O plano de US$ 45 bilhões para construir uma nova cidade para a Copa do Mundo em Catar
Catar será o país-sede da Copa do Mundo em 2022, mas ele não é grande, com uma população de 2,1 milhões. Então, preparando-se para os milhões de pessoas que chegarão daqui a oito anos, o país vai realizar projetos gigantescos – por exemplo, construir uma cidade inteiramente nova a partir do zero.
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Ela se chama Lusail, e está prevista para ser concluída em 2020 ao custo de bilhões de dólares. Esse é um prazo incrivelmente curto, considerando que algumas cidades levam seis anos só para construir um estádio novo. E o plano é a imagem fantasiosa de um desenvolvimento urbano utópico, que parece saído dos anos 1960.
Foto por Cassim Shepard/Flickr
A construção de Lusail está cercada por questionamentos: por exemplo, investigações revelam abusos de direitos humanos dentro dos canteiros de obras, nos projetos para a Copa do Mundo. Alguns argumentam que o Catar não deveria mais ser país-sede.
Enquanto isso, as temperaturas incrivelmente altas no verão fizeram outros sugerir que os jogos deveriam ser realizados em janeiro, durante o inverno, não no meio do ano. E alegações de suborno dentro da FIFA só pioram a situação. A Copa do Mundo de 2022, basicamente, está em apuros.
Cidades, ilhas, e até mesmo nuvens artificiais
Imagem via Lusail.com
Há centenas de milhares de trabalhadores visitantes no Catar, todos eles com vistos patrocinados por seus empregadores. Este sistema se chama kafala, e permite que o chefe retenha seus funcionários mesmo se eles tentarem sair do país.
Embora haja dezenas de projetos em andamento por todo o país, Lusail é, de longe, o maior: uma cidade inteiramente nova a ser construída para 450 mil habitantes perto da capital, Doha.
Imagem via BDOnline
Neste terreno de 35 km², Catar está despejando US$ 45 bilhões para erguer uma nova cidade dentro de poucos anos. Será um “ambiente inteligente, pacífico e inspirador”, nas palavras da Lusail Real Estate Development Company. “Um projeto futurista que irá criar uma sociedade moderna e ambiciosa.” Será uma área de luxo cercada por águas cristalinas do Golfo Pérsico, e abrigará dezenas de bairros novíssimos e sistemas de infraestrutura.
Com 19 distritos separados, quatro ilhas “exclusivas”, bairros residenciais, áreas comerciais e muitas comodidades, ela também servirá como o ponto central da Copa do Mundo – e será a imagem que o Catar quer passar ao resto do mundo. Se tudo correr conforme o planejado, será uma imagem de lazer e eficiência movidas pela tecnologia.
Foto via Wikimedia
E no centro de toda essa novidade ficará o Lusail Iconic Stadium, um dos dez estádios sendo construídos no pequeno país, na preparação para a Copa do Mundo. Projetado pelo venerável arquiteto britânico Norman Foster, o estádio de 86.000 assentos será carbono zero, alimentado totalmente por energia solar. Ele terá uma série de dispositivos – “nuvens artificiais” que custam US$ 500.000 – para se proteger do sol. Flutuando por cima do estádio, escudos de fibra de carbono serão levantados por vários motores movidos a energia solar.
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Problemas atuais para a cidade do futuro
Na semana passada, dois ativistas de direitos humanos – que investigam abusos a trabalhadores migrantes nos canteiros de obras da Copa – desapareceram no Catar. Os dois disseram que estavam sendo seguidos pela polícia, e então sumiram. Dias depois, o Catar confirmou que havia detido os homens sem explicar os motivos.
Por que dois ativistas investigando a construção da Copa do Mundo seriam de interesse para o governo? Bem, diversos relatórios de organizações de direitos humanos e jornalismo investigativo apontam para uma verdade inevitável: esses projetos estão sendo erguidos por trabalhadores migrantes que constantemente sofrem abusos. Estes são alguns exemplos:
- um relatório da Confederação Sindical Internacional diz que até 4.000 trabalhadores podem morrer até a Copa do Mundo em Catar, devido às más condições de trabalho e segurança.
- uma reportagem do Guardian mostrou em 2013 que 44 trabalhadores nepaleses morreram ao longo de um período de três meses no local, metade devido a “ataques cardíacos, insuficiência cardíaca ou acidentes de trabalho”.
- vem ocorrendo um grande número de ataques cardíacos entre funcionários, porém o comentário das autoridades foi curto e grosso: “esta questão seria mais adequada para as autoridades de saúde ou para o governo do Nepal”.
- em maio, o governo do Catar admitiu que quase 1.000 funcionários migrantes morreram no país em 2012 e 2013, 246 deles de “morte súbita”, provavelmente devido ao esforço físico do trabalho manual em temperaturas muitas vezes acima de 40°C.
- outra reportagem do Guardian, do final de junho, relata que trabalhadores migrantes em obras da Copa do Mundo passaram um ano sem receber salário, vivendo em “habitações infestadas de baratas”, impossibilitados de voltar para seus países de origem, e deixados sem comida por meses.
- um documentário gravado dentro dos acampamentos de trabalhadores revela que eles às vezes não têm acesso a água potável, banheiros, comida e outras necessidades humanas básicas.
Talvez o pior de tudo é o fato de que os trabalhadores não têm mais comando sobre as próprias vidas: com o visto patrocinado pelo empregador, eles não podem mudar de emprego nem deixar o país sem autorização expressa. Tudo para construir uma marca nova cidade grande o suficiente, para abrigar o que equivale a mais de um quarto da população atual do Catar.
Um preço alto para os jogos
Os planos de Catar rivalizam com os planos do Brasil e até da Rússia. Nós gastamos R$ 26 bilhões na Copa, a maior parte vinda dos cofres públicos. A Rússia vai gastar o equivalente a R$ 45 bilhões para sediar a Copa de 2018. E para Lusail sair do papel, serão gastos mais de R$ 100 bilhões (os US$ 45 bilhões do título).
Enquanto isso, algumas cidades estão retirando suas propostas para sediar os próximos Jogos Olímpicos, devido à quantidade enorme de dinheiro exigida para tocar um projeto como este. Só os países que têm bilhões para gastar na empreitada ainda estão na disputa.
Foto por Paul Trafford/Flickr
Os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, dois eventos tidos até então como uma forma de cooperação internacional e desenvolvimento urbano, estão cada vez mais limitados a nações que têm dinheiro e recursos para sediá-los. Como disse um ativista russo no ano passado, estes eventos são “como drogas para ditadores”; o comentário veio após relatos sobre abusos de direitos humanos entre os trabalhadores migrantes em Sochi.
Em certa medida, esses abusos continuam porque outros países não deixam de apoiar e visitar esses eventos. É fácil sentir-se ultrajado agora, mas no final, tudo se resume a duas semanas em 2022. Infelizmente, a maioria esquece todas essas acusações depois que os jogos começam.
Imagem de capa: Cassim Shepard/Flickr