Dinheiro das farmacêuticas influencia o que médicos prescrevem aos pacientes, diz estudo
Uma nova reportagem da ProPublica confirma o que muita gente já suspeitou sobre a influência de grandes empresas farmacêuticas na área da saúde: médicos que recebem dinheiro de uma farmacêutica relacionada a um medicamento têm maior probabilidade de prescrever o mesmo remédio frequentemente caro para seus pacientes.
Não é segredo que as empresas farmacêuticas gastam muito dinheiro com médicos e cientistas — mais de um bilhão de dólares anualmente. Esse dinheiro pode variar desde oferecer canetas e jantares gratuitos aos médicos, até pagar para dar palestras em conferências e eventos patrocinados. E há evidências constantes de que esses pagamentos podem influenciar sutilmente o comportamento dos médicos, tanto em suas interações com os pacientes quanto nas pesquisas que realizam.
Uma outra reportagem de 2016 da ProPublica, por exemplo, descobriu que quanto mais médicos eram pagos pelo setor, mais eles prescreviam medicamentos da marca em geral. Outra pesquisa descobriu que esse aumento na prescrição da marca acontece mesmo quando os médicos recebem uma “refeição grátis” de menos de US$ 20. Mas, de acordo com a autora deste último relatório, Hannah Fresques, o que está faltando é uma análise mais abrangente da prática em um nível individual de medicamento.
“Examinamos especificamente quais medicamentos foram promovidos em cada interação que nossos registros forneceram evidências”, disse Fresques ao Gizmodo em uma entrevista por telefone.
Fresques e outros usaram dados do programa Open Payments, um projeto iniciado em 2014 para rastrear pagamentos do setor feitos a médicos e hospitais de ensino por empresas que vendem medicamentos e produtos médicos cobertos por planos de seguro fornecidos pelo governo dos EUA, como o Medicare. Em seguida, eles fizeram referência cruzada dessas informações com dados de prescrição de médicos que haviam faturado por meio do programa de prescrição de medicamentos do Medicare em 2016.
Em 50 dos medicamentos de marca mais prescritos naquele ano, eles encontraram o mesmo padrão. Por exemplo, quando os médicos obtiveram pagamentos relacionados a um medicamento usado para tratar síndrome do intestino irritável chamado Linzess das fabricantes Allergan e Ironwood, eles tiveram 45% mais chances de prescrever o medicamento em média do que os médicos não financiados. O mesmo relacionamento ocorreu em 46 dos 50 medicamentos, com taxas de prescrição em média 58% mais altas para os médicos financiados pelo setor. E 38 dos 50 medicamentos custam mais de US$ 1.000 por ano por paciente.
Outros medicamentos populares incluíam o opioide Oxycotin, o medicamento para colesterol alto Crestor e o medicamento para coagulação sanguínea Xarelto.
As empresas, lobistas e médicos financiados que foram entrevistados por Fresques estavam na defensiva sobre os resultados.
“Sou mais educado em relação ao medicamento, pois tenho que ser treinado para falar sobre ele, por isso estou mais confortável em prescrevê-lo”, disse Huey Nguyen, gastroenterologista de Indiana, que recebeu mais de US$ 7.000 entre 2013 e 2018 como um palestrante promocional do Linzess, à ProPublica. E, embora negasse que o relacionamento financeiro que ele mantinha com a Allergan e outras empresas influenciou seu atendimento aos pacientes, ele acrescentou que era “perfeitamente razoável que as pessoas questionassem meus