Ciência

Atriz, dançarina e biomédica: inspirada na resiliência dos avós, aluna do Butantan foi premiada por descoberta sobre serpentes

Gabriella da Cunha foi finalista no Prêmio Jovem Cientista 2023; hoje, faz treinamento técnico e contribui na construção de bancos de anticorpos monoclonais no Instituto

Reportagem: Aline Tavares/Instituto Butantan

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Quem conheceu a pequena Gabriella da Cunha, que precisava de uma mãozinha do pai para vencer a timidez e fazer amizades no prédio em que morava, não imaginaria o futuro que a aguardava nos palcos – de teatro, de dança e, mais recentemente, do auditório de um dos maiores institutos de pesquisa do país. Aos 25 anos, a biomédica natural de Campinas (SP) foi uma das finalistas do Prêmio Jovem Cientista 2023, promovido durante a Reunião Científica Anual (RCA) do Instituto Butantan, e conquistou o segundo lugar na categoria de melhor trabalho de especialização.

A pesquisa que lhe rendeu o reconhecimento é sobre um vírus de serpentes chamado chuvírus. Geralmente, ele aparece em coinfecção com o reptarenavírus, que causa doença grave em cobras como jiboias e sucuris e leva a perdas severas em coleções de serpentes ao redor do mundo. Gabriella relatou pela primeira vez a presença do chuvírus sozinho, em cobras com resultado negativo para a outra infecção. Isso é importante para conseguir investigar o papel desse vírus na infecção e seu possível impacto na mortalidade dos animais.

O trabalho foi feito durante o curso de Especialização em Saúde no Laboratório de Virologia do Butantan, com orientação da pesquisadora Viviane Botosso e da assistente técnica de pesquisa Josana Kapronezai.

Ter a oportunidade de mostrar seu projeto para todos os pesquisadores e pesquisadoras do Instituto foi motivo de muita alegria para a biomédica (e muita ansiedade também). Mesmo acostumada a se apresentar em espetáculos, e ter dançado até em rede nacional no Criança Esperança quando pequena, dessa vez era diferente. Era o resultado de sua dedicação à pesquisa, uma paixão que aflorou há poucos anos. Apesar do nervosismo, o sentimento de união e colaboração foi o mesmo que ela viveu no camarim com os colegas artistas.

“Foi incrível ver tantas pessoas interessadas, fazendo perguntas, mandando mensagens… Eu pude perceber quantos amigos eu tinha feito aqui no Butantan e o apoio eu tenho”

Como toda boa conquista, essa também rendeu grandes emoções. Gabriella conta que, devido a alguns problemas técnicos, só foi possível ter o resultado final do sequenciamento do vírus na véspera da apresentação – uma verdadeira corrida contra o tempo. Foi um alívio quando recebeu a ligação de Josana para dizer que tudo tinha dado certo. Como sua orientadora, foi ela também quem deu a notícia de que o projeto era finalista na RCA.

“Lembro que estava em casa e Josana me ligou. Eu a considero uma grande amiga e a alegria dela me contagiou – fiquei mais feliz por ela estar tão contente com o nosso projeto do que por mim”

Mestrado na mira

Após concluir a especialização, no início de 2024, Gabriella engatou em outro projeto no Butantan: conquistou uma Bolsa de Treinamento Técnico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Imunobiológicos (CeRDI). Orientada pelas pesquisadoras Ana Maria Moro e Lilian Tsuruta, do Laboratório de Biofármacos, a aluna tem contribuído na construção de uma biblioteca de anticorpos monoclonais humanos, e se prepara para prestar a prova do mestrado no final do ano.

Um anticorpo monoclonal (mAb) é proveniente de uma única célula B, que é clonada e imortalizada para produzir sempre os mesmos anticorpos. Cada anticorpo reconhece antígenos específicos, como vírus, bactérias e toxinas. A tecnologia tem sido estudada pela ciência e aplicada como terapia inovadora para diferentes doenças, entre elas câncer, lúpus e artrite reumatoide.

“A biblioteca é composta por genes de anticorpos obtidos do sangue de doadores. Nós amplificamos os genes de interesse, clonamos em um vetor e usamos bactérias para multiplicá-los. Depois, extraímos, purificamos e vamos criando assim uma biblioteca diversa”, explica Gabriella. A vantagem de ter genes provenientes de diferentes doadores é a diversidade de anticorpos, que reconhecem uma infinidade de antígenos.

