Biodiversidade de árvores tropicais é maior na América do Sul
Texto: Eduardo Geraque, da Revista Pesquisa FAPESP
A América do Sul é o continente com mais espécies de árvores conhecidas, cerca de 40% do total do mundo. Boa parte da riqueza em termos de biodiversidade arbórea se concentra em áreas tropicais. Em terras quentes há mais disponibilidade de água e as estações climáticas são pouco definidas, condições mais propícias para o florescimento de novas formas de vida vegetal do que nos ambientes temperados ou frios. Um estudo publicado em março no periódico científico PNAS indica que as florestas úmidas sul-americanas, como a Amazônia e a Mata Atlântica, têm quase quatro vezes mais espécies de árvores do que as matas africanas similares. Com menos intensidade, esse padrão se repete nas formações vegetais com disponibilidade de água mais limitada: biomas da América do Sul, como o Cerrado, abrigam o dobro de espécies arbóreas do que as savanas africanas.
Os pesquisadores não sabem porque a África tem menos espécies de árvores que a América do Sul, cujo território equivale a 59% daquele continente. Entre os possíveis fatores que podem explicar o fenômeno estariam a grande aridez e a redução da área florestal na África, além de uma maior fragmentação de sua cobertura vegetal em razão dos ciclos de glaciação ao longo de sua história geológica. Na América do Sul, a existência de uma maior disponibilidade hídrica e de ambientes naturais mais variados pode ter favorecido o surgimento de mais espécies.
Segundo o trabalho na PNAS, cerca de 50% da maior diversidade de espécies arbóreas tropicais na América do Sul pode ser debitada na conta do excepcional desenvolvimento de apenas oito ou nove grandes famílias de árvores. Nesse grupo, quatro famílias megadiversas se destacam: Fabaceae, as populares leguminosas, como o feijão, a lentilha e a ervilha e até o pau-brasil; Lauraceae, que incluem o abacateiro, a caneleira e o loureiro; Myrtaceae, com muitas espécies frutíferas, como jambeira, pitangueira, goiabeira e jabuticabeira; e Melastomataceae, que reúne espécies com papel de destaque em áreas sob restauro ambiental.
Esse número reduzido de grupos botânicos congrega muitas formas de vida vegetal em ambos os continentes, mas aqui a variedade de plantas tropicais é muito maior: 2.837 espécies na América do Sul ante 657 na África. “A maior parte das espécies dessas quatro famílias é de biomas quentes e úmidos, como a Amazônia e a Mata Atlântica, mas algumas também ocorrem em áreas mais secas”, comenta o biólogo brasileiro Pedro Luiz Silva de Miranda, principal autor do estudo, que atualmente faz estágio de pós-doutorado na Universidade de Liège, na Bélgica. Colegas de outras universidades da Europa e do Brasil também assinam o artigo.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores consultaram vários bancos de dados internacionais que listam as espécies de árvores tropicais presentes na América do Sul e na África. Eles analisaram a composição de espécies encontradas em 1.444 áreas florestais (722 em cada continente) de biomas úmidos e secos, mas sempre quentes. Nesta margem do Atlântico, contaram 152 famílias e 8.842 espécies de árvores. Na outra, 131 famílias e 3.048 espécies. As famílias presentes nos dois continentes são 99 e abrangem 95% das espécies mapeadas na América do Sul e 97% da África. As famílias encontradas apenas em um dos continentes respondem por somente 5% das espécies de árvores sul-americanas e 3% das africanas.
Em linhas gerais, a flora de cada continente se organiza em torno dos mesmos grupos de espécies arbóreas. Tanto na América do Sul como na África, um número pequeno de famílias botânicas abrange boa parte das espécies de árvores locais. Na América do Sul, o papel daquelas quatro famílias megadiversas em termos de espécies é ainda mais preponderante. “Esse resultado intrigante passa uma importante mensagem para os pesquisadores da biodiversidade: dissecar os processos evolutivos dessas famílias-chave pode ser um caminho efetivo para desvendar os mecanismos por trás da formação e manutenção dos padrões de diversidade de plantas em savanas e florestas tropicais”, afirma o ecólogo Danilo Neves, da UFMG, que não participou do trabalho.
É comum os botânicos pensarem que ambos os continentes têm floras similares por terem formado uma massa continental contígua e única na parte oeste do antigo supercontinente austral Gondwana entre 550 milhões e 130 milhões de anos atrás. Esse longo período de história geológica partilhada teria levado à homogeneização das espécies vegetais antes da abertura do Atlântico Sul e a consequente separação da África da América do Sul.
Mas a análise dos dados de ocorrência de espécies arbóreas feita pelo novo estudo sugere que a realidade pode ter sido diferente. “Constatamos que a maior parte das famílias botânicas partilhadas pelos dois continentes surgiu quando ambos já estavam separados e isolados, depois da grande extinção de espécies ocorrida no final do período Cretáceo, há 65 milhões de anos”, comenta Miranda. “Portanto, as similaridades observadas estão ligadas, provavelmente, à dispersão de plantas da África para a América do Sul e vice-versa por meio de rotas que cruzaram o Atlântico.”
Artigo científico
MIRANDA, P. L. S. et al. Dissecting the difference in tree species richness between Africa and South America. PNAS. v. 19, n. 14. 29 mar. 2022.
Texto publicado originalmente na Revista Pesquisa FAPESP