De Porto Alegre à serra gaúcha em 20 minutos: o hyperloop é viável no Brasil?

Empresa americana analisou viabilidade da implementação de trem ultrarrápido no Brasil. Tecnologia, no entanto, ainda se precisa provar em testes de larga escala.

Caxias do Sul, cidade do interior gaúcho, está a 135 quilômetros de distância da capital, Porto Alegre — uma viagem que de, de carro, demora cerca de duas horas. No futuro, porém, viajantes poderão cumprir o trajeto em menos de 20 minutos. Bem, pelo menos é isso que espera uma fabricante estadunidense do setor de trens elétricos.

A chave para esse salto estaria no Hyperloop, tipo de trem ultrarrápido que alcança uma velocidade máxima de 835 quilômetros por hora. Um estudo feito pela empresa que assina o projeto, a HyperloopTT, em parceria com a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e o governo do Rio Grande do Sul foi divulgado na última semana. Ele analisou a viabilidade desse tipo de locomoção ultrarrápida no estado — o primeiro levantamento feito com veículos do tipo na América Latina.

O Hyperloop foi pensado para transportar pessoas e mercadorias de forma rápida e segura. A ideia é digna de ter saído de um episódio dos Jetsons: o transporte acontece por cápsulas que viajam dentro de um tubo de baixa pressão atmosférica. Reduzir a pressão elimina a resistência do ar dentro do tubo — o que facilita o deslocamento. Quando o ar é reintroduzido atrás da cápsula, ele impulsiona o trem pelo cano. Com ajuda de um sistema magnético, as cápsulas flutuam e alcançam velocidades altíssimas, próximas à do som.

O conceito que inspirou o veículo existe desde 2013, e costuma ser atribuído a Elon Musk, CEO de SpaceX e Tesla — que tem uma companhia dedicada à ideia, a Boring Company. Em 2020, a Virgin Hyperloop se tornou o primeiro nome do mercado a fazer testes com o veículo. No entanto, a HyperloopTT é, hoje, a única empresa a possuir testes em larga escala da tecnologia hyperloop no mundo — mais precisamente, na cidade de Toulouse, na França. Além do Brasil, há conversas adiantadas para desenvolvimento de projetos nos Emirados Árabes, Estados Unidos e Alemanha.

Apertando os cintos

No Rio Grande do Sul, o meio de transporte faria apenas quatro paradas. Saindo de Porto Alegre, passaria por Novo Hamburgo, Gramado e Caxias do Sul.

O modal seria alimentado por energia renovável — mais precisamente, painéis solares. Eles obtêm energia pela conversão direta da luz do Sol em eletricidade.

O trem, assim, iria sendo “carregado” pelo Sol ao longo da viagem. A ideia é instalar placas solares em 80% do percurso entre Porto Alegre e a Serra Gaúcha, já considerando trechos cujos problemas técnicos e geográficos possam impedir a instalação dos equipamentos. Com potencial de produção anual de energia de 339 GWh e consumo de 73 GWh, o sistema poderia produzir quase quatro vezes mais energia do que gasta — podendo, inclusive, vender o excedente sem perder sua autossuficiência.

O projeto planeja se adaptar à topografia do território gaúcho, evitando ao máximo obras complexas como viadutos e túneis. Assim, o impacto gerado pelos gases do efeito estufa e outros poluentes, decorrentes das obras, seria menor. O estudo estima que, fazendo isso, impede-se que cerca de 95 mil toneladas de CO2 atinjam a atmosfera.

Viabilidade financeira

O estudo chefiado pela HyperloopTT conclui que esse novo conceito de mobilidade urbana é viável, e teria custo total na casa dos US$ 7,7 bilhões — ou R$ 40,6 bilhões. O valor já considera eventuais adaptações na geografia da região e os custos de operação e impostos dos próximos 30 anos.

Caso saia do papel, o projeto não deve receber subsídios governamentais. A expectativa é que as empresas que apostem no hyperloop tenham um retorno total do investimento e passem a lucrar após 14 anos de operação. Os primeiros ganhos, no entanto, chegam já ao fim de 5 anos — tempo de total implementação considerado pelo estudo. O retorno financeiro viria, basicamente, da receita do fluxo de passageiros (52%) e da realização de empreendimentos (35%).

Assine a newsletter do Giz Brasil

Ainda segundo o estudo, a implantação do hyperloop traria, durante o período de obras, cerca de 50 mil empregos diretos no setor da construção — e mais de 2 mil vagas no setor de energia solar por ano, durante 30 anos. O estudo conclui que os ganhos serão 31% superiores aos custos do projeto.

Além de movimentar o turismo na região, outro setor com grande potencial de crescimento na região é o setor imobiliário, já que os terrenos em torno das estações estarão supervalorizados. De acordo com o levantamento, essa valorização chegará a R$ 27,4 bilhões seis anos após a estreia do novo veículo.

Por que a ideia não é consenso

Apesar dos potenciais benefícios que pode trazer à região — e do quanto poderia facilitar viagens por pequenas e médias distâncias — a implementação da tecnologia do hyperloop ainda precisa de mais investimentos e pesquisas para se provar de fato viável. Afinal, até hoje, os testes bem sucedidos ainda foram feitos em escala reduzida.

Antes de tornar o veículo um meio de transporte usado na vida real, ainda será preciso contornar certos problemas. O vácuo do hyperloop, por exemplo, ainda não é perfeito. Construir um tubo contínuo, por quilômetros a fio, garantindo a menor perda possível para o ambiente, assim, se mostra um desafio.

É verdade que o estudo feito pela HyperloopTT diz considerar a topografia da região sul e pretende modificar o relevo o menos possível. Mas que problemas as diferenças de altitude, por exemplo, podem representar ao sistema?

Qual o tamanho da logística envolvida no reparo caso ocorra alguma dificuldade técnica? Quais são os riscos que eventuais panes poderiam trazer aos passageiros que viajam a velocidades tão altas? Tudo isso ainda precisa ser testado em situações reais.

Um estudo publicado na revista IEEE Explore em fevereiro de 2021, aponta outros percalços que o mercado da tecnologia hyperloop precisa solucionar. “Entre principais desafios técnicos estão a despressurização do tubo, a resistência do ar da cápsula e os fluxos obstruídos que ocorrem ao redor da cápsula”, diz o artigo. “Há também a necessidade de soluções eficazes de levitação e propulsão compatíveis com as velocidades propostas”.

Outro ponto, no caso do Brasil, envolve o quesito investimento. Ainda que a ideia pareça promissora e análises sugiram que ela possa se bancar no médio prazo, um aporte financeiro tão grande, na casa dos R$ 7 bilhões, sempre pode ser considerado “de risco”. Sobretudo se tratando de uma tecnologia tão inovadora — pouco explorada no mundo e inédita no Brasil. Quem teria bala na agulha suficiente para embarcar nessa? O hyperloop vai sair do papel e realmente estrear no sul do Brasil? O tempo dirá.

fique por dentro
das novidades giz Inscreva-se agora para receber em primeira mão todas as notícias sobre tecnologia, ciência e cultura, reviews e comparativos exclusivos de produtos, além de descontos imperdíveis em ofertas exclusivas