Como a Croácia foi de seleção “amiga dos nazistas” para o “Brasil da Europa”

Adversária do Brasil nas quartas-de-final na Copa do Catar e atual vice-campeã mundial, a seleção xadrez já viveu tempos conturbados desde quando fazia parte da Iugoslávia

Se a Sérvia herdou na Fifa o retrospecto oficial da Iugoslávia, quem ficou com a reputação de “o Brasil da Europa” do antigo país foi a Croácia. Independente desde 1990, a nação das camisas xadrez já foi 3ª colocada na Copa de 1998 e vice em 2018. E, agora, tenta surpreender o Brasil no jogo pelas quartas-de-final do mundial no Catar nesta sexta-feira (9/12), às 12h.

É a terceira vez que o Brasil enfrenta a Croácia em Copas. As vezes anteriores foram em jogos de estreia. Em 2006, na Alemanha, 1 a 0 com gol de Kaká. Em 2014, na atual Neo Química Arena em São Paulo, outra vitória brasileira por 3 a 1, de virada.

Com tradição de jogadores talentosos e com mais molejo que outras seleções europeias, a Croácia já garantiu seu lugar na história das Copas. Mas a seleção já viveu tempos conturbados no passado. Especialmente quando foi amiguinha da Alemanha nazista.

Amizade com os nazistas

Primeiro, um recuo no tempo. Ao fim da 1ª Guerra Mundial, em 1918, a dissolução do derrotado Império Austro-Húngaro levou as nações eslavas dos Bálcãs, que faziam parte do tal império, à formação de seu próprio país, o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos – a partir de 1928, Iugoslávia.

Futebolisticamente, os croatas ficaram de fora da primeira seleção iugoslava a participar de uma Copa em 1930. Só jogadores da Sérvia foram convocados.

No caos geopolítico provocado pelo estouro da 2ª Guerra Mundial em 1939, a Croácia decidiu formar sua própria seleção. Em 1941, com a invasão da Alemanha de Hitler na região, não reclamaram muito e ainda declararam a formação do Estado Independente da Croácia, desligando-se da Iugoslávia.

A seleção croata do período 1939-1944 fez parte do agrupamento de equipes de países dominados pela Alemanha nazista (ou simpatizantes), que jogavam amistosos entre si. No resto da Europa, praticamente não havia futebol de seleções. Os sul-americanos ficaram jogando amistosos e Copa América dentro do continente.

É dessa época a foto de um jogo entre Croácia e Alemanha em que os dois times formados para os hinos fazem a saudação nazista num campo coberto de neve.

A amizade acabou com a derrota alemã na guerra em 1945. E a Croácia foi reintegrada à Iugoslávia pelo novo presidente socialista e ex-comandante da resistência, o marechal Josip Broz Tito. Por sinal, um croata.

Craques para a Iugoslávia

Durante cerca de 40 anos, a Croácia forneceu grandes jogadores para as seleções da Iugoslávia nas Copas.

Em 1950, no Brasil, eram croatas o sólido goleiro Beara, o zagueiro e capitão Horvat, os irmãos Željko e Zlatko Čajkovski, o habilidoso e artilheiro meia Bobek e o atacante Vukas (eleito em 2000 como o Melhor Jogador Croata de Todos os Tempos).

Em 1954, na Suíça, voltaram Beara, Horvat, Vukas e Bobek. E surgiu o lateral-esquerdo velocista Branko Zebec, que percorria 100 metros em 11 segundos.

Em 1958, na Suécia, mais uma vez jogaram Beara e Zebec.

Em 1962, no Chile, o time que acabou em 4º lugar tinha Dražan Jerković, que acabou como artilheiro do torneio. Ele tinha ido à Copa de 1958, mas não jogou. O ataque também teve o ponta croata Skoblar.

No retorno a uma Copa em 1974, na Alemanha Ociental, estavam entre os croatas de destaque o centroavante Šurjak e o meia Jurica Jerković. O meia Ilija Petković era nascido na Croácia, mas de origem sérvia.

Ilija Petković em campo, ainda com a camisa iugoslava

Em 1982, na Espanha, Šurjak estava de volta e promovido a capitão. Outro bom valor saído da Croácia era o volante Ivan Gudelj, descoberto pelo pai do futuro craque Zvonimir Boban.

A última Iugoslávia

Uma das lendas do futebol é que a Iugoslávia campeã mundial sub-20 em 1987 no Chile foi o maior time que nunca chegou até onde poderia – ou seja, ganhar uma Copa. Era uma geração em que cada nação que formava o país contribuía com algum jogador brilhante.

A maioria desses garotos de 1987 chegou à Copa de 1990 na Itália. Além do mais veterano goleiro Ivković (medalha de bronze nas Olimpíadas de 1984), que pegou pênalti de Maradona nas quartas-de-final, o time vinha com o lateral-esquerdo Jarni, o meia Prosinečki e, no banco, o centroavante Davor Šuker, que não entrou nas partidas.

Aquela seleção iugoslava já foi para a Copa sob tensão. A Croácia já dava sinais de querer sua independência, animada com o derretimento de outros países socialistas-comunistas após a queda do Muro de Berlim em 1989. O governo central iugoslavo em Belgrado, na Sérvia, não gostava nem um pouco da ideia.

