Muitos anos atrás, o biólogo evolutivo Stephen Jay Gould propôs um conceito chamado de “equilíbrio pontuado”, em que uma espécie passa por rápidos estágios evolutivos em reação a uma súbita mudança ambiental. Seguindo este mesmo raciocínio, cientistas publicaram hoje uma pesquisa na Science que sugere que populações de pássaros chapim-real (Parus Major) estão no centro de uma fase do equilíbrio pontuado graças a relativamente recente introdução de comedouros de jardim. Especificamente, os pássaros estão desenvolvendo bicos mais longos, que os ajudam a acessar a comida, o que, por sua vez, aumentam suas chances de se reproduzirem e passarem estes fortuito traços para as gerações seguintes. É a clássica seleção natural de Darwin em ação – mas em ritmo acelerado.
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A nova pesquisa, liderada pelo Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford, é parte de um estudo de longo termo de populações do chapim-real na cidade de Wytham Woods , no Reino Unido, e nas cidades de Oosterhout e Veliwe, na Holanda. A Universidade de Oxford estuda a população do chapim-real em Wytham Woods há mais de 70 anos.
Um par de pássaros da espécie chapim-real. (Imagem: Wikimedia commons)
Para o estudo, os pesquisadores examinaram o DNA de mais de três mil pássaros em um esforço para encontrar diferenças genéticas entre a população britânica e holandesa. A análise revelou sequências genéticas alteradas ligadas a características faciais dos pássaros britânicos, levando os pesquisadores a especular que o bico dos chapins-reais estava se adaptando a abrangente presença dos comedouros.
Para ver se este era de fato o caso, os pesquisadores vasculharam registros históricos e descobriram que a versão britânica do chapim-real possui um bico que parece aumentar com o decorrer do tempo. Além disso, eles acessaram os dados de etiquetas eletrônicas que foram instaladas em alguns pássaros de Wytham Woods, permitindo a eles rastrear quão frequentes eram as visitas dos animais aos comedouros. Como esperado, os pássaros com a diferença genética visitavam os comedouros com mais frequência que os sem.
“Dos anos 1970 até os dias de hoje, o comprimento do bico tem se tornado maior entre os pássaros britânicos. Isso é um período muito curto para ver este tipo de diferença”, diz Jon Slate, coautor do estudo e professor na Universidade de Sheffield, em um comunicado. “Não sabemos agora que este aumento do comprimento do bico, e diferença do comprimento do bico entre pássaros britânicos e do continente europeu, é devido a genes que evoluíram por seleção natural”.
No Reino Unido, os britânicos gastam mais que o dobro em sementes e comedouros para pássaros do que o restante dos habitantes da Europa – e eles estão há um bom tempo envolvidos nesta atividade.
“Inclusive, durante o início do século XX, a revista Punch descreveu a atividade de alimentar pássaros como o passatempo favorito do Reino Unido”, diz o coautor do estudo Lewis Spurgin, da Escola de Ciências Biológicas da Universidade de East Anglia (UEA). “Apesar de não podermos definitivamente dizer que os comedouros de pássaros são responsáveis, parece razoável sugerir que os bicos mais longos entre os pássaros chapins-reais britânicos possam ter evoluído em resposta a esta alimentação suplementar”.
Os pesquisadores também descobriram que pássaros com a variação genética do bico mais largo eram melhores reprodutores que seus equivalentes de bico mais curto. Do ponto de vista da “sobrevivência do mais apto”, isso sugere que traços recém adquiridos são fortuitos – um que poderia liderar estes pássaros para um novo caminho evolutivo. Em um prazo maior, e assumindo que os britânicos não abandonem o hábito de alimentar pássaros, isso poderia eventualmente resultar no surgimento de uma subespécie inteiramente nova do chapim-real, um processo evolutivo que biólogos chamam de especiação.
Os caminhos para futuras pesquisas são óbvios, e os pesquisadores já começaram a estudar o DNA de outras populações do chapim-real na Europa. Os primeiros resultados mostram que o emergente chapim-real de bico longo é uma variação exclusiva do Reino Unido. Outros pesquisadores de outras partes do mundo deveriam tomar nota e embarcar em estudos semelhantes para avaliar se isso acontece com outras espécies de pássaros do mundo.
[Science]
Imagem de topo: University of Oxford