Cientistas ensinaram ratos a brincar de esconde-esconde e eles são realmente bons nisso

Neurocientistas de Berlim ensinaram ratos a brincar de esconde-esconde e eles foram capazes de participar tanto se escondendo como procurando.
Um rato brincando de esconde-esconde. Imagem: Reinhold, Sanguinetti-Check, Harmann e Brecht

Novas pesquisas sugerem que os ratos são capazes de aprender a brincar de esconde-esconde com os seres humanos – e parece que eles realmente gostaram da brincadeira. Ratos, como demonstra essa nova pesquisa, só querem se divertir.

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Uma nova pesquisa fascinante publicada na quinta-feira (12) na Science descreve como neurocientistas de Berlim ensinaram ratos a brincar de esconde-esconde, a clássica brincadeira infantil. Incrivelmente, os animais foram capazes de participar, tanto se escondendo como procurando, e pareciam gostar da atividade, exibindo saltos alegres, empregando estratégias e prolongando ativamente o jogo.

A pesquisa científica envolvendo ratos é tradicionalmente baseada em rigoroso controle e condicionamento. No caso desse estudo, os cientistas, incluindo Michael Brecht e Annika Reinhold, da Universidade Humboldt, tiveram a oportunidade de relaxar as regras um pouco, optando por explorar as maneiras pelas quais os ratos podem participar de forma natural e espontânea de comportamentos lúdicos. Ensinar ratos a brincar de esconde-esconde pode parecer uma coisa estranha para os cientistas, mas o exercício oferece novas ideias sobre as capacidades cognitivas de roedores e possivelmente outros mamíferos considerados “simples”.

“Os animais pareciam estar se divertindo”

Saber que ratos gostam de brincar com humanos é um resultado surpreendente. Esse tipo de comportamento lúdico não traz benefícios tangíveis para o roedor fora do jogo em si. Nesse caso, eles foram motivados a brincar simplesmente pela diversão. Como os pesquisadores apontaram em seu estudo, “os animais pareciam estar se divertindo”.

Konstantin Hartmann, coautor do novo estudo e doutorando no laboratório de Brecht, sabia ao analisar o estudo que os ratos “desenvolveram fortemente capacidades cognitivas”, disse ele ao Gizmodo por e-mail. Mas observar o quão rápido eles aprenderam a brincar de esconde-esconde e o quão bom eles ficaram nisso “foi uma grande surpresa, até para nós”. Uma surpresa ainda maior, disse Harmann, foi ver os ratos usarem “estratégias inteligentes” ao brincar e como eles prolongaram ativamente a brincadeira “de uma maneira que nos mostra que eles gostaram do jogo em si e não apenas da interação social no final de cada rodada”.

Seis ratos diferentes foram utilizados para o experimento. O treinamento começou em uma idade muito jovem, quando os ratos tinham apenas 3 semanas de vida – um período em que os ratos são naturalmente brincalhões. Os experimentos de esconde-esconde foram realizados enquanto os ratos tinham entre 5 e 23 semanas de idade. O ambiente de treinamento era uma sala bem iluminada e os pesquisadores usaram uma série de caixas de papelão como possíveis esconderijos, além de pequenas caixas, opacas ou transparentes, para os ratos. Quando a sua missão era encontrar os humanos, os ratos foram colocados em uma caixa fechada, que o pesquisador abriu com um dispositivo de controle remoto, dando início ao jogo.

Não é preciso dizer que ensinar ratos a brincar de esconde-esconde não foi uma tarefa fácil. Conforme apontou Hartmann, não é possível conversar com os animais para explicar os procedimentos do jogo. Em vez disso, os pesquisadores tomaram medidas incrementais para ensiná-los a brincar. O passo inicial era fazer com que os ratos se acostumassem ​​com os cientistas e, para isso, eles brincavam com esses pequenos animais e passavam muito tempo com eles, semelhante à maneira como uma pessoa interage com um animal de estimação.

