.

Nesse sentido, observa-se atualmente que o crescimento da resistência aos medicamentos anti-infecciosos é uma preocupação global, visto que a terapêutica das infecções se torna mais difícil, aumentando a ocorrência de quadros graves e de difícil tratamento. Os riscos de complicações e morte crescem, assim como os custos dos tratamentos. O uso de anti-infecciosos de forma excessiva e de maneira inadequada tem contribuído para esse cenário.

Diante disso – e levando em consideração o panorama atual e a necessidade da busca por novos medicamentos anti-infecciosos – a possibilidade de associação do alho com antibióticos tradicionais surge como uma alternativa viável.

Entretanto, é válido ressaltar que boa parte das pesquisas desenvolvidas até agora foram realizadas em laboratório, muitas das quais com a utilização de células (estudos in vitro), de modo que investigações em seres vivos (estudos in vivo) precisarão ser feitas de maneira mais sistemática para que o alho possa ser empregado de maneira segura em seres humanos, com doses e intervalos de utilização bem estabelecidos.


Este trabalho contou com a preciosa participação das estudantes Rafaella Neves Fortini Duarte e Samara Angélica Cardoso Nascimento, que contribuíram para a preparação do texto.

fique por dentro
das novidades giz Inscreva-se agora para receber em primeira mão todas as notícias sobre tecnologia, ciência e cultura, reviews e comparativos exclusivos de produtos, além de descontos imperdíveis em ofertas exclusivas