Cientistas discutem formas de estudar asteroide Apophis, que vai passar perto da Terra em 2029
O relógio está oficialmente andando. Daqui a apenas nove anos, o asteroide 99942 Apophis chegará a 31 mil quilômetros do nosso planeta. A um décimo da distância entre a Terra e a Lua, isso é passar de raspão, e uma ocorrência excepcionalmente rara para um asteroide deste tamanho — ele será até mesmo visível a olho nu.
As estimativas atuais colocam a largura média do objeto em cerca de 350 metros. A aproximação de 2029 é considerada uma oportunidade única em mil anos para os cientistas estudarem um objeto deste tamanho ao passar por um planeta.
Na verdade, o estresse gravitacional imposto ao asteroide durante este sobrevoo será de grande interesse para os cientistas, mas há uma questão potencialmente mais urgente em jogo. O Apophis está classificado em terceiro lugar na lista da NASA para objetos próximos da Terra potencialmente perigosos (NEOs, na sigla em inglês), com uma chance de 1 em 150.000 de atingir a Terra em 2068. Outras estimativas colocam as probabilidades perto de 1 em 530.000, mas de qualquer forma, Apophis representa uma ameaça com potencial catastrófico.
Animação que descreve a aproximação de 2068. Os pontos azuis representam satélites, alguns dos quais estão mais distantes do que o caminho esperado do asteroide Apophis. Gif: NASA/JPL-Caltech
Se Apophis caisse na Terra, ele liberaria o equivalente a 1.150 megatons de TNT, em um evento 3.800 vezes mais poderoso do que a bomba atômica detonada sobre Hiroshima. A aproximação de 2029, portanto, apresenta uma oportunidade crucialmente importante para estudar este asteroide de maneira mais detalhada para que os cientistas possam avaliar melhor seu potencial de risco. Além do mais, o exercício poderia servir como um teste, caso um dia detectemos um objeto ainda mais assustador.
Com tudo isso em mente, o Instituto Lunar e Planetário realizou recentemente um workshop virtual chamado “Apophis T-9 Years: Oportunidades de Conhecimento para a Ciência da Defesa Planetária”. O workshop incluiu cerca de 200 participantes e contou com especialistas em asteroides, astrofísica, astronomia de radar, robótica e engenharia. O objetivo da conferência era reunir pessoas com ideias semelhantes para refletir sobre as várias maneiras pelas quais poderíamos investigar Apophis em 2029.
Falando na conferência, Andrew Cheng, cientista-chefe do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, chamou-o de um “experimento natural” e uma rara oportunidade de estudar o exterior e o interior do asteroide. Na verdade, ainda não sabemos muito sobre ele nem como seu contato próximo com a Terra alterará sua composição, órbita e outros atributos. Apophis foi descoberto há 16 anos, mas ainda estamos limitados a medições vagas e granuladas imagens de radar.
A lista de incógnitas e incertezas é longa, incluindo a órbita precisa do objeto, o efeito de Yarkovsky (um efeito no qual o vazamento irregular de calor pela superfície de um objeto altera seu caminho orbital), a distribuição de calor (que se relaciona diretamente com Yarkovsky), a rotação, a forma, a resistência, a estrutura interna, a composição química, a topologia da superfície e a rugosidade.
Os astrônomos acreditam que Apophis tem formato irregular (possivelmente como um charuto) e que é um binário de contato, no qual dois objetos se juntam para formar um único objeto (dessa forma, pode apresentar lóbulos e um pescoço, não muito diferente do Cometa Churyumov–Gerasimenko). Simplesmente não sabemos.
Tanto missões terrestres quanto espaciais em 2029 ajudariam a esclarecer muitas dessas questões. Além do mais, as missões poderiam registrar as várias maneiras pelas quais sua aproximação com a Terra afetará suas várias características, como seu giro e o deslocamento potencial de materiais da superfície.
A aproximação da Terra também pode provocar pequenas avalanches e terremotos de asteroides. E, mais importante, saberemos como a passagem pode afetar sua órbita e a taxa de efeito de Yarkovsky — ambos os principais fatores na estimativa de seu potencial de risco para 2068. Além disso, Apophis “apresenta uma excelente oportunidade para prototipar e demonstrar uma capacidade de reconhecimento NEO de resposta rápida”, como Brent Barbee, um engenheiro aeroespacial da Universidade de Maryland, explicou na conferência.
