Degradação causada por ação humana afeta 38% da Amazônia, diz estudo
Texto: Luciana Constantino, da Agência FAPESP
Além do aumento das taxas de desmatamento registrado na Amazônia desde 2018, a maior e mais biodiversa floresta tropical do mundo enfrenta outros processos de degradação provocados por humanos que ameaçam seu futuro.
Estudo publicado na edição de sexta-feira (27/01) da Science mostra que aproximadamente 38% da atual área da Amazônia sofre com algum tipo de degradação causada por quatro fatores. São eles: fogo, extração seletiva de madeira (em sua maioria ilegal), efeitos de borda (que são mudanças em regiões de floresta ao lado de zonas desmatadas) e secas extremas, cada vez mais frequentes em decorrência das mudanças climáticas.
Juntamente com outra revisão analítica, o artigo The drivers and impacts of Amazon forest degradation compõe o tema de destaque da capa desta edição da revista científica com o título Amazônia perdida – Degradação e destruição florestal (em tradução livre).
Segundo a pesquisa, as emissões de carbono resultantes dessa perda gradual de vegetação – entre 50 milhões de toneladas e 200 milhões de toneladas ao ano (0,05 a 0,2 petagrama de carbono, PgC) – são equivalentes ou até mesmo maiores do que as registradas por desmatamento – entre 60 milhões de toneladas e 210 milhões de toneladas/ano (0,06 a 0,21 PgC/ano).
Os cientistas definem como degradação as mudanças transitórias ou de longo prazo nas condições da floresta causadas por humanos, gerando perda gradual da vegetação. Essas áreas não têm as mesmas estruturas, resiliência e funções de uma floresta intacta. Já o desmatamento envolve alteração na cobertura do solo, com a troca da vegetação nativa por pastagem, por exemplo.
O trabalho também indica que a degradação florestal pode reduzir a evapotranspiração em até 34%, causando danos à biodiversidade e provocando impactos socioeconômicos para as comunidades locais, principalmente as tradicionais, como indígenas e ribeirinhos. A evapotranspiração é o processo que devolve água à atmosfera por meio da evaporação do líquido que está no solo mais a transpiração das plantas.
“Temos uma vasta literatura sobre o funcionamento, causas e impactos do desmatamento, mas não relacionada à degradação, por isso nosso foco foi entender esse processo. E uma das conclusões do estudo foi que a degradação é, ao menos parcialmente, um processo independente do desmatamento”, explica à Agência FAPESP o ecólogo David Montenegro Lapola, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Um dos líderes do estudo ao lado de Patrícia Pinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Lapola recebe apoio da FAPESP por meio de dois projetos (15/02537-7 e 20/08940-6). Ambos assinam o artigo com outros 33 cientistas de instituições nacionais e internacionais, entre elas o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e universidades americanas e europeias.
Os pesquisadores trabalharam com uma revisão analítica de dados científicos baseados em imagens de satélite e de informações colhidas em campo, já publicados anteriormente sobre mudanças na região amazônica, entre 2001 e 2018. O trabalho foi desenvolvido por meio do projeto Analysis, Integration and Modelling of the Earth System (Aimes), ligado à iniciativa internacional Future Earth, que reúne cientistas e pesquisadores voltados ao estudo da sustentabilidade.
De acordo com os resultados, 5,5% da Amazônia (que corresponde a 0,36 km2 x 106 km2) está sob alguma forma de degradação se analisados os dados existentes de extensão do fogo, efeitos de borda e extração de madeira entre 2001 e 2018. Adicionando os dados de secas extremas, a estimativa da área total degradada chega aos 38% (2,5 x 106 km2). Diferentes regiões da floresta podem ser atingidas por um ou mais fatores.
Pelos dados do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), do Inpe, a Amazônia perdeu 11.568 km² em área desmatada entre 1º de agosto de 2021 e 31 de julho do ano passado. É o segundo maior valor desde 2008 e o equivalente ao território da Jamaica. No período anterior – agosto de 2020 a julho de 2021 –, o desmate já havia atingido 13.038 km². Pará, Amazonas, Mato Grosso e Rondônia concentraram quase 90% do total.
Futuro
O grupo de cientistas do qual Lapola faz parte trabalhou com projeções para 2050 e apontou que os quatro fatores de degradação, aliados às mudanças climáticas, continuarão entre as principais causas de emissão de carbono, independentemente do crescimento ou cessão do desmatamento da floresta.
Por isso, sugerem que os esforços para conter o desmatamento devem ser aliados a políticas de combate à degradação. Propõem, por exemplo, a criação de um sistema de monitoramento integrado, com a ajuda de diferentes tipos de tecnologias e de sensores para coletar dados, além de prevenção e combate ao corte ilegal de madeira e do controle do uso do fogo.
Outro ponto destacado pelo grupo é o refinamento da estrutura de projetos de REDD+ – incentivo desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal.
“Coibir o uso do fogo, a exploração ilegal de madeira e mesmo o efeito de borda que é diretamente relacionado ao desmatamento são processos que o Brasil e os outros países amazônicos podem e devem tratar. É nossa responsabilidade. Entretanto, ao falar da degradação causada por secas extremas ligadas às mudanças climáticas globais, isso é uma responsabilidade para o mundo todo, em que todos os países têm de atuar para reduzir suas emissões. Do contrário, a floresta sofrerá degradação do mesmo jeito”, completa Lapola.
O artigo é assinado ainda pelos pesquisadores Liana Anderson, do Cemaden, Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática (DIOTG), do Inpe, e Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que recebem apoio da FAPESP (projetos 20/08916-8, 16/02018-2, 20/16457-3 e 20/15230-5).
Destaque
Liderada por James Albert, do Departamento de Biologia da University of Louisiana at Lafayette, a outra revisão analítica em destaque na capa da Science tem a participação de brasileiros, como o pesquisador Carlos Nobre e a botânica Lúcia Garcez Lohmann, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP).
O grupo revisou os impulsionadores da mudança na Amazônia e mostrou que as alterações provocadas pelos humanos estão ocorrendo muito mais rapidamente do que as transformações ambientais naturais do passado. Lohmann também recebe apoio da FAPESP (12/50260-6 e 18/23899-2).
O artigo The drivers and impacts of Amazon forest degradation pode ser lido em: www.science.org/doi/10.1126/science.abp8622.