Ciência

De mãe para filho: entenda como a vacina que a gestante recebe chega ao organismo do bebê

Anticorpos produzidos pela gestante após a imunização passam para o feto por meio da placenta; depois do parto, o reforço imunológico continua com o aleitamento materno
Imagem: Freepik/Reprodução

Reportagem: Natasha Pinelli/Instituto Butantan

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A imunização é um cuidado essencial que deve fazer parte do pré-natal de toda gestante. Além de evitar problemas graves de saúde em um momento em que o organismo se encontra mais vulnerável, a mulher que mantém a carteira de vacinação em dia protege seu bebê de doenças importantes, uma vez que passa seus próprios anticorpos para o feto via placenta em um processo conhecido como “imunização passiva”. Após o nascimento, o aleitamento materno segue contribuindo para o reforço da imunidade da criança.

“Os recém-nascidos possuem um sistema imunológico imaturo, que está em formação e aprendendo a responder de forma adequada às ‘agressões’ presentes no ambiente exterior ao útero. Por isso, eles são mais suscetíveis às infecções provocadas por vírus e bactérias”, explica o pesquisador científico do Laboratório de Bioquímica do Butantan Ivo Lebrun. Ainda que os pequenos recebam diversas doses de vacina no início da vida, é só aos seis meses de idade que a imunidade começa a ganhar robustez.

De acordo com o Calendário de Vacinação preconizado pelo Ministério da Saúde, as grávidas devem receber um reforço da vacina dTpa – conhecida como tríplice bacteriana –, a fim de proteger os bebês contra o tétano neonatal, a difteria e a coqueluche. Caso não estejam com as doses em dia, elas precisam atualizar o esquema de imunização contra a hepatite B e dT, além de receber os imunizantes sazonais das campanhas contra a gripe e a Covid-19.

“As mulheres que pretendem engravidar em breve podem incluir no planejamento uma avaliação completa da caderneta vacinal. Assim, terão a oportunidade de atualizar ou completar o esquema daqueles imunizantes que não são recomendados durante a gestação, como a tríplice viral e a febre amarela”, orienta o consultor médico do Centro para Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS) e facilitador de operações do Centro de Desenvolvimento Científico do Butantan Antônio Jorge Martins.

Transferência de anticorpos pela placenta

Quando uma mulher grávida recebe uma vacina, seu sistema imunológico entra em ação para combater o “agente invasor” – ainda que o vírus ou bactéria expressado no imunizante não seja capaz de desencadear um quadro infeccioso. Em primeiro lugar, acontece a produção de anticorpos do tipo IgM, que têm ação inespecífica e promovem um primeiro ataque ao microrganismo. Cerca de uma semana depois, os índices de IgM diminuem e entram em ação as imunoglobulinas G (IgG), que carregam uma receita “específica” capaz de neutralizar o antígeno. Esse é o anticorpo que a mãe vai passar para o filho através da placenta.

O anexo embrionário desenvolvido durante a gestação é o ponto de encontro dos sistemas circulatórios materno e fetal – essa troca metabólica permite o desenvolvimento de funções que o feto ainda não é capaz de realizar de maneira independente dentro do útero. Como em uma espécie de “transfusão”, a placenta leva para o bebê – por meio do cordão umbilical – oxigênio, nutrientes e outras substâncias essenciais para o seu desenvolvimento; ao mesmo tempo, também elimina resíduos, como monóxido de carbono, ácido úrico e ureia, que são dispensados na corrente sanguínea da mãe.

Mesmo possuindo um alto peso molecular, os anticorpos do tipo G (IgG) presentes no organismo da gestante são capazes de atravessar a barreira placentária e alcançar a circulação fetal. O transporte acontece por um processo chamado de transcitose: quando uma célula capta, movimenta e secreta uma determinada molécula. Estima-se que o transporte ativo de imunoglobulina G comece a partir da 13ª semana, se estendendo por toda a gestação. Após os seis meses de vida, a criança já começa a produzir o seu próprio IgG.

Imunidade pelo aleitamento materno

Uma hipótese é que os anticorpos IgG produzidos pela imunização da mãe também possam ser mobilizados para o leite materno, garantindo assim um reforço imunológico para o bebê mesmo após o parto. “Como a vascularização na região das glândulas mamárias é grande, uma das possibilidades é que o anticorpo seja captado da circulação sanguínea materna em um processo parecido com o que acontece na placenta. Assim, quando a criança mama, recebe também os anticorpos”, sugere Ivo Lebrun.

A partir de então, a alternativa é que essas moléculas passadas de mãe para filho através do leite seguem para o trato gastrointestinal. “Como no início da vida a digestão no intestino não é tão ácida, a substância não seria degradada, mas sim absorvida, caindo na corrente sanguínea do bebê”, completa o pesquisador do Laboratório de Bioquímica do Butantan.

Durante a pandemia de Covid-19, um estudo conduzido pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) indicou a presença de anticorpos capazes de neutralizar o SARS-CoV-2 no leite de colaboradoras lactantes imunizadas com a CoronaVac. As amostras indicaram uma alta concentração de anticorpos após as mulheres receberem a segunda dose do imunizante – os níveis se mantiveram altos mesmo após meses de amamentação.

O leite materno – principalmente o colostro, líquido denso e amarelado, produzido pelo organismo da mulher logo após o parto – também possui altas concentrações de anticorpos IgA, um tipo de imunoglobulina que protege as mucosas respiratórias e gastrointestinais da ação de microrganismos. “Quando ingeridas, essas moléculas criam uma espécie de barreira capaz de impedir que vírus e bactérias se fixem nos tecidos da região e atravessem a mucosa. É como se os tecidos estivessem revestidos por uma espécie de ‘verniz’ que faz os agentes invasores ‘escorregarem’ até serem eliminados pelas fezes”, exemplifica Antônio Jorge.

Além da nutrição: leite materno estimula sistema imunológico, regula pressão arterial e contribui para o bem-estar dos bebês

Não à toa, o leite materno é considerado a primeira “vacina” do bebê. Produzido “sob medida” pelo organismo da mãe, o alimento fortalece o sistema imunológico, diminui os riscos de obesidade, diabetes, diarreia e de infecções respiratórias. Pensando justamente em reforçar a importância do aleitamento exclusivo até os seis meses de vida, desde 1992 o mês de agosto marca a realização de diversas ações em prol do tema. No Brasil, a iniciativa, apoiada pelo Ministério da Saúde, ganhou o nome de Agosto Dourado em alusão ao padrão ouro de qualidade do alimento.

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