Certos tipos de bactérias podem ficar num estado de “dormência” e sobreviver por séculos sem nenhum nutriente, resistindo ao calor, à radiação ultravioleta e antibióticos.
Apesar de terem permanecido como um mistério para a ciência até então, agora um estudo da Universidade Harvard está abrindo caminho para combater a resistência desses microrganismos “super-poderosos”.
Uma equipe de pesquisadores desenvolveu um sensor celular que permite aos esporos bacterianos detectar a presença de nutrientes no ambiente — e, assim, “voltar” rapidamente para a vida.
As bactérias “adormecem” como uma forma de sobreviver ao ambiente. Quando isso acontece, elas suspendem seus processos biológicos e criam “camadas” protetoras ao redor de suas células.
Assim, se tornam “mini fortalezas” biológicas, o que possibilita que sobrevivam a períodos de escassez e se protejam do calor extremo, seca e produtos químicos agressivos.
“Esta descoberta resolve um quebra-cabeça que tem mais de um século”, disse David Rudner, professor de microbiologia em Harvard e o principal autor do estudo.
Segundo ele, os cientistas sabem há pelo menos 100 anos que os esporos eliminam suas camadas protetoras assim que identificam nutrientes no ambiente. Além disso, o sensor que permite essa detecção foi descoberto ainda na década de 1970.
Mas ainda faltava descobrir um aspecto crucial para solucionar o mistério dos esporos: onde e como esse “sinal” da presença de nutrientes desencadeava o renascimento bacteriano.
Isso porque, na maioria dos animais, a sinalização depende da atividade metabólica e geralmente envolve genes que codificam proteínas para produzir moléculas específicas. Mas as bactérias não têm outros processos biológicos complexos. Então, como isso era possível?
Ao olhar para a célula fechada das bactérias, os cientistas descobriram que o “sensor” dos nutrientes está em um canal de membrana que fica fechado durante o sono.
Ao identificar a possibilidade de alimento, porém, ele abre e permite que íons eletricamente carregados fluam através da membrana celular.
A partir disso, começa uma cascata de reações que permitem que a célula dormente se livre da camada protetora e volte a crescer novamente, mesmo após séculos de dormência.
Aplicação no mundo real
Fora dos laboratórios ou microscópios, a descoberta pode ajudar na solução de implicações para a saúde humana. Isso porque várias bactérias são capazes de “adormecer” por longos períodos de tempo, o que as transforma em entidades perigosas para o ser humano.
O pó branco de antraz, por exemplo, é uma “arma biológica” de esporos bacterianos – usada com frequência em ataques em 2001 nos EUA.
Outro patógeno que forma esporos é o Clostridioides difficile, causador da colite pseudomembranosa. Em casos graves, há risco de vida. Essa doença geralmente acontece depois do uso de antibióticos que matam bactérias intestinais, mas que são inúteis contra os esporos.
Também é comum encontrar casos do tipo nas fábricas de alimentos processados. Isso porque, ali, as bactérias podem resistir à esterilização por causa da camada protetora. Se a esterilização não for bem feita, a germinação e o crescimento causam doenças sérias transmitidas através dos alimentos.