As pessoas congeladas criogenicamente vão voltar a viver?

O congelamento de cadáveres não se tornou exatamente popular, mas a maioria das pessoas já está familiarizada com o conceito: você arruma uma tonelada de dinheiro, assina alguns papéis e passa algumas décadas de pós-morte em um congelador, aguardando calmamente as condições para o seu eventual retorno dos mortos. Mais de 300 americanos congelados e […]
Ilustração de pessoas congeladas em sorvetes tipo picolé.
Tara Jacoby/Gizmodo

O congelamento de cadáveres não se tornou exatamente popular, mas a maioria das pessoas já está familiarizada com o conceito: você arruma uma tonelada de dinheiro, assina alguns papéis e passa algumas décadas de pós-morte em um congelador, aguardando calmamente as condições para o seu eventual retorno dos mortos.

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Mais de 300 americanos congelados e mortos – ou cérebros americanos congelados e mortos, dependendo de qual procedimento eles optaram (corpo inteiro ou somente cérebro) – podem ser encontrados atualmente em instalações de armazenamento em todo o país. Todos eles fizeram uma aposta – de pouco risco no sentido metafísico: o pior cenário seria apenas a continuação da sua morte.

Por enquanto, esse também é o único cenário possível. Só o tempo dirá se esses otimistas extremamente mortos voltarão um dia para ficarem de novo presos no trânsito ou vagar pelo ciberespaço com seus cérebros de inteligência artificial. Mas podemos pelo menos começar a imaginar quando – ou se – esse dia chegará. Para o Giz Pergunta desta semana, nós contatamos vários neurocientistas, bioeticistas, defensores da criogenia e céticos para ter uma noção do que acontecerá aos humanos congelados. Honestamente, ainda não parece que está na hora – mas uma das principais coisas do futuro é que ele mostra como o passado pode estar errado, então, quem sabe!

Dr. João Pedro de Magalhães

Biólogo da Universidade de Liverpool e coordenador da Rede de Pesquisa de Criotomia e Criopreservação do Reino Unido.

Eu diria que, com a tecnologia de hoje, a criônica danifica gravemente as células do corpo. Mesmo sob condições ótimas (isto é, o procedimento começando logo após a morte), há vários problemas. Em particular, os agentes crioprotetores têm efeitos tóxicos nos tecidos humanos na exposição prolongada. Vitrificar grandes órgãos como o cérebro também pode resultar em fraturas devido a diferentes taxas de resfriamento em diferentes partes. Em condições não ideais (ou seja, se um tempo significativo transcorrer entre a morte e ser criopreservado) muito mais danos podem ocorrer porque as células começam a morrer, e as células cerebrais em particular começam a morrer minutos após a parada cardíaca, devido à falta de nutrientes e oxigênio (isso chama isquemia). Portanto, serão necessários enormes avanços científicos em áreas como engenharia de tecidos e medicina regenerativa para deixar os indivíduos criopreservados vivos e saudáveis ​​novamente.

Além disso, o reparo no nível molecular usando a nanotecnologia será necessário, mas isso permanece no reino da ficção científica. Dito isso, é impossível prever como a tecnologia irá progredir nas próximas décadas ou séculos. No momento, eu diria que as chances de indivíduos criopreservados serem revividos é baixa, mas não impossível. Então a resposta é que o pior resultado possível de ser criopreservado é permanecer morto, então a criônica nos dá uma chance de reviver no futuro que não existe se você for enterrado ou cremado.

Além disso, a criopreservação humana reversível e segura seria uma tecnologia revolucionária no campo dos cuidados críticos. Pacientes com doenças terminais, incluindo crianças, podem optar por ser colocados em crioestase até que uma cura seja descoberta. Em certo sentido, teríamos uma alternativa à morte, o que carrega profundas implicações filosóficas, éticas e médicas.

“As chances de indivíduos criopreservados serem revividos é baixa, mas não impossível”.

Mark Kline

Cofundador e CTO da X-Therma Inc., empresa que está melhorando o armazenamento a frio de células-tronco, tecidos e órgãos inteiros.