“Uma vez familiarizados, eles começaram a buscar ativamente a interação conosco”, disse Hartmann. “Usamos isso para ensinar a eles o papel de buscador no jogo. Primeiro, nos escondemos à vista de todos, e quando os animais vieram até nós, os recompensamos com uma interação divertida. Você pode fazer cócegas em um rato, persegui-lo de brincadeira com a mão e ele também vai perseguir a sua mão”, disse ele.

Em seguida, os pesquisadores começaram a se esconder atrás de uma caixa de papelão, e sempre que um rato os encontrava, eles voltavam a interagir de forma divertida com o animal antes de retorná-lo à posição inicial.

Ensinar o rato a brincar como escondedor, no entanto, foi mais desafiador.

“Começamos a colocar o animal em uma caixa e sentamos ao lado dele”, disse Hartmann. “Assim que o animal pulava para fora, novamente brincávamos com ele. Depois, só brincamos após ele se afastar de nós e da caixa. Continuamente, só brincamos com o animal quando ele estava perto de um esconderijo apropriado. O último passo foi que o animal tinha que se esconder adequadamente antes de brincarmos com ele”. Foi um processo demorado, mas acabou funcionando.

É importante ressaltar que os ratos foram recompensados ​​apenas com interação humana divertida – não com comida. Eventualmente, no entanto, quando os ratos entraram no jogo, as interações pareciam menos importantes para eles do que o próprio jogo.

Além de prolongar o jogo, os ratos tornaram-se cada vez mais estratégicos em seus comportamentos, seja nos papéis de buscador ou de escondedor. Por exemplo, eles analisavam sistematicamente o espaço em busca de pistas visuais, miravam em esconderijos anteriores, preferiam se esconder nas caixas escuras (em vez de transparentes) e se certificavam de ficar muito quietos ao mudar de esconderijo, de acordo com o estudo.

“Todos os ratos que treinamos aprenderam o jogo e tiveram um desempenho muito bom”, disse Hartmann. “Um rato foi ensinado apenas a procurar e não foi treinado para se esconder. Isso foi apenas porque ele foi o primeiro animal que usamos neste estudo”.

Então, por que os ratos participaram dessa brincadeira? No estudo, os pesquisadores levantaram duas possibilidades: a hipótese de treinados para brincar, na qual os ratos eram classicamente condicionados a jogar devido às recompensas, ou a hipótese de jogar por jogar, na qual os ratos brincavam simplesmente pelo aspecto de diversão. Dessas possibilidades, os pesquisadores preferiram a hipótese de jogar por jogar, oferecendo quatro razões específicas, conforme descrito no novo estudo:

Primeiro, os animais pareciam estar se divertindo. Os comportamentos que significam ansiedade pelos observadores incluem: locomoção rápida e direcionada; busca frenética; provocação do experimentador; e execução do freudensprung (“pulos de alegria”). Os ratos eram altamente vocais e se mostravam ansiosos para participar do jogo, mas pareciam cansados ​​no final de uma sessão de 20 testes. Assim, os aspectos motivacionais diferem de…condicionamento de recompensa alimentar, onde há pouca evidência de vocalizações e onde os ratos fazem incansavelmente centenas de tentativas. Segundo, o comportamento dos ratos parecia proposital. Eles preferiam se esconder em caixas opacas do que em transparentes, como se estivessem se escondendo para valer em vez de se esconderem para serem encontrados. Terceiro, os ratos escondidos tendiam a ficar calados ao serem encontrados, ao contrário do entusiasmo por serem encontrados como predito pela hipótese de treinados para jogar. Quarto, quando encontrados, os ratos costumavam fugir e se esconder novamente. Novamente, ao contrário da hipótese de treinados para jogar, os ratos prolongaram o jogo voltando a se esconder. Ao conseguirem se esconder, eles inerentemente atrasaram a recompensa.

Analisadas em conjunto, os autores afirmam que suas observações “provisoriamente, mas não conclusivamente” favorecem a hipótese de jogar por jogar. Mas como ainda não podemos ler a mente dos ratos e entender completamente suas verdadeiras intenções e motivações, “é necessário mais pesquisa para entender o comportamento lúdico dos ratos”.

