Países ricos exportam carros usados para países pobres — e isso pode ser ruim para o meio ambiente
A transição para carros mais limpos – incluindo políticas que aumentam o número de veículos elétricos — será a chave para lidar com as mudanças climáticas. Mas um novo relatório da Organização das Nações Unidas lança um alerta sobre a necessidade de mais regulamentação sobre automóveis exportados para outros países, já que carros usados ou mais antigos estão praticamente sendo descartados pelo mundo e, por consequência, ainda estão em uso e emitindo gases poluentes.
Todos os anos, as nações mais ricas exportam milhões de carros para localidades mais pobres. O novo relatório, divulgado na última segunda-feira (26) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, descobriu que entre 2015 e 2018, os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão exportaram um total de 14 milhões de carros usados. Cerca de 80% desses veículos foram enviados para países de renda baixa e média, com 40% indo para a África. Em contraste, a maioria dos carros novos é enviada para países mais ricos.
Como proprietária de um carro usado (sim, o transporte público não é dos melhores na minha cidade), vejo como isso pode ser útil para pessoas de baixa renda que procuram uma maneira acessível de se locomover. Mas todos esses automóveis usados são, na verdade, um grande motivo de preocupação.
Os autores analisaram 146 países que importam carros de nações ricas e descobriram que dois terços deles tinham políticas “fracas” ou “muito fracas” para regular o desempenho e a idade dos veículos trazidos do exterior. Na verdade, 100 países tinham padrões de emissão zero para veículos e outros 61 não tinham limites de idade para carros importados.
Essas regulamentações vagas significam que muitas pessoas nos países mais pobres estão dirigindo carros perigosos, tanto do ponto de vista da segurança quanto de uma medida ambiental a longo prazo. A idade média dos veículos usados exportados para a República da Gâmbia na África Ocidental, por exemplo, era de 18,8 anos, e um quarto dos veículos enviados para a Nigéria tinha 19,6 anos ou mais.
Os veículos mais antigos incluem menos recursos de segurança e geralmente são mais propensos a causar problemas. Globalmente, os acidentes de carro matam cerca de 1,25 milhão de pessoas a cada ano, e 90% dessas mortes ocorrem em países de baixa e média renda, embora esses países tenham apenas 54% de todos os veículos em todo o mundo. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a África tem as maiores taxas de mortalidade no trânsito, com cerca de 246 mil óbitos a cada ano.
Esses carros antigos também emitem mais gases poluentes, o que é um problema para a qualidade do ar e para o clima. Globalmente, o transporte é responsável por um quarto de toda a poluição de carbono, e os carros também emitem dióxido de nitrogênio e material particulado, que podem causar problemas respiratórios. As descobertas dos autores sugerem que a falta de regulamentação para automóveis nos países pobres é uma das razões pelas quais eles sofrem os piores impactos da poluição do ar.
Para combater essas questões, os autores sugerem que os líderes dos países importadores de veículos usados se comprometam a regular esses mercados de carros usados. Alguns já estão aceitando esse desafio. Em abril, 15 países da África Ocidental se comprometeram a adotar novas políticas para se equiparar às que a União Europeia adotou para carros usados no mercado interno em 2005. Marrocos também aderiu tais padrões e, como resultado, importa carros relativamente mais limpos e seguros.
Os países que exportam carros usados também devem ter a responsabilidade de fazer as mudanças necessárias. Até agora, o único grande exportador de carros usados a fazer uma análise desses mercados é a Holanda. Esta semana, o país divulgou os resultados dessa investigação.
Segundo o relatório, a maioria de suas exportações de veículos usados para a África em 2018 não tinham certificados válidos de inspeção e não atendiam às regulamentações automotivas nacionais. Muitos dos carros também perderam suas peças valiosas, como platina, sensores e filtros de partículas, tornando-os ainda menos seguros para as pessoas e para o planeta. Com base nessas descobertas, o governo holandês se comprometeu a atualizar seus regulamentos sobre carros usados no próximo ano, embora ainda não tenha feito promessas específicas.
Embora o relatório não mencione isso, esses esforços também devem ser combinados com políticas globais para parar de usar tantos carros. Os autores do relatório esperam que a frota global de veículos de passageiros dobre até 2050 e que 90% desse crescimento ocorra em países de baixa e média renda. Mas se todos os países fizessem esforços para avançar em direção ao transporte público de baixo carbono, poderíamos começar a reduzir essa frota e, por fim, eliminar o uso de carros convencionais.
Países mais ricos, como os EUA, que historicamente têm emitido mais carbono per capita, devem liderar e ajudar a financiar essa transição em países com menos recursos. Essas políticas beneficiariam a todos nós, porque as emissões de carbono, como carros usados, não permanecem dentro das fronteiras nacionais.