Existem duas maneiras diferentes de congelar criogenicamente pessoas. Uma envolve congelar apenas o cérebro ou a cabeça – a ideia nisso é que há uma quantidade menor de tecido e você deve preservar a essência da pessoa. Também é mais barato e mais fácil. Mas armazenar a estrutura fundamental do cérebro e as conexões entre as células provavelmente será muito mais difícil. O outro método envolve o congelamento de todo o corpo, na esperança de que você possa ser revivido um dia, quando a tecnologia certa estiver disponível para curar suas doenças e reparar os danos do processo.

Há uma infinidade de problemas aqui, em ambos os casos. A coisa mais difícil de resolver é: como congelar as coisas sem danificá-las? Nós misturamos vários crioprotetores – como o anticongelante usado em carros, mas voltados para a biologia – em um esforço para evitar a formação de gelo dentro das células e dos tecidos. Mas você precisa reduzir drasticamente a temperatura – até cerca de -196 graus celsius, a temperatura do nitrogênio líquido. Evitar a formação de gelo a essa temperatura, através de um tecido muito grande, é muito, muito difícil. Quando o gelo se formar, ele vai cortar as células como uma faca – basicamente, vai passar uma lâmina pelos órgãos que você está tentando preservar. E depois há a dessecação: uma vez que você coloca esses produtos químicos em um órgão ou célula, faz com que a água deixe as células e as resseque, o que danifica as conexões entre as células. Quando esse dano é causado, o reparo se torna quase impossível, já que as células não parecem reconstruir essas conexões adequadamente após serem congeladas. Pelo menos os pesquisadores enxergam muito pouco reparo da matriz.

Portanto, há o problema da química (prevenção do gelo), o problema da biologia (dano nos tecidos, dano na conexão), o problema da física (como você esfria uniformemente algo tão grande quanto um órgão? E como aquecê-lo uniformemente depois, sem danificá-lo?).

Eu acho que existem aplicações muito mais iminentes para a criopreservação, como a preservação de órgãos. Preservar órgãos tem um impacto de alto valor para o sistema médico, e também é muito mais viável do que preservar todo o corpo. Você pode salvar muitas vidas com a preservação de órgãos.

“A coisa mais difícil de resolver é: como congelar as coisas sem danificá-las?”

Nick Bostrom

Professor da Universidade de Oxford e diretor do Future of Humanity Institute e do programa Governance of AI.

Tecnicamente parece que provavelmente funcionaria. O congelamento (melhor: vitrificação ou plastinação) e armazenamento nós somos capazes de fazer agora. A parte de retorno pode, contudo, precisar da assistência da superinteligência da máquina para reparar o extenso dano celular que ocorre durante o processo de suspensão.

Dennis Kowalski

Presidente, Cryonics Institute.

A resposta cientificamente correta é que não sabemos, pois ninguém conhece o futuro e o que será possível. No entanto, é por isso que algumas pessoas se inscreveram para preservar seus corpos na temperatura do nitrogênio líquido, na esperança de que a futura tecnologia e medicina sejam capazes de responder a essa pergunta.

Assim como era impossível ressuscitar os mortos há 100 anos, eles acreditavam que novas técnicas como a ressucitação cardiorespiratória e a desfibrilação cardíaca, mudariam a definição do que significa estar morto.

Novas tecnologias avançando podem significar terapias avançadas de células-tronco guiadas por IA que regeneram tecidos que foram danificados pelo envelhecimento, pelo congelamento ou pela própria morte. A teoria das mudanças aceleradas de Ray Kurzweil sugere que, tecnologicamente, estamos avançando a um ritmo exponencial, e isso significa que coisas consideradas impossíveis há algumas décadas se tornarão realidade. Por exemplo: o celular no bolso que permite que você se comunique em todo o mundo em tempo real, sendo capaz de acessar todo o conhecimento humano ao seu alcance. No passado, esse dispositivo era chamado de bola de cristal e era considerado um mito. Parece provável, mas só o tempo dirá.

“Não sabemos, pois ninguém conhece o futuro e o que será possível”.

Cathal O’Connell

Pesquisador em bioimpressão 3D e biofabricação na BioFab3D e pesquisador do hospital St Vincent, Melbourne.

