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Por que as controvérsias da AstraZeneca/Oxford ameaçam o combate à pandemia

A decisão de interromper a vacina da AstraZeneca/Oxford na Europa é acompanhada de um contexto importante.

Um frasco da Covishield, nome dado à vacina contra Covid-19 da AstraZeneca/Oxford University na Índia. Crédito: Punit Paranjpe/AFP (Getty Images)

A vacina contra Covid-19 desenvolvida em conjunto pela AstraZeneca e a Oxford University está enfrentando problemas mais uma vez. Na segunda-feira (15), Alemanha, França e Itália entraram para a lista de países que decidiram suspender a distribuição do imunizante devido a preocupações de que ele possa aumentar o risco de coágulos sanguíneos.

No entanto, muitos especialistas e reguladores dizem que essas suspensões são injustificadas e que os dados atuais disponíveis não apontam para um perigo adicional de coágulos relacionado à vacina.

A controvérsia recente começou no início da semana passada. Autoridades de saúde da Áustria suspenderam a distribuição da vacina como uma “precaução” em 7 de março, após relatos de duas mulheres na faixa dos 30 e 40 anos que desenvolveram problemas de saúde relacionados a coágulos logo após receberem suas doses, provenientes do mesmo lote.

Posteriormente, uma dessas mulheres morreu devido às complicações. A agência reguladora da Áustria (o Escritório Federal para Segurança em Saúde) advertiu que não havia nenhuma evidência de uma ligação causal entre as vacinas e esses relatos.

Logo depois, Dinamarca, Noruega e Islândia seguiram o exemplo e decidiram interromper o uso da vacina. A Dinamarca, em particular, suspendeu a distribuição após um relato de coágulo sanguíneo e morte envolvendo uma mulher de 60 anos que recebeu uma dose do mesmo lote que as duas mulheres na Áustria.

A decisão de interromper momentaneamente a vacina da AstraZeneca/Oxford por esses países é acompanhada de um contexto importante. No ano passado, os primeiros resultados dos testes de Fase III da vacina baseada em adenovírus de duas doses foram divulgados. Os dados indicaram que as pessoas que receberam uma dose e meia da vacina tinham níveis mais altos de proteção contra Covid-19 (cerca de 90% de eficácia) do que aquelas que receberam duas doses completas (cerca de 62% de eficácia).

Contudo, os fabricantes da vacina admitiram uma semana mais tarde que eles não haviam planejado testar a vacina dessa maneira, e que foi um erro que levou a algumas pessoas a recebem apenas meia dose. Ainda assim, apesar da falha, os pesquisadores foram autorizados a continuar com os estudos por um painel de especialistas que monitorava o estudo.

Na época, muitos especialistas externos criticaram a AstraZeneca/Oxford por não revelar o erro imediatamente e por apresentar dados possivelmente falhos. O acidente foi precedido por um tropeço anterior no meio do ano — a suspensão temporária de vários testes após um relato de lesão cerebral possivelmente relacionada à vacina.

Embora a maioria dos países tivesse retomado seus testes logo depois, os Estados Unidos não os reiniciaram por sete semanas, supostamente porque as autoridades temiam que a AstraZeneca não estivesse sendo transparente o suficiente em seus relatórios.

Apesar de o Reino Unido e outros países terem aprovado a vacina para uso emergencial a partir do final de dezembro, continuaram a haver dúvidas persistentes e algumas crises durante sua implantação. Os pesquisadores por trás da vacina agora argumentam que doses atrasadas, administradas com três meses de intervalo, têm mais probabilidade de melhorar sua eficácia, em vez de doses menores.

No início de fevereiro, a África do Sul cancelou o uso da vacina pouco antes de começar a sua distribuição, depois que os primeiros dados mostraram que ela era minimamente eficaz contra a B.1.351, uma variante do vírus que surgiu no país no ano passado (dados de outras vacinas mostraram uma proteção reduzida contra a B.1.351, mas não a ponto de ser ineficaz).

Outros contratempos que ocorreram não foram culpa dos fabricantes da vacina; um jornal alemão foi criticado por muitos cientistas em fevereiro, depois de publicar especulações infundadas de que a vacina era ineficaz em pessoas mais velhas.

É importante ressaltar que a vacina da AstraZeneca/Oxford parece ser amplamente segura e eficaz na prevenção da Covid-19 — embora a eficácia exata ainda não esteja clara. Como as outras vacinas disponíveis ao público, ela também parece reduzir o risco de transmissão. E, apesar desses relatos mais recentes, não parece haver um verdadeiro aumento do risco de coágulos.

No fim de semana, a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido declarou que não havia evidências de risco de coágulo sanguíneo associado à vacina e que as pessoas ainda deveriam tomar a vacina. A Organização Mundial da Saúde também reforçou a mesma mensagem na sexta-feira passada.

E embora a agência reguladora da UE — a Agência Europeia de Medicamentos — ainda esteja investigando esses relatos, ela afirmou na segunda-feira que “os benefícios da vacina da AstraZeneca na prevenção de Covid-19, com seu risco associado de hospitalização e morte, superam os riscos de efeitos colaterais” neste momento.

Todos os medicamentos e vacinas têm efeitos colaterais. Mas alguns problemas de saúde que surgem após um tratamento são apenas coincidências e não são devidos ao tratamento em si. Uma maneira de descobrir se algum problema específico está relacionado ao tratamento é ver com que frequência ele se manifestaria no público geral durante um determinado período de tempo.

Até agora, de acordo com dados coletados de milhões de pessoas na Europa, não parece haver nenhum risco maior de coagulação em pessoas que tomaram a vacina, em comparação com aquelas que não tomaram (se houver, o risco pode ser mais baixo em pessoas vacinadas, mas isso também é provavelmente apenas uma coincidência).

Vale a pena questionar se os primeiros passos em falso da AstraZeneca/Oxford influenciaram as recentes decisões de suspender a distribuição da vacina em vários países. Mas mesmo que essas pausas sejam compreensíveis e acabem sendo apenas temporárias, elas podem ter um custo real.

Grande parte da Europa, em contraste com os EUA, está no meio de um ressurgimento de Covid-19, liderado pela disseminação de variantes mais transmissíveis e mortais. Uma razão provável para os picos é uma campanha de vacinação lenta nesses países — que será prejudicada ainda mais pela suspensão da vacina da AstraZeneca/Oxford.

Estima-se que vários países de baixa renda também dependam muito dessa vacina para imunizar sua população, devido ao seu custo relativamente barato e armazenamento mais fácil em comparação com outras vacinas. Enquanto isso, os EUA estão segurando dezenas de milhões de doses não utilizadas enquanto esperam que os testes locais sejam finalizados – doses que o país está considerando doar a terceiros.

A situação toda está uma bagunça completa, e ninguém sai ganhando com isso – especialmente as pessoas que morrerão de Covid-19 porque não puderam tomar a vacina da AstraZeneca durante essas suspensões.

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