Além das observações registradas pelas câmeras, cinco dos ratos tiveram implantes sem fio colocados em seu córtex pré-frontal medial (a parte do cérebro responsável pelo planejamento e tomada de decisão, entre outros comportamentos complexos), permitindo que os pesquisadores observassem quais partes do cérebro estavam ativas durante o jogo. Após os experimentos, os pesquisadores viram que diferentes partes do córtex pré-frontal estavam envolvidas durante o modo de busca em comparação com quando os roedores estavam no modo de escondedor, destacando os sinais neurais distintos e complexos associadas ao brincar de esconde-esconde. Dispositivos de gravação também foram usados ​​para capturar vocalizações feitas pelos ratos, alguns dos quais ocorrem fora do alcance da audição humana.

Em termos de avanço científico, Hartmann disse que o jogo permitiu que sua equipe estudasse um comportamento lúdico irrestrito em ratos. Consequentemente, isso nos diz mais sobre o cérebro de roedores e como ele assume papéis e processa regras em um “contexto mais naturalista e relevante do que a maioria dos outros estudos realizados no passado”, disse ele, acrescentando que a nova pesquisa “estende o repertório de comportamento conhecido em roedores e é a primeira prova de um jogo entre humanos e roedores”.

Mas os ratos estavam realmente brincando de esconde-esconde de forma ativa? Fizemos essa pergunta a Jennifer Vonk, psicóloga cognitiva e especialista em cognição animal na Universidade de Oakland.

“Eu questionaria se os ratos estão realmente jogando ou apenas se envolvendo em comportamentos típicos nos quais procuram abrigo”, disse Vonk em um e-mail ao Gizmodo. “Mas os autores mostram que a preferência por caixas opacas é mais forte quando eles desempenham o papel de escondedor, o que significa que eles não preferem apenas áreas cobertas em geral”.

Para determinar de maneira mais conclusiva se o comportamento dos ratos era uma forma de brincar, Vonk disse que “seria legal ver se os ratos respondem da mesma forma se um objeto inanimado, como uma boneca, é o parceiro, comparado a um experimentador vivo. Se os mesmos comportamentos forem evidenciados, isso contradiz a ideia de que eles estão se engajando com outro agente ao vivo”, disse ela, acrescentando: “Eu também adoraria ver se os ratos brincariam uns com os outros da mesma maneira, depois que aprendessem ambos os papéis”.

Essas preocupações à parte, Vonk disse que gostou de ver os pesquisadores experimentarem diferentes tipos de testes e que os ratos continuaram a procurar em locais anteriormente ocupados pelos humanos.

“Eu gostei que os pesquisadores gravaram suas vocalizações para que pudessem mostrar que eles vocalizavam menos quando se escondiam em comparação a quando procuravam”, disse Vonk. “O fato de os pesquisadores poderem medir a atividade cerebral durante o jogo é algo fantástico e pode nos ajudar a entender a função de diferentes áreas do cérebro nas interações sociais”.

Peggy Mason, professora de neurobiologia da Universidade de Chicago, disse que essa é uma “pesquisa absolutamente boa”. O novo estudo “reforça mais uma vez como os ratos são semelhantes a nós”, disse ela ao Gizmodo durante uma entrevista por telefone, e que “nós não precisamos invocar nenhuma capacidade humana especial para um jogo bastante sofisticado”. Ela não estava muito impressionada com o fato de os ratos poderem jogar, mas ficou impressionada com o fato de que “eles realmente jogarem”, o que significa que eles pareciam gostar da atividade. “Presumivelmente, é por isso que crianças humanas fazem isso”, disse ela.

Mason também elogiou os pesquisadores por embarcarem em um experimento que, no início, obviamente não iria funcionar, e por fazerem algo puramente baseado em animais se divertindo.

“Os cientistas podem ficar apreensivos e fazer uma grande separação entre humanos e não humanos”, disse ela. “Os pesquisadores não devem ter medo de fazer uma conexão entre o humano e o não-humano – eles precisam superar isso”, disse ela. Claramente, essa abordagem pode ser problemática se for feita sem crítica, ela disse, mas esse tipo de pesquisa mostra a “continuidade da vida”.

“É isso que a evolução nos diz – que não deve haver um abismo entre nós e o resto dos animais”, concluiu Mason.

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