A intenção da equipe é usar a biblioteca para fazer uma triagem, com uma técnica denominada phage display (ou exibição de anticorpos em fagos). Funciona assim: fragmentos dos anticorpos são ancorados na superfície de fagos, vírus que infectam bactérias, e são multiplicados e “apresentados” a antígenos de interesse em uma placa. Isso serve para identificar anticorpos que reconheçam e combatam esses antígenos – por exemplo, o vírus da influenza.

Para a jovem cientista, vir de Campinas para São Paulo todos os dias, se adaptar à rotina de laboratório, aprender novas técnicas e experimentos complexos e transitar por uma cidade grande, até então pouco conhecida, foi um tanto assustador no início. Mas a receptividade dos colegas do Butantan fez a diferença para superar os medos e abraçar os desafios.

“No início, você pensa ‘jamais vou conseguir fazer isso’. Mas você vai aprendendo, trocando experiências, e descobre que é capaz. Essa é a parte mais legal”

Um pé na arte, outro na pesquisa

A curiosidade e vontade de aprender sempre esteve presente na vida de Gabriella, assim como a arte – o pai é baterista e tem uma escola de música em Campinas. Quando criança, além das aulas de teatro, dança e piano, um de seus passatempos preferidos era ler almanaques de ciência, além de livros de ficção, biologia e até astronomia. Antes de cursar Biomedicina na Universidade Paulista (UNIP), onde se formou em 2022, ela chegou a fazer um ano de graduação em Enfermagem – mas o que realmente lhe chamava a atenção era a ciência.

Foi durante a produção do Trabalho de Conclusão de Curso da faculdade que o interesse pela pesquisa se intensificou. Lidando com as adversidades de ser estudante de graduação durante uma pandemia, Gabriella decidiu incorporar o tema ao seu projeto e estudar o impacto da Covid-19 no sistema nervoso central, o que acabou lhe rendendo a publicação de dois artigos em revistas científicas nacionais: Brazilian Journal of Health Review e Acervo Saúde. Para desenvolver o trabalho, a aluna analisou dados do Sistema Único de Saúde (SUS) de 18 mil pacientes.

“O TCC fez eu me interessar cada vez mais pela pesquisa. Hoje, no Butantan, gosto muito da bancada, de fazer experimentos, e também gosto de pesquisar e ler artigos. Sempre temos palestras, eventos e oportunidades de conhecer as pesquisas dos outros grupos e trocar conhecimento”, conta.

Suas maiores inspirações no Butantan são suas orientadoras, que lhe ensinaram tudo o que sabe sobre laboratório. “Elas sempre estiveram dispostas a incentivar os alunos a aprender, a pensar, além de terem criado um ambiente muito inspirador e acolhedor em ambos os laboratórios”, diz. Gabriella também destaca a colaboração de seu colega Giovanni Andreu, do Laboratório de Virologia, que lhe deu muito apoio durante a RCA.

“Me inspiro na força e resiliência de meus avós”

Fora do Butantan, Gabriella passa boa parte do tempo estudando ou lendo, mas também aproveita para curtir a família, que todo domingo se reúne para jogar baralho. Mais velha de três filhos, tem um irmão de 17 anos e outro de 7, e foi criada pelo pai e pelos avós paternos.

Hoje, a biomédica mora com os avós, de quem é bastante próxima. De origem humilde, o avô construiu no quintal de casa uma empresa de baterias, que hoje é reconhecida internacionalmente no mundo da música e leva seu nome – Odery. A avó foi professora e poeta, e escreve poemas até hoje, inspirando o hábito da leitura na neta.

“Ela cuidou de quatro filhos, além de ter ajudado a me criar, e na pandemia perdeu a irmã para a Covid-19 e meu tio para o câncer. Mas continua cuidando de todos nós e sempre recitando poesias com alegria”, afirma a jovem.

Guiada pela história de vida e resiliência dos avós, Gabriella se abre diariamente para os desafios e tem altas expectativas para os próximos passos de sua carreira acadêmica. No projeto de mestrado, que está em desenvolvimento, o objetivo é estudar anticorpos monoclonais contra doenças infecciosas.

“A pesquisa tem um grande significado para mim – faz parte da minha vida. Desejo me sentir realizada no ambiente onde estiver, e continuar cercada por pessoas que me façam sentir bem, como sou hoje no Butantan”

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