Todos os sinais apontam para não. O processo de congelamento é crítico. Fazer isso de uma maneira que preserve a função das células – especialmente em relação à conectividade no cérebro humano – está muito além das nossas capacidades atuais. Infelizmente, todo mundo que já foi congelado até agora foi basicamente transformado em mingau. Essas pessoas nunca serão revividas.

A criônica em sua forma atual é mais uma religião do que uma ciência. Em vez de uma entidade divina, seus seguidores depositam sua fé no progresso tecnológico – acreditando que os avanços futuros compensarão os terríveis danos causados pelas atuais técnicas de congelamento. Não há evidência ou indicação de que isso seja possível. Embora eu não duvide que seus profetas sejam bem intencionados, a criogenia contemporânea é essencialmente um sistema de crenças que proporciona conforto contra o medo da morte.

A capacidade de alguns organismos sobreviverem ao congelamento é um sinal da natureza que o que a criônica promete um dia poderia ser possível. Mas chegar lá exigirá um investimento maciço – bilhões de dólares, milhares de cientistas, décadas de pesquisa. Sem um claro incentivo econômico, esse investimento não está disponível. Como meu antigo professor dizia, uma visão sem financiamento é alucinação.

Pense que hoje em dia são necessárias algumas décadas e algumas centenas de milhões de dólares para desenvolver um novo tratamento médico. Os problemas enfrentados pela criogenia são pelo menos uma ordem de grandeza mais complexa. No momento que a humanidade os resolver, todos nós poderemos ser imortais.

“…imensamente desafiador e muito além do que é atualmente possível…”

Ralph Merkle

Diretor da Alcor Life Extension Foundation, a principal organização de criônica do mundo

A versão curta é: muitos dos pacientes da Alcor provavelmente serão revividos em algum momento deste século.

Se você tivesse perguntado a uma pessoa qualquer em 1940 se o voo para a lua era possível, você provavelmente teria ouvido “não”. Uma resposta típica era “porque não há ar para voar no espaço”. Esta objeção totalmente falsa, mas por ter fundamento científico era comum entre cientistas, foi a base para o editorial do New York Times de 1920 denunciando Robert Goddard. Ele foi corrigido em 17 de julho de 1969, um dia após o lançamento do vôo espacial Apollo 11.

No entanto, aqueles que conheciam o voo espacial previam voos para a Lua décadas antes do evento. Da mesma forma, conhecedores da nanomedicina também prevêem o renascimento de pacientes criopreservados há décadas, e essas previsões também são baseadas em uma avaliação sólida da lei física.

Enquanto ainda ouvimos declarações céticas sobre a criogenia, a óbvia falta de qualquer argumento técnico sólido contra a viabilidade da criônica está se tornando cada vez mais óbvia. Até que as estruturas no cérebro que codificam nossas memórias e personalidade tenham sido tão destruídas que não possam, em princípio, ser inferidas e restauradas a um estado funcional, vocês não estão mortos. Este critério teórico informacional da morte é obviamente muito mais difícil de encontrar do que as definições legais ou médicas atuais, daí a crença de que os pacientes criopreservados não estão realmente mortos.

“Este critério teórico informacional da morte é obviamente muito mais difícil de encontrar do que as definições legais ou médicas atuais, daí a crença de que os pacientes criopreservados não estão realmente mortos.”

Michael Hendricks

Membro da Canada Research Chair especializado na área de neurobiologia e comportamento no Canadá e professor assistente de biologia na Universidade McGill, autor de “The False Science of Cryogenics” para a MIT Technology Review.

Se você quer dizer pessoas que já tiveram seus cérebros, cabeças ou corpos armazenados criogenicamente após a morte (ou estão fazendo isso com a tecnologia atual): não, eles nunca serão revividos . Eles estão mortos e permanecerão mortos para sempre.

Será que alguma vez será possível armazenar uma pessoa morta (ou o cérebro de uma pessoa morta) de tal forma que ela possa ser revivida? Quase certamente não. Será que alguma vez será possível criogenicamente “suspender” uma pessoa viva por algum período de tempo? Quase certamente. Por quanto tempo? Impossível dizer. Alguma vez será possível “carregar” – transferir – a consciência de alguém para uma forma digital? Não. Consciência não é apenas uma coisa, é um monte de coisas diferentes que os cérebros produzem. Teoricamente, você poderia criar uma simulação digital distinta da pessoa, e a pessoa ainda pode estar viva ou morta. De qualquer forma, a novidade não são eles. Uma pessoa é um sistema causal físico particular, não uma abstração computacional.