A maneira mais simples de observar Apophis será a partir do solo. A cientista de radar Marina Brozović, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, disse que podemos fazer isso já no ano que vem, quando Apophis chegará a cerca de 16,9 milhões de km da Terra. Esta será nossa “última chance para imagens de radar antes de 2029”, disse ela.
Yaeji Kim, doutoranda do Departamento de Engenharia Aeroespacial da Auburn University, disse que as observações do asteroide em março de 2021 irão melhorar nossas estimativas de forma e rotação, fornecer uma modelagem 3D melhor além de indicar possíveis deslizamentos de terra e falhas estruturais. É importante ressaltar que alguns desses parâmetros podem nos informar sobre o que está acontecendo dentro do objeto.
A antena parabólica de Goldstone. Imagem: NASA JPL
Em 2029, entretanto, quando Apophis chegar a 31.000 km da Terra, mais perto do que alguns satélites atualmente em órbita, será quando as instalações terrestres realmente brilharão.
Brozović listou um monte de observatórios que poderiam ajudar na tarefa, incluindo o Goldstone Solar System Radar da Califórnia, o Canberra Deep Space Communication Complex, o MIT Haystack Observatory e o Tracking and Imaging Radar da Alemanha.
Ela prevê que a superfície do Apophis será escaneada com mais de 10.000 pixels tirados a 1.875 metros por resolução de pixel. Isso deve nos dar “cobertura rotacional completa”, disse ela, acrescentando que a polarimetria do radar revelará a rugosidade da superfície, a distribuição do regolito (material de superfície) e ressurgimento das marés, enquanto a tomografia por radar pode revelar a profundidade do regolito e da estrutura do subsolo.
Tudo isso é muito promissor, mas Barbee disse que observações no local ou de perto do asteroide são provavelmente a “única maneira de reduzir as incertezas” em termos de risco de ameaça do objeto. Assim que estivermos equipados com esse conhecimento e tivermos uma noção melhor da ameaça à Terra, podemos agir de acordo e traçar um plano de resposta (como afastá-lo de seu caminho orbital, mas isso é uma história para outro dia).
Como Barbee, muitos dos participantes da conferência concordaram que Apophis deveria ser estudado de perto com espaçonaves. Não faltaram ideias, com propostas de sondas para estudar o asteroide à distância (seja durante breves voos ou missões de encontros de longa duração), implantação de sondas e sensores na superfície e várias combinações deles.
Para o encontro de 2029, Barbee sugeriu a missão Reconhecimento de Apophis (RA), que envolveria uma pequena espaçonave pesando menos de 180 kg. O cientista diz que seria uma “demonstração de resposta rápida” e testaria nossa capacidade de desenvolver rapidamente uma solução para explorar um objeto potencialmente perigoso e desenvolver missões com um risco elevado de falha aceitável.
Usando propulsão elétrica solar de baixo empuxo, a missão RA se encontraria com Apophis cerca de seis a oito meses antes de passar pela Terra, em 12 de abril de 2029. A sonda ficaria então muito próxima do asteroide, coletando dados antes, durante e depois da aproximação com a Terra.
Alain Herique, da Universidade de Grenoble Alpes, disse que uma sonda equipada com radar poderia estudar o interior profundo e o regolito de Apophis, o que revelaria sua estabilidade e história evolutiva.
A uma distância próxima, uma espaçonave poderia realizar alguma pesquisa geológica para ajudar a determinar os tipos de rochas que existem em Apophis e os efeitos do intemperismo espacial, disse Carol Raymond, cientista do JPL da NASA. Poderíamos documentar rochas, fraturas, sulcos e crateras de impacto, e também descobrir pistas, como o hidrogênio na superfície, ligando-o a outros NEOs, disse ela.
Idealmente, ela imagina uma sonda equipada com várias câmeras, espectrômetros (incluindo infravermelho e térmico), radar e recursos de rádio. Raymond explicou que uma missão de sobrevoo para Apophis “é melhor do que nada”, mas uma “missão de encontro seria preferível”.
Terik Daly, cientista planetário da Universidade Johns Hopkins, está ansioso para a potencial sinergia produzida por medições baseadas em terra e em espaçonaves. Ele está particularmente preocupado com a possibilidade de a aproximação alterar as principais variáveis que dizem respeito ao risco de uma colisão com a Terra, como órbita, estado de rotação, força, porosidade e topologia de superfície. Daly diz que precisamos de um plano para estudar o Apophis “durante, antes e depois” de sua abordagem mais próxima, após ela podemos reavaliar sua ameaça potencial.
