Enquanto o Brasil engatinha para criar sua própria legislação sobre IA (Inteligência Artificial), a China já lançou suas primeiras regulamentações sobre o setor que avança rapidamente no país. Ainda em abril, Pequim emitiu as primeiras orientações para empresas de IA.
As regras, que ainda estão em discussão, cobrem questões que vão desde o treinamento e proteção de dados, até a interação de usuários com chatbots e deepfakes. E isso não significa que o governo chinês vai barrar o desenvolvimento de inteligência artificial – muito pelo contrário.
O ministro chinês da Ciência e Tecnologia, Wang Zhigang, disse na abertura da 7ª Conferência Mundial de Inteligência, na última quinta-feira (18), que Pequim planeja estabelecer uma série de “centros” regionais de IA em todo o país.
Em registro do jornal honconguês South China Morning Post, Wang pediu às empresas chinesas que “aproveitem as novas oportunidades” trazidas pelos mais recentes avanços na tecnologia de IA.
Ele não deu detalhes, mas é provável que a afirmação tenha a ver com o fato de que as pastas de Ciência e Tecnologia subiram para as prioridades da China, desde a última conferência anual do Partido Comunista, em março.
Aplicativos como o ChatGPT, da OpenAI, e Bard, do Google, não estão funcionando no país. No lugar, existem serviços próprios de companhias chinesas, como Ernie (Baidu) e apps da Alibaba Group Holding, SenseTime e iFlyTek.
Tem censura?
A diferença das empresas chinesas para as companhias estrangeiras é que todas operam na China de acordo com as regras de Pequim. Caso contrário, o governo chinês tem definições claras para suspender o serviço – o que significa prejuízo no mercado de 1,2 bilhão de habitantes.
Ainda assim, é difícil cravar sobre “censura” na inteligência artificial da China. De um lado, os regulamentos definem que as empresas prestadoras desse serviço são responsáveis pela “legalidade” dos dados usados para treinar os algoritmos.
Além disso, os provedores não devem compartilhar dados pessoais sem permissão e garantir a “veracidade, precisão, objetividade e diversidade” dos dados em pré-treinamento.
Isso significa que as empresas de IA são proibidas de “conduzir perfis” com base em informações obtidas pelos usuários. Lembra os anúncios direcionados ao seu Instagram depois de uma pesquisa boba no Google? É isso que a regulação quer evitar.
As regras em discussão na China também querem que os provedores empreguem “medidas apropriadas para impedir que os usuários dependam excessivamente do conteúdo gerado”. É uma tentativa de evitar o vício nessas tecnologias a longo prazo. Já vimos que Pequim restringiu as horas de videogame, então essa preocupação não é exatamente uma surpresa.
A regulação sobre IA se baseia muito nas regras anteriores sobre deepfakes, publicadas em dezembro. O texto torna ilegal o uso indevido da tecnologia de “síntese profunda”. Ou seja, os provedores devem estabelecer mecanismos para lidar com reclamações de usuários prejudicados por “direitos de reputação” ou “privacidade pessoal”.
Sabemos como isso é importante em um momento onde qualquer pessoa pode ter seu rosto colocado em qualquer vídeo da internet com uma aparência tão “natural” que parece verdadeira.
O outro lado
Contudo, um dos artigos da regulação de inteligência artificial diz que todo o conteúdo gerado por essas tecnologias deve “refletir os valores socialistas centrais”. O dispositivo não explica que valores seriam esses, o que abre margem para… literalmente qualquer coisa.
A única especificação é sobre o que não pode haver nos materiais gerados por IA. São eles: subversão do poder do estado, prejudicar a unidade nacional, informações falsas ou conteúdo que possa perturbar a ordem econômica ou social.
Então é improvável, por exemplo, que uma IA generativa que funciona na China considere Taiwan como um país. Isso porque, de acordo com Pequim, Taiwan é uma “província rebelde” e parte do território continental — mesmo que Taipé discorde disso veementemente.
No ponto de vista do governo chinês, a regulação prevê um “desenvolvimento tecnológico responsável”. Outros pontos de vista, porém, acusam que ali reside a censura. Seja como for, é habitual que a China seja mais restritiva em suas regulações na comparação com a UE (União Europeia) ou os EUA, país que fica no extremo oposto.
As discussões sobre a regulação da inteligência artificial continuam na China e também no resto do mundo. Enquadrando como censura ou não, o fato é que é improvável que essas tecnologias sigam em frente sem nenhuma regra por muito tempo.