Comeria? Cientistas brasileiras fazem alimentos com larvas de mosca

Objetivo dos trabalhos com moscas é buscar fontes alternativas de proteína que sejam sustentáveis e que possam contribuir no combate à fome

Para alguns pode ser impensável e até um pouco nojento, mas cientistas da USP (Universidade de São Paulo) produziram e analisaram alimentos feitos com farinha obtida a partir de larvas de mosca.

O objetivo dos trabalhos é buscar fontes alternativas de proteína que sejam sustentáveis e que possam contribuir no combate à fome, de acordo com os especialistas.

As pesquisas foram realizadas no ZEA (Departamento de Engenharia de Alimentos) da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos.

Ao todo, dois estudos vêm sendo realizados em conjunto na universidade. Eles utilizam larvas que já são usadas como fonte de proteína na produção de ração para animais, tanto no Brasil quanto no exterior.

As larvas são da mosca-soldado-negra (Hermetia illucens), conhecida em inglês pela sigla BSF, de Black Soldier Fly.

Um dos trabalhos é direcionado para o estudo da extração do óleo da farinha das larvas da mosca-soldado-negra e a inclusão da farinha desengordurada em pães.

A primeira pesquisa faz parte do doutorado de Vanessa Aparecida Cruz. Já o outro estudo, que envolve o uso da farinha em salsichas, é de Letícia Aline Gonçalves.

Alto valor nutricional

O óleo da larva da mosca-soldado-negra pode ser aplicado na indústria de cosméticos, enquanto a farinha apresenta valores nutricionais que chamam a atenção.

A farinha tem um alto teor de proteínas quando comparada com vegetais – mais de 30% contra 23,5% do feijão e 26,7% da lentilha. Ela também é digerida melhor do que algumas proteínas vegetais e animais, o que ajuda na saúde intestinal.

“A farinha de inseto é um alimento altamente sustentável, não precisa de grandes espaços, nem de muitos recursos hídricos”, disse a professora Alessandra Lopes de Oliveira, orientadora de Vanessa na pesquisa, ao Jornal da USP.

Para o ser humano, entre suas vantagens estariam o alto teor de proteínas, aminoácidos essenciais, lipídios, fibras e melhor digestão quando comparada à proteína animal. Estima-se que, em sua fase larval, a mosca apresente uma porcentagem de proteínas que varia de 40% a 63% e de lipídios que pode chegar a 35%.

Preocupação é com a segurança alimentar e suprimento de fontes de proteína. Imagem: Luiz Prado/USP/Reprodução

Como funciona a produção

Na pesquisa de Vanessa Cruz, a extração do óleo das larvas de mosca-soldado-negra foi feita utilizando-se dióxido de carbono (CO2) em estado supercrítico (sc-CO2, estado atingido a certa temperatura e pressão).

O método é sustentável e elimina o uso de hexano – solvente tóxico normalmente usado na extração de óleos, que é não renovável, derivado do petróleo e deixa resíduos no produto.

Na extração com o dióxido de carbono, baixa temperatura e pressão elevada garantem o estado supercrítico do CO2. Com isso, as propriedades colaboram para o aumento da eficiência, não deixando resíduos tóxicos no óleo e na farinha da larva da mosca-soldado-negra.

Além desse estudo que otimizou o processo de extração do óleo, o projeto de Cruz inclui o uso dessa farinha desengordurada na formulação de pães.

Salsicha de mosca?

Os experimentos com a inclusão da farinha da mosca-soldado-negra na salsicha envolveram testes relacionados à quantidade ideal para ser adicionada ao produto. Três amostras foram utilizadas.

Desde novembro de 2020, a farinha da larva da Hermetia illucens está liberada no Brasil para uso na alimentação animal. Imagem: Luiz Prado/USP/Reprodução

A primeira, de controle, continha 60% de carne bovina. Já as outras duas substituíram, respectivamente, 5% e 10% da carne pela farinha desengordurada de larva de mosca, mantendo o mesmo teor de proteínas.

Com as pesquisas, foi revelado que a substituição de 5% parece mais adequada, já que a amostra com 10% apresentou mudanças negativas na cor do alimento.

“Os resultados da Leticia mostram que, no aroma e no sabor, não há diferenças em relação à salsicha comum”, comentou ao Jornal da USP o professor Marco Antonio Trindade. “Esse é o nosso papel na universidade, mostrar que o alimento é seguro”, completou o orientador de Leticia.

Assine a newsletter do Giz Brasil

Gabriel Andrade

Gabriel Andrade

Jornalista que cobre ciência, economia e tudo mais. Já passou por veículos como Poder360, Carta Capital e Yahoo.

fique por dentro
das novidades giz Inscreva-se agora para receber em primeira mão todas as notícias sobre tecnologia, ciência e cultura, reviews e comparativos exclusivos de produtos, além de descontos imperdíveis em ofertas exclusivas