Como o metrô de Nova York dá a volta ao mundo
Por Leandro Beguoci
Esqueça o glamour. Estou no Brooklyn profundo, onde as calçadas são maltratadas, há lixo na rua e a estação de metrô, inaugurada em 1919, está meio zoada, embora tenha passado por levíssimas reformas ao longo das últimas décadas. A porta de acesso é de madeira apodrecida e há goteiras em vários pontos. Como estou bem perto dela, da gloriosa estação de Ditmas Avenue, escuto o assustador trepidar do metrô todo dia. Durante a noite. Ao acordar. Olho aquilo de manhã e fico pensando “como essa linha fica de pé, por que fica de pé, caramba, metrô, se segura, você vai cair, cara!”
E a vida não é tão melhor nas outras estações. Passo por quase 20 delas todo dia, até chegar à universidade onde estou passando uma temporada, no centro de Nova York. O MetroCard, o cartão que dá acesso ao metrô, dificilmente funciona de primeira. É a dancinha do passa-passa (e as pessoas lá, atrás de você, resmungando). Até parece um daqueles ingressos descartáveis de futebol que provocavam filas enormes em dia de clássico. À primeira vista, o metrô de Nova York é precário. Mas isso é só uma impressão.
A força do metrô
O sistema de trens, fundado em 1904, é muito robusto. A prova é o que acabou de acontecer no dia 26 de janeiro. Pela primeira vez na história, o metrô inteiro fechou por causa da neve (ele já tinha sido fechado antes, por causa dos furacões). E ele só fechou porque a cidade estava esperando a maior nevasca da sua história (que acabou não acontecendo). Mesmo nas situações mais adversas, ele segue funcionando — e 24 horas por dia.
Isso é ainda mais impressionante se você lembrar que ele é um dos mais antigos metrôs em operação no planeta: a estação perto de casa foi construída 15 anos depois da inauguração do metrô. Ele também é um dos maiores do planeta em número de estações (são 468!) e em quilometragem. São cerca de mil quilômetros de trilhos, contra apenas 78,4 quilômetros de São Paulo. Cuidar desse negócio todo é uma tarefa árdua — e a cidade de NY consegue.
Porque, no final, a prioridade é funcionar e ligar os pontos na cidade. A entrada das estações geralmente é um buraco na terra. Nada comparável com as estações bonitas — mas caras — de São Paulo. Nosso metrô é mais limpo do que o novaiorquino, mas atende a poucas partes da cidade. Na verdade, o metrô limita o nosso mundo — enquanto o de Nova York expande o seu mundo e te leva planeta afora.
Um metrô para o mundo inteiro
Eu pego a linha F todo dia. Ela termina em Coney Island, uma das vizinhanças pitorescas. Ali fica a praia de Nova York (sim, Nova York tem praia e as pessoas nadam lá). Também tem parque de diversões. E russos, muitos russos, que montaram uma Sibéria praiana nos confins da cidade.
Meu bairro também tem russos. Só que, aqui, eles têm a companhia de poloneses, judeus do Leste Europeu e até gente do Uzbequistão (tem um restaurante uzbeque do lado de casa). Mais para a frente, você cruza algumas ruas e chega, de repente, no coração da África Negra. E, se for um pouquinho para o lado, vai encontrar muitos indianos. Tudo isso de metrô. É fácil viajar pelo mundo com o MetroCard — há muita vida além de Manhattan, lembre-se disso.
O Queens, por exemplo, concentra uma das maiores diversidades étnicas do planeta. Há uma espécie de gincana gastronômica na cidade, para ver quem vai a mais restaurantes de países distantes no mesmo quarteirão. É bizarro.
E tudo isso, no final das contas, também é possível porque esse metrô interliga a diversidade da cidade. Ele é sujo. Ele tem muitos ratos. Mas ele tem muita música ao vivo (pode gravar — é uma das coisas gratuitas na cidade) e te leva pelo mundo. É só respirar fundo e ir aos confins da terra.
