O bailarino brasileiro David Motta Soares, de 24 anos, anunciou via rede social que deixou o Balé Bolshoi, da Rússia. Considerado um dos principais solistas da companhia, David justificou a decisão em solidariedade aos “combatentes” na Ucrânia.
O cabo-friense, que agora está na Itália, foi uma das principais estrelas do Bolshoi, que está entre as muitas instituições culturais envolvidas na reação internacional contra a invasão da Ucrânia pelo presidente russo, Vladimir Putin.
No Instagram, o bailarino fez um desabafo e disse que não poderia agir como se nada estivesse acontecendo e manifestou apoio à causa ucraniana. “Não consigo descrever em palavras o que está passando pela minha cabeça e coração. Estou profundamente triste em dizer que deixei o Teatro Bolshoi, meus professores, meus colegas, meus amigos, minha família, o lugar que chamei de lar por muitos anos. Nunca esquecerei cada um de vocês”, escreveu o artista brasileiro na segunda-feira (07).
Na sequência, David explicou os motivos: “Eu não posso agir como se nada estivesse acontecendo, eu simplesmente não consigo acreditar que tudo isso está acontecendo de novo. Já passamos por isso e achei que aprenderíamos com o passado. Eu tenho muitos amigos com suas famílias na Ucrânia e não consigo imaginar o que eles estão passando neste momento, meu coração está com eles”, completou ele, ao lado de uma foto sua em uma majestosa pose de dança.
Confira a publicação:
O bailarino, que cresceu em Cabo Frio, a 150 quilômetros do Rio de Janeiro, chegou aos 12 anos ao Bolshoi, a lendária academia de dança do teatro de Moscou. Se formou em 2015 quando ganhou o primeiro prêmio no All-Russian Young Dancers Competition e subiu na hierarquia do Bolshoi para o posto de solista líder
David não foi o único a tomar tal atitude. O diretor musical e maestro principal do Teatro Bolshoi, Tugan Sokhiev, também renunciou ao cargo, no último domingo (6), justificando que se sentiu pressionado a firmar um posicionamento sobre o conflito na Ucrânia.
E depois do brasileiro, o italiano Jacopo Tissi também anunciou a sua demissão do famoso Teatro Bolshoi. O bailarino se disse “comovido” com a situação na Ucrânia e se pronunciou por meio do Instagram. “Sinceramente, me vejo incapaz de continuar com minha carreira em Moscou por enquanto”, destacou o italiano.
A temporada que o Bolshoi teria em Londres, no Royal Opera, foi cancelada em 25 de fevereiro, motivada pela invasão ao território ucraniano. Já o Teatro Real de Madrid, na Espanha, anulou na sexta-feira (4) as apresentações marcadas para maio.
Nos Estados Unidos, o Metropolitan Opera, de Nova York, anunciou que deve encerrar as colaborações com o Bolshoi, incluindo a montagem da ópera “Lohengrin”, de Richard Wagner, na próxima temporada.
Outros brasileiros que deixaram o Balé Russo
Outro brasileiro, Victor Caixeta, de 22 anos, segundo solista do teatro Mariinsky de São Petersburgo, também informou sua saída da Rússia, deixando claro que se trata de “uma pausa” e não uma saída definitiva.
“Eu não consegui dormir em Vladivostok. Agora perdi tudo o que sempre sonhei na minha vida, todas as estreias programadas para este ano. Deixei meu apartamento em São Petersburgo todo mobiliado, até com o meu computador”, disse Victor à Folha de S.Paulo. “Pus cinco anos de Rússia em uma única mala”.
Ao lado da namorada e do cãozinho, ele pegou um ônibus para Tallinn, capital da Estônia, e agora está em Berlim, Alemanha, vivendo com amigos. Ao contrário dos demais brasileiros, Caixeta não se demitiu. A direção do Mariinsky concedeu uma licença para ele e todos os que estão deixando o corpo de baile por causa da guerra. É um esforço para evitar a perda de talentos e transtornos para a temporada. Segundo Caixeta, a ucraniana Iekaterina Tchebinika, sua parceira em cena, e todos os outros ucranianos do elenco tiraram licença.
Evandro Bossle, de 24 anos, solista do Teatro Stanislávski, de Moscou, também saiu do país, deixando sua carreira para trás. Ele viajou da Rússia até a Finlândia, de onde pegou um voo direto para Zurique, na Suíça. Em trânsito e se dizendo exausto, disse que a sua vida “virou de cabeça para baixo do dia para a noite”.
“Estou tentando assimilar tudo o que está acontecendo”, afirmou. O desligamento do Stanislávski ocorreu após uma reunião convocada no fim do mês passado pelo diretor do corpo de baile, o francês Laurent Hilaire.
No encontro, o diretor Hilaire apresentou sua demissão, alegando que os valores de Putin não eram os mesmos dos seus – liberdade, igualdade e fraternidade. A maior parte dos estrangeiros seguiu o exemplo do diretor e deixou o país.
Enquanto isso, a bailarina de nacionalidade russa nascida em Lutsk, na Ucrânia, Svetlana Zakharova, de 42 anos, estrela maior do Bolshoi Ballet e do Teatro La Scala, chorou ao ser aplaudida de pé numa apresentação no fim do mês passado. Zakhrarova bloqueou as redes sociais, após sofrer pressões –e ataques– pró e contra a incursão de Putin na Ucrânia.
Porém, mesmo meio à guerra, os dirigentes das principais companhias de balé da Rússia fingem estar alheios, segundo contam os bailarinos. As temporadas nacionais do Mariinsky e do Bolshoi seguem conforme o previsto, iniciativa que incorpora a aparente tranquilidade das principais cidades de um país cada vez mais fechado pela censura.
Na Rússia, balé e política sempre estiveram de mãos dadas. Como escreve o historiador Simon Morrison no livro “Bolshoi Confidencial”, a dança clássica, apesar de ser popular, sempre encontrou apoio em quem estivesse no poder.
Com o presidente Vladimir Putin, não é diferente. É no Teatro Bolshoi que o líder russo recebe os chefes de Estado que visitam a capital russa. Já em São Petersburgo, Putin tem um amigo no comando do Mariinsky. O diretor artístico Valeri Gergiev é seu fiel aliado.
Mantidos pelo governo, o Mariinsky e o Bolshoi, especificamente, são fundamentais para a identidade nacional, sendo responsáveis por boa parte da história da dança. Desde a Revolução Russa, quando o centro do poder migrou de São Petersburgo para Moscou, as duas instituições vivem numa rivalidade nem sempre discreta.