Um dos maiores argumentos a favor do cigarro eletrônico é que ele pode ajudar as pessoas a parar de fumar tabaco, facilitando o abandono do vício. Porém, um novo estudo publicado nesta semana na PLoS One parece oferecer uma forte refutação a essa linha de raciocínio. O artigo sugere que as pessoas que usam tanto o tabaco quanto o cigarro eletrônico são, na verdade, menos propensas a parar de fumar do que aquelas que ficam só no tabaco.
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Os pesquisadores estudaram dados da empresa de pesquisa GfK, mais especificamente do KnowledgePanel, um serviço contínuo que oferece pequenas recompensas em dinheiro aos usuários por cada pesquisa realizada. Eles analisaram dados de mais de 1.200 fumantes que haviam sido consultados em agosto e setembro de 2015, depois continuaram a monitorar seu status de fumante. Das mil pessoas que permaneceram membras ativas do KnowledgePanel um ano depois, cerca de 850 responderam a uma pesquisa de acompanhamento.
Aproximadamente 30% das pessoas no início da pesquisa disseram que tanto fumavam quanto usavam cigarros eletrônicos. Porém, um ano depois, 90% disseram que ainda fumavam. As pessoas que só fumavam, no entanto, tinham duas vezes mais probabilidade de relatar ter largado o cigarro.
As menores chances de sucesso entre os usuários de cigarros eletrônicos, ou de sistemas eletrônicos de entrega de nicotina (ENDS, na sigla em inglês), eram reais mesmo se as pessoas dissessem que haviam se voltado para os cigarros eletrônicos como uma forma de parar. E os usuários dos dois, em média, um ano depois, ainda fumavam a mesma quantidade de cigarros por dia que os que não usavam cigarros eletrônicos.
“Qualquer fumante te diria que parar de fumar é extremamente difícil”, disse o autor principal, Scott Weaver, epidemiologista da Escola de Saúde Pública da Universidade Estadual da Geórgia, ao Gizmodo por e-mail. “Porém, o fato de que o vício da nicotina é difícil de se superar não explica prontamente por que os fumantes que também usavam cigarros eletrônicos eram menos propensos a parar do que os fumantes que não usavam cigarros eletrônicos, embora eles, os usuários dos dois, fossem mais propensos a tentar parar de fumar.”
Alguns estudos anteriores sugeriam que a troca para os cigarros eletrônicos poderia ajudar a reduzir o tabagismo. De acordo com Weaver, no entanto, esses estudos podem ser datados ou não representativos de como os hábitos das pessoas são realmente alterados por esses dispositivos.
“No ‘mundo real’, o mercado de produtos de cigarro eletrônico é altamente diversificado, e as informações sobre seus efeitos na saúde e sobre o uso para parar de fumar são inconsistentes”, disse. “A maioria desses produtos não corresponde ao perfil de entrega de nicotina do cigarro. Muitos fumantes que provam cigarros eletrônicos os acham insuficientes para suprimir seus desejos por nicotina e os abandonam (retornando ao hábito exclusivo de fumar cigarros) ou continuam fumando e usando cigarros eletrônicos.”
Considerando que, no estudo, os usuários simultâneos de cigarros normais e eletrônicos eram menos propensos a parar de fumar, Weaver até sugere que há algo de único sobre o uso duplo que dificulta as tentativas de parar de fumar, como doses mais altas de nicotina.
“Ou talvez seja a maneira como os fumantes podem usar os cigarros eletrônicos para complementar seu consumo de nicotina e aliviar os sintomas de abstinência em situações em que não podem fumar, possivelmente minando o impacto das restrições antifumo”, acrescentou Weaver. “Alguns podem também continuar a fumar e usar cigarros eletrônicos sob a percepção errônea de que diminuir o cigarro é suficiente, enquanto a incerteza e a confusão sobre os riscos para a saúde dos cigarros eletrônicos podem levar à ambivalência sobre a troca completa para os cigarros eletrônicos.”
Weaver não descarta a possibilidade de que os cigarros eletrônicos ainda possam ser um auxílio para quem quer parar de fumar, com mudanças no design e na forma como são comercializados e regulamentados. Mas mesmo essas mudanças podem ser muito lentas e ineficazes por si só. Ele aponta os esforços recentes da FDA (Food and Drug Administration, órgão americano equivalente à Anvisa) para reduzir o teor de nicotina dos cigarros de tabaco tradicionais como um exemplo de uma solução mais significativa e imediata.
“Podemos trabalhar nessas mudanças enquanto continuamos promovendo políticas, campanhas de educação e abordagens de como parar de fumar baseadas em evidências e que sabemos ser eficazes”, disse ele.
Weaver e sua equipe planejam continuar estudando como as percepções do tabagismo e dos cigarros eletrônicos afetam as decisões dos fumantes e os padrões de uso dos cigarros eletrônicos, assim como a forma como os fumantes estão reagindo aos novos tipos de cigarros eletrônicos e a possíveis novos tipos de regulamentações sobre tabaco e cigarros eletrônicos por parte da FDA.
[PLoS One]
Imagem: Pixabay