O nacionalismo exacerbado dos croatas se manifestou no último amistoso da Iugoslávia em casa antes da Copa, contra a Holanda em Zagreb, na Croácia. Três semanas antes, um clássico entre o croata Dinamo Zagreb e o sérvio Estrela Vermelha acabou um batalha campal com jogadores indo para a porrada contra a polícia.

No amistoso contra a Holanda, a torcida local vaiou o hino iugoslava, o técnico e os jogadores não-croatas. A derrota de 2 a 0 não foi lamentada.

Na Copa, os iugoslavos chegaram às quartas-de-final, mas acabaram eliminados pela Argentina nos pênaltis, após 0 a 0 no jogo.

Croácia 2.0

A Croácia bateu pé por sua independência e desencadeou a sangrenta guerra na qual as forças sérvias invadiram as regiões “rebeldes” para manter a Iugoslávia unida.

E, em outubro de 1990, a Croácia voltava a ter uma seleção nacional depois de 44 anos. Num amistoso em Zagreb, venceu os Estados Unidos por 2 a 1. A Fifa não reconhece este jogo porque a Croácia não era um país filiado ainda, o que só ocorreria em 1992.

 

Naquele uniforme, já surgia o quadriculado em vermelho e branco na camisa, baseado na bandeira e no brasão oficial da Croácia. Mas, nos anos seguintes, a seleção croata fez várias experiências com seu uniforme antes de finalmente adotar de vez o xadrez “toalha de cantina” na Eurocopa de 1996, na Inglaterra.

Na Euro de 1996, a Croácia foi uma grata surpresa. Tinha os “ex-iugoslavos” de 1990 Jarni, Prosinečki e Šuker junto às revelações Bilić, Zvonimir Boban (já craque do Milan desde 1991) e Šimić. Ficaram em 2º no grupo vencido por Portugal e caíram nas quartas com derrota de 2 a 1 para a futura campeã Alemanha.

A glória de 1998

Basicamente o mesmo time da Euro de 1996 foi à Copa do Mundo de 1998 na França. E foi ali que a Croácia colocou seu nome na história dos mundiais pela primeira vez, chegando ao 3º lugar.

Após passar em 2º no grupo da Argentina na primeira fase, a Croácia eliminou a Romênia nas oitavas e encarou as quartas-de-final contra a Alemanha. O que na época pareceu zebra foi apenas o prenúncio de que havia novidade para as fases decisivas das Copas.

A demolição de 3 a 0 da Croácia sobre a Alemanha é um clássico das Copas. E, na semifinal contra a anfitriã França, eles quase aprontaram de novo. Šuker abriu o placar a 1 minuto do 2º tempo, mas os franceses viraram com dois gols de Lilian Thuram.

Na decisão de 3º lugar, vitória sobre a ótima Holanda por 2 a 1. Šuker fez mais um e se consagrou como o artilheiro da Copa com 6 gols.

Sequência sem graça

A mágica de 1998 pareceu ter acabado ali. Em 2002, a Croácia caiu na primeira fase, mesmo tendo vencido a Itália no grupo. Em 2006, perdeu para o Brasil na estreia e acabou eliminada pela Austrália.

Aos 21 anos, o meia Luka Modrić fez sua estreia entrando como substituto contra Japão e Austrália. Ele chamaria muito mais atenção anos depois.

A entressafra ficou clara em 2010, já que a Croácia nem se classificou para o mundial da África do Sul. Retornou em 2014, no Brasil. Além de mais uma derrota para a Seleção Canarinho no jogo inaugural, acabou eliminada no grupo.

O vice

A Croácia foi sensação na Copa de 2018 na Rússia. Na primeira fase, três vitórias. Uma delas, um vareio de 3 a 0 sobre a Argentina que fez Diego Maradona chorar nos camarotes, na última Copa que ele viu – a albiceleste ainda se classificaria, mas acabou caindo nas oitavas diante da França.

Nos mata-matas, a Croácia encarou uma sequência inacreditável de prorrogações e pênaltis.

Nas oitavas, 1 a 1 com a Dinamarca e vitória nos penais. Nas quartas, um 2 a 2 épico contra a Rússia e nova vitória nos pênaltis. Na semifinal, virada de 2 a 1 sobre a Inglaterra na prorrogação.

Na final contra a França, não teve jeito: Croácia caiu de pé na derrota por 4 a 2. Mas Luka Modrić foi eleito melhor jogador da Copa pela Fifa e, meses depois, ele venceria os prêmios de melhor jogador do ano da Fifa e da France Football.

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Em 2022, com Modrić ainda com a camisa 10 aos 37 anos, a Croácia passou sufoco na primeira fase e eliminou o Japão nos pênaltis nas oitavas.

Apesar da irregularidade, a Croácia teve a revelação de um possível novo gigante do futebol internacional, o zagueiro Joško Gvardiol, de apenas 20 anos.

Marcelo Orozco

Marcelo Orozco

Jornalista que adora música, cultura pop, livros e futebol. Passou por Notícias Populares, TV Globo, Conrad Editora, UOL e revista VIP. Colaborou com outros veículos impressos e da web. Publicou o livro "Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia" (Conrad, 2002).

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