Jo Cameron é uma mulher escocesa com uma condição incomum: ela não sente dor, nem ansiedade ou medo. A condição foi um mistério por anos – até agora. Cientistas acabam de descobrir que isso tem a ver com uma mutação no gene “FAAH”.
Em artigo publicado na revista científica Brain, na quarta-feira (24), pesquisadores da University College London descreveram a mutação como FAAH-OUT. Isso significa que Jo tem uma “redução” no gene FAAH, relacionado ao sistema endocanabinóide, que controla o envolvimento na dor, humor e memória.
Jo começou o acompanhamento com geneticistas em 2013, quando seu médico identificou que ela não sentia dor depois de grandes cirurgias no quadril e na mão. A equipe, porém, só encontrou o gene FAAH-OUT em 2019, seis anos depois do início das buscas.
Por muitos anos, especialistas consideraram a área onde fica o FAAH-OUT como DNA-lixo. Isso significa uma região do genoma que não codifica ou cria proteínas. Mas, em Jo, os médicos perceberam que essa mesma região servia como mediador do gene do sistema endocanabinoide.
Em termos práticos, o FAAH-OUT regula a expressão do FAAH. Quando há uma mutação e o FAAH é reduzido, como ocorreu em Cameron, os níveis de atividade da enzima caem significativamente. Isso faz com que sua sensibilidade à dor, por exemplo, também seja menor que no resto das pessoas.
Novos medicamentos
“O gene FAAH-OUT é apenas um pequeno canto de um vasto continente que este estudo começou a mapear”, disse Andrei Okorokov, da University College London, que liderou o estudo. “Além da base molecular da ausência de dor, essas explorações identificaram vias moleculares que afetam a cicatrização de feridas e o humor, todas influenciadas pela mutação”.
Jo também mostrou diferença em outros dois genes-chave: o BDNF, associado à regulação do humor, e o ACKR3, que ajuda a regular os níveis de opióides. Segundo Okorokov, essas alterações podem contribuir para a baixa ansiedade e ausência de medo e dor.
Agora, as descobertas a nível molecular devem abrir caminho para compreender qual o papel dos genes na cicatrização de feridas e depressão, além de possíveis aplicações em novos medicamentos.