Combustível de aviação pode ser produzido a partir de CO2

Texto: Domingos Zaparolli, da Agência FAPESP Vários centros de pesquisa ao redor do mundo, incluindo o Brasil, buscam novas tecnologias capazes de converter dióxido de carbono (CO2) em um combustível sustentável, principalmente o querosene sustentável de aviação (SAF). Denominado de Power-to-liquid (PtL), esse combustível é um hidrocarboneto líquido produzido a partir de energia elétrica, água […]
Imagem: Solarbelt Atmosfair/Reprodução

Texto: Domingos Zaparolli, da Agência FAPESP

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Vários centros de pesquisa ao redor do mundo, incluindo o Brasil, buscam novas tecnologias capazes de converter dióxido de carbono (CO2) em um combustível sustentável, principalmente o querosene sustentável de aviação (SAF). Denominado de Power-to-liquid (PtL), esse combustível é um hidrocarboneto líquido produzido a partir de energia elétrica, água e CO2, que pode ser capturado na atmosfera, em chaminés ou em atividades industriais e de produção e refino de petróleo. O dióxido de carbono é convertido em monóxido de carbono, que reage com hidrogênio sustentável em reatores do tipo Fischer-Tropsch (FT) capazes de converter gases em combustíveis.

Para ser uma operação ambientalmente sustentável, o hidrogênio precisa ser processado em eletrolisadores abastecidos com energia renovável, proveniente, por exemplo, de geração eólica ou solar. É o chamado hidrogênio verde, combustível com alto poder calorífero, quase três vezes superior ao diesel, mas que ainda não é produzido em larga escala.

As duas primeiras fábricas-piloto de PtL SAF entraram em operação em 2021. A pioneira, operada pela Solarbelt Atmosfair, na Alemanha, tem capacidade para produzir cerca de 1 tonelada de querosene sintético para aviação por dia. A segunda fábrica-piloto foi instalada em Montreal, no Canadá, pelo Consórcio SAF+, que reúne 10 instituições, entre elas a fabricante aeronáutica Airbus. De acordo com o grupo, o projeto comercial prevê a produção diária em 2025 de 30 milhões de litros de querosene sintético com pegada de carbono reduzida em 80% em relação ao querosene fóssil.

A produção de combustível PtL pode ser viabilizada por vários sistemas produtivos. O mais promissor é o que utiliza os reatores Fischer-Tropsch. Esse processo foi criado em 1923 na Alemanha pelos químicos Franz Fischer e Hans Tropsch para converter o carvão em combustível sintético. Hoje os reatores FT são de grande porte, capazes de processar milhões de litros por ano.

Um desafio no qual os centros de pesquisa globais estão engajados é tornar viável a produção de combustível PtL em reatores FT de pequeno porte, de centenas de milhares de litros anuais, permitindo uma produção descentralizada, próxima aos aeroportos. Com isso, busca-se eliminar custos e emissão de gases de efeito estufa na logística do combustível.

“O desenvolvimento do PtL SAF em unidades descentralizadas chegou ao seu ‘vale da morte’”, diz a engenheira ambiental Tina Maria Ziegler, diretora do projeto ProQR – Promovendo Combustíveis Alternativos sem Impactos Climáticos, referindo-se à distância que existe entre a pesquisa e a comercialização. “É necessário demonstrar que é possível ultrapassar o estágio de prova tecnológica fornecida pela pesquisa aplicada para o estágio comercial. Precisaremos de várias unidades de demonstração fora dos laboratórios produzindo continuamente mais de 500 litros de SAF por dia.” O projeto é realizado no âmbito da parceria entre a Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da agência alemã Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (Giz), e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

No momento, o ProQR apoia a implementação de três projetos de PtL SAF em escala laboratorial no Brasil. O mais avançado é fruto de uma parceria da Giz com o Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis, mantido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em Natal (RN).

Tecnologia brasileira

Outra iniciativa no país tem como parceiros a petrolífera sino-espanhola Repsol Sinopec Brasil, a empresa brasileira Hytron, especializada no desenvolvimento de tecnologias de hidrogênio, pertencente ao grupo alemão NEA, o Instituto Senai de Inovação em Biossintéticos e Fibras, no Rio de Janeiro, e o Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

Batizado de CO2Chem, o projeto é apoiado pelo Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), um dos Centros de Pesquisa em Engenharia financiados pela FAPESP, e pelo instituto alemão de pesquisa Fraunhofer. Seu objetivo é produzir combustíveis sustentáveis com CO2 capturado de diferentes fontes, como de atividades de exploração e produção offshore. Uma planta-piloto deverá entrar em operação este ano.

De acordo com a engenheira química Rita Maria de Brito Alves, coordenadora da iniciativa no âmbito do RCGI, caberá à equipe da Poli-USP, entre outras tarefas, atividades de pesquisa, desenvolvimento de novos catalisadores, substâncias químicas que serão usadas na reação de deslocamento gás-água reversa. Essa reação ocorre na etapa anterior à síntese FT, quando o CO2 reage com o hidrogênio para produção de monóxido de carbono, formando o gás que seguirá para o reator FT.

“Não existe catalisador comercial para essa reação. Buscamos catalisadores ativos, estáveis e eficientes que permitam uma reação a temperaturas mais baixas que as comumente empregadas, entre 700 e 800 graus Celsius”, diz Alves. Os catalisadores estão em desenvolvimento na USP.

A Poli-USP também é a representante brasileira no projeto 4AirCraft – Reciclagem de Carbono do Ar para Tecnologia de Combustível de Aviação, que reúne outras seis instituições de pesquisa da Europa e do Japão. O trabalho é financiado pelo programa de pesquisa e inovação Horizonte 2020, da União Europeia.

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O objetivo é desenvolver SAF a partir da conversão direta de CO2 em combustível em um processo integrado multicatalítico. Como explica Alves, que participa da pesquisa, a obtenção tradicional de combustíveis a partir de CO2 envolve várias etapas sequenciais em diferentes reatores. A proposta do projeto é que essas reações ocorram em um único reator em cascata, como resultado da ação sequencial de diversos catalisadores com características específicas. O reator em cascata e os catalisadores são o alvo do trabalho iniciado em 2021 e com três anos de duração.

Texto pulicado originalmente na Agência FAPESP.

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