Será que vai ser possível criar uma simulação ou versão digital de uma pessoa morta com base no exame de seu cérebro? Isso não é teoricamente impossível, mas está tão longe de nossa tecnologia (tanto biológica quanto computacional) que qualquer um que diga que sabe responder se acontecerá, provavelmente, está vendendo alguma coisa. A crença de que uma tecnologia teoricamente possível se tornará realidade se desejarmos forte o bastante que ela aconteça é de um delírio quase religioso.

Olhe para o mundo. A única coisa boa que ainda fazemos de forma confiável para as gerações futuras é sair do caminho deles. Não vamos tirar até isso deles… eles já terão muito trabalho com todos os terríveis problemas que deixamos por causa do nosso egoísmo e ganância. Nós não deveríamos responsabilizá-los por manter nossos corpos gelados também.

Matthew I. Gibson

Professor de química da Warwick Medical School, cuja equipe pesquisa novos crioprotetores para ajudar a armazenar produtos biológicos.

A criopreservação de células sustenta uma enorme gama de ciências fundamentais e médicas; da mesma forma que com a comida, não podemos deixar as células por aí na temperatura ambiente e esperar que fiquem bem, então temperaturas baixas são essenciais para nos deixar armazenar (ou trazer de volta) as células.

O armazenamento bem sucedido de células requer cuidadosa adição e remoção de crioprotetores, assim como o controle preciso das taxas de congelamento e descongelamento. Em pequenos volumes (para células) isso pode ser simples, mas se torna muito mais difícil à medida que o volume aumenta e é um dos muitos problemas do congelamento de uma pessoa. Devemos lembrar que um humano é uma comunidade de células ligadas entre si e essas ligações precisam ser mantidas para que um tecido seja viável, especialmente para órgãos complexos como o cérebro.

É interessante pensar que só porque células, ou alguns tecidos, são rotineiramente criopreservados que o mesmo pode ser aplicado a uma pessoa inteira, mas isso é realmente uma simplificação exagerada. Ninguém pode prever tecnologias futuras, mas eu não vejo como isso seria possível, e dizer que a nanotecnologia irá “recompor” as partes danificadas do cérebro/corpo não está de acordo com a realidade científica no momento.

Simon Woods

Professor de bioética da Universidade de Newcastle.

Em primeiro lugar, acredito que qualquer cadáver ou cérebro preservado criogenicamente que já esteja congelado (ou vai ser em um futuro próximo) tem zero chance, porque os indivíduos em questão já estão mortos e sua morte foi causada por doenças fatais atualmente incuráveis. Acordar esses cadáveres envolveria muitos avanços importantes muito além do que é possível agora, descongelando complexos sistemas de órgãos e tecidos em um estado viável, aplicando tecnologias regenerativas para reparar o dano dos tecidos, curando a doença fatal que os matou e finalmente revivendo a pessoa morta. Cada um destes passos é individualmente um desafio gigante e está muito além do que é atualmente possível (e lembre-se que na maioria das definições a morte é uma condição irreversível).

O que está em aberto como uma possibilidade é se a pessoa criogênica não estava morta ou terminalmente doente para começar – então isso poderia envolver a criopreservação com a eutanásia (aumentando assim as questões morais, especialmente se a pessoa não estava terminalmente doente, uma exigência na maioria das jurisdições que permitem a eutanásia). Suponho que esta técnica possa ser usada para permitir a exploração do espaço profundo onde a pessoa seria colocada em uma animação suspensa [cessão temporária de funções vitais] – embora neste caso a preservação criogênica possa não ser a melhor coisa porque, usando tecnologias atuais, as técnicas são muito prejudiciais às células.

Para tocar em alguns dos problemas sociais mais amplos – se uma pessoa fosse criopreservada por centenas de anos, qual seria o seu status na futura comunidade – acordada sozinha sem amigos ou parentes vivos, como um sobrevivente de naufrágios lançado em algum costa estrangeira.

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