Como o metrô de Nova York dá a volta ao mundo
Por Leandro Beguoci
Esqueça o glamour. Estou no Brooklyn profundo, onde as calçadas são maltratadas, há lixo na rua e a estação de metrô, inaugurada em 1919, está meio zoada, embora tenha passado por levíssimas reformas ao longo das últimas décadas. A porta de acesso é de madeira apodrecida e há goteiras em vários pontos. Como estou bem perto dela, da gloriosa estação de Ditmas Avenue, escuto o assustador trepidar do metrô todo dia. Durante a noite. Ao acordar. Olho aquilo de manhã e fico pensando “como essa linha fica de pé, por que fica de pé, caramba, metrô, se segura, você vai cair, cara!”
E a vida não é tão melhor nas outras estações. Passo por quase 20 delas todo dia, até chegar à universidade onde estou passando uma temporada, no centro de Nova York. O MetroCard, o cartão que dá acesso ao metrô, dificilmente funciona de primeira. É a dancinha do passa-passa (e as pessoas lá, atrás de você, resmungando). Até parece um daqueles ingressos descartáveis de futebol que provocavam filas enormes em dia de clássico. À primeira vista, o metrô de Nova York é precário. Mas isso é só uma impressão.
A força do metrô
O sistema de trens, fundado em 1904, é muito robusto. A prova é o que acabou de acontecer no dia 26 de janeiro. Pela primeira vez na história, o metrô inteiro fechou por causa da neve (ele já tinha sido fechado antes, por causa dos furacões). E ele só fechou porque a cidade estava esperando a maior nevasca da sua história (que acabou não acontecendo). Mesmo nas situações mais adversas, ele segue funcionando — e 24 horas por dia.
Isso é ainda mais impressionante se você lembrar que ele é um dos mais antigos metrôs em operação no planeta: a estação perto de casa foi construída 15 anos depois da inauguração do metrô. Ele também é um dos maiores do planeta em número de estações (são 468!) e em quilometragem. São cerca de mil quilômetros de trilhos, contra apenas 78,4 quilômetros de São Paulo. Cuidar desse negócio todo é uma tarefa árdua — e a cidade de NY consegue.
Porque, no final, a prioridade é funcionar e ligar os pontos na cidade. A entrada das estações geralmente é um buraco na terra. Nada comparável com as estações bonitas — mas caras — de São Paulo. Nosso metrô é mais limpo do que o novaiorquino, mas atende a poucas partes da cidade. Na verdade, o metrô limita o nosso mundo — enquanto o de Nova York expande o seu mundo e te leva planeta afora.
Um metrô para o mundo inteiro
Eu pego a linha F todo dia. Ela termina em Coney Island, uma das vizinhanças pitorescas. Ali fica a praia de Nova York (sim, Nova York tem praia e as pessoas nadam lá). Também tem parque de diversões. E russos, muitos russos, que montaram uma Sibéria praiana nos confins da cidade.
Meu bairro também tem russos. Só que, aqui, eles têm a companhia de poloneses, judeus do Leste Europeu e até gente do Uzbequistão (tem um restaurante uzbeque do lado de casa). Mais para a frente, você cruza algumas ruas e chega, de repente, no coração da África Negra. E, se for um pouquinho para o lado, vai encontrar muitos indianos. Tudo isso de metrô. É fácil viajar pelo mundo com o MetroCard — há muita vida além de Manhattan, lembre-se disso.
O Queens, por exemplo, concentra uma das maiores diversidades étnicas do planeta. Há uma espécie de gincana gastronômica na cidade, para ver quem vai a mais restaurantes de países distantes no mesmo quarteirão. É bizarro.
E tudo isso, no final das contas, também é possível porque esse metrô interliga a diversidade da cidade. Ele é sujo. Ele tem muitos ratos. Mas ele tem muita música ao vivo (pode gravar — é uma das coisas gratuitas na cidade) e te leva pelo mundo. É só respirar fundo e ir aos confins da terra.