Uma nova pesquisa publicada nesta quinta-feira (31) nos ajuda a entender melhor como a COVID-19 pode causar danos cerebrais. O estudo sugere que, embora normalmente a infecção viral não chegue diretamente no cérebro, ela pode desencadear uma inflamação destrutiva observada em outras condições neurológicas como o derrame.
A pesquisa foi conduzida por cientistas do governo estadunidense nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) e foi publicada no New England Journal of Medicine. A equipe estudou o cérebro de 19 pessoas que morreram após contrair COVID-19, com ressonância magnética de alta sensibilidade. Eles também avaliaram tecidos cerebrais com um microscópio. Os pacientes tinham idades entre cinco e 73 anos, sendo que alguns já tinham problemas de saúde como diabetes e doenças cardiovasculares.
Os pesquisadores não conseguiram encontrar nenhum rastro dos vírus nas amostras, indicando que eles não infectaram os cérebros. Mas encontraram vasos sanguíneos obstruídos, diluídos e com vazamento. Perto desses vasos, ainda encontraram sinais de inflamação, como níveis mais elevados de células imunológicas no cérebro chamadas microglia. Isso tudo indica que esses pacientes e outros como eles desenvolveram uma resposta imune falha para os ataques aos vasos sanguíneos do cérebro — resposta esta que foi desencadeada pela infecção do coronavírus.
“Estamos completamente surpresos. Inicialmente esperávamos que o dano fosse causado por falta de oxigênio. Em vez disso descobrimos áreas multifocais que normalmente são associadas a derrames e doenças neuroinflamatórias”, disse Avindra Nath, autor sênior do estudo e diretor no Instituto Nacional de Doenças Neurológicas e Derrames no NIH.
Outros estudos trouxeram evidências de que o vírus poderia invadir diretamente o cérebro e partes do corpo conectadas a ele, em particular o bulbo olfatório, que nos ajuda a sentir cheiros. A infecção nessas áreas poderia ser responsável por sintomas vistos na COVID-19, como a perda de olfato em alguns casos. Mas os novos resultados trazem evidências importantes de que a inflamação é um fator-chave em explicar como a COVID-19 pode danificar o corpo, incluindo o cérebro. Outras pesquisas descobriram que a COVID-19 pode aumentar o risco ou piorar as condições de saúde relacionadas a inflamações, como derrames e danos cardíacos.
“Embora seja possível que tenhamos perdido qualquer infecção do vírus no cérebro, acreditamos que isso seja improvável já que usamos múltiplas técnicas para detectar o vírus”, disse Nath ao Gizmodo por email. “Outros artigos encontraram muito poucas amostras do vírus no cérebro, então é improvável que sejam mecanismos responsáveis pela patologia”, completou.
Embora todos os pacientes do estudo tenham morrido, as descobertas podem ajudar a explicar por que alguns sobreviventes continuam a ter complicações depois que a infecção se vai. Normalmente, essas complicações parecem ser neurológicas e incluem dificuldade em focar, perda de memória e outros sintomas popularmente conhecidos como “névoa cerebral”.
“Mesmo que os pacientes tenham morrido subitamente, eles não morreram de doenças cerebrais”, explicou Nath. A pessoas analisadas no estudo não são exceções, de acordo com o pesquisador, e portanto “as conclusões devem ser relevantes para os sobreviventes a longo prazo também”.