O engenheiro Jan Thimo Grundmann, da agência espacial alemã DLR, propôs uma ideia na qual uma espaçonave impulsionada por uma vela solar flutuaria até uma “vaga de estacionamento” perto do asteroide e ficaria parada por um longo período. Essa sonda poderia implantar um módulo de pouso móvel na superfície e ajustar continuamente suas velas para acompanhar — e nunca ter que se preocupar em ficar sem propulsor.
Imagem conceitual do OSIRIS-REx, atualmente no asteroide Bennu. Imagem: NASA
Dante Lauretta, professor de ciência planetária no Laboratório Lunar e Planetário da Universidade do Arizona, disse que a espaçonave OSIRIS-Rex — atualmente em órbita ao redor do asteroide Bennu — poderia alcançar Apophis até 2029. Uma vez no asteroide, ele pode realizar muitas das tarefas feitas em Bennu, como mapear a topologia, química e mineralogia do objeto com um conjunto de instrumentos a bordo. Parece uma ideia fantástica, já que a missão OSIRIS-Rex da NASA tem sido um sucesso impressionante até o momento.
Falando em não ter que reinventar a roda, Grundmann propôs o uso dos MASCOT para explorar a superfície de Apophis. Esses robôs do tamanho de uma caixa de sapatos foram usados para estudar o asteroide Ryugu em 2018 e 2019. Eles são móveis e capazes de pular de um ponto a outro em um asteroide. Eles também são altamente personalizáveis, o que os torna uma opção viável para o Apophis. Grundmann sugeriu que um MASCOT fosse enviado ao Apophis equipado com um sismômetro.
Imagem conceitual de MASCOT saltando na superfície de um asteroide. Imagem: DLR
Cheng gostaria de ver um experimento com impactador ativo feito na superfície, que poderia produzir um mapa sísmico do interior do asteroide. Isso envolveria uma sonda capaz de perfurar o material da superfície, mas ele admitiu que os prazos são apertados em termos de desenvolvimento das tecnologias necessárias para tal missão.
O engenheiro aeroespacial Masatoshi Hirabayashi, da Auburn University, também quer perfurar Apophis, mas gostaria de ver uma sonda capaz de medir a pressão logo abaixo da superfície, o que forneceria dados importantes sobre as tensões dinâmicas exercidas no asteroide durante o encontro próximo.
Uma ideia muito legal proposta por David Smith, pesquisador emérito da NASA Goddard em Greenbelt, Maryland, é lançar um monte de pequenos refletores em Apophis, o que permitiria aos cientistas rastrear o movimento do asteroide durante uma década inteira, se não mais. Se os refletores mudarem de posição na superfície ao longo do tempo, os cientistas podem interpretar isso como evidência potencial de mudanças na integridade física do objeto.
O plano de Smith prevê cerca de 10 a 20 microrrefletores a laser, cada um pesando cerca de 20 gramas, lançados da superfície em 2028; eles seriam soltos de uma altura de cerca de 1 km e iriam em uma lenta queda livre até a superfície de Apophis. Uma rede de satélites na órbita da Terra monitoraria os refletores via banda X e altímetros de laser.
Um retrorrefletor a laser. Imagem: NASA Goddard Space Flight Center
Mais conceitualmente, Jay McMahon, da University of Colorado Boulder, propôs o uso de robótica mole para explorar a superfície do asteroide. Essas máquinas são ideais para explorar pequenos NEOs, pois são fáceis de implantar, altamente configuráveis e podem ser usadas em qualquer lugar do asteroide, disse ele. McMahon propôs uma versão na qual os robôs moles seriam equipados com antenas de radar, sismômetros, dispositivos para medir o movimento ou deformação da superfície e ferramentas para fazer ciência da gravidade.
Como eu disse, ideias não faltam. A chave agora é transformar esses conceitos em itens aplicáveis e coordenar missões potenciais para evitar redundância e maximizar o potencial colaborativo (várias espaçonaves em torno de Apophis poderiam criar oportunidades para alguma ciência única, com as sondas trabalhando em conjunto). Os próximos anos podem ser bastante emocionantes, à medida que vemos alguns desses projetos tomarem forma.
Pode ter ocorrido a alguns de vocês que essas missões, sejam voos, encontros, sondas robóticas ou exercícios, podem na verdade alterar a dinâmica orbital de Apophis e tornar o asteroide ainda mais ameaçador para a Terra. Isso foi realmente discutido na conferência, e é um assunto importante o suficiente para eu dedicar um artigo inteiro ao assunto. Fique atento para saber mais!