Cinco crianças chinesas ganham orelhas de laboratório crescidas a partir de suas próprias células
Cientistas chineses afirmam ter conquistado algo que, há muito tempo, tem sido um objetivo no mundo da medicina regenerativa: dar a alguém uma nova orelha, perfeitamente compatível e crescida em um laboratório. O que torna o feito inédito é que a orelha foi feita usando as próprias células do paciente.
O procedimento experimental foi realizado em cinco crianças, de seis a dez anos de idade, com orelha subdesenvolvida, uma condição conhecida como microtia. Atualmente, os únicos tratamentos cosméticos disponíveis envolvem o enxerto de uma orelha sintética, que pode ser rejeitada pelo corpo, ou uma orelha esculpida a partir de cartilagem da costela por um cirurgião, que muitas vezes não parece natural.
Os pesquisadores criaram uma réplica da orelha normal de cada criança impressa em 3D (obtida por meio de uma tomografia computadorizada), mas com as dimensões revertidas. Essa réplica foi então usada para criar um molde cheio de buracos minúsculos e feito de material biodegradável. O molde foi preenchido com células de cartilagem tiradas da orelha deformada da criança que havia sido mais desenvolvida no laboratório. Ao longo de 12 semanas, as células começaram a crescer no formato do molde, substituindo pedaços dele que já haviam desintegrado. Essa mistura de orelha e molde foi então enxertada nas crianças, algumas das quais precisaram de seu próprio procedimento de 12 semanas para esticar a pele o bastante para acomodar a nova orelha.
A primeira cirurgia foi feita dois anos e meio atrás em uma criança de seis anos, com a operação mais recente acontecendo há apenas dois meses. Até agora, as orelhas permanecem no lugar, sem sinal algum do corpo estar absorvendo ou rejeitando inadvertidamente o material. A cartilagem também continua gradativamente substituindo o molde, resultando em uma orelha com aspecto mais natural com o passar do tempo. Os resultados da equipe foram publicados no periódico EBioMedicine.
“É uma abordagem muito interessante”, disse Tessa Hadlock, cirurgiã plástica reconstrutiva na Enfermaria de Olho e Ouvido de Massachusetts, em Boston, em entrevista à New Scientist, que foi quem noticiou essa pesquisa pela primeira vez. “Eles mostraram que é possível chegar perto de restaurar a estrutura da orelha.”
O longo processo por trás do procedimento. Imagem: Cao et al/EBioMedicine
Cientistas têm tentado desenvolver a orelha substituta perfeita há décadas. Eles têm sido, em parte inspirados pelo chamado “rato orelha“: uma foto tirada de um estudo de 1997 (que teve pelo menos um dos autores do estudo atual como coautor) que, aparentemente, mostrava um rato de laboratório com uma orelha humana crescendo em sua pele. A orelha era, na verdade, apenas cartilagem de vaca moldada para se parecer com uma orelha e que foi enxertada no rato, mas, ainda assim, espalhou a ideia (e para algumas pessoas, o temor) de um dia sermos capazes de produzir em massa partes do corpo e órgãos sob demanda.
De acordo com o Dr. Bruno Peault, especialista em medicina regenerativa da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e da Universidade da Califórnia em Los Angeles, criar uma nova orelha do nada também tem sido um objetivo tentador porque seria muito simples. Orelhas são basicamente cartilagem e pele, então seria um salto para aprender a bioengendrar tecidos que possam ser prontamente aceitos pelo corpo. “É relativamente um objetivo fácil”, disse Peault, que não está ligado ao estudo atual.
Peault e seus colegas no Reino Unido e nos Estados Unidos têm trabalhado em um projeto parecido, usando uma armação impressa em 3D para crescer novas orelhas. Seu método, entretanto, usa células-tronco tiradas do tecido adiposo do paciente que podem ser levadas a se tornar células de orelha. Em um cenário ideal, diz Peault, essa células, em vez das células de cartilagem usadas pelos cientistas chineses, seriam uma base mais estável para, a partir da qual, construir uma nova orelha.
“Eles estão usando algo que não é tão puro, mas que ainda pode funcionar”, afirmou Peault, sobre os métodos dos chineses.
Existe uma vantagem que os cientistas vivendo na China podem ter sobre outros pesquisadores, como Peaul. “Em geral, as coisas progridem mais rápido em países como a China, porque as regulamentações necessárias para conseguir testes clínicos são muito mais frouxas do que nos Estados Unidos ou na Europa”, afirmou. “Nos EUA, é um processo longo difícil, às vezes muito frustrante e caro.”
A equipe de Peault ainda está coletando a pesquisa necessária para conseguir a aprovação de testes humanos para seu método; pode levar mais um ou dois anos antes que isso possa se tornar realidade. Independentemente disso, ele está se sentindo encorajado pelas novas descobertas e por o que elas representam para seu campo. “Certamente, existe um futuro brilhante para essas estratégias”, disse.
Enquanto isso, os cientistas por trás do atual estudo planejam monitorar seus pacientes por pelo menos cinco anos para garantir que as orelhas permaneçam intactas mesmo depois de o molde tiver se desfeito completamente. Eles também esperam refinar o procedimento para evitar as complicações vistas em alguns de seus pacientes, como cicatrizes e uma leve deformação das orelhas novas ao longo do tempo.
[EBioMedicine via New Scientist]
Imagem do topo: Cao et al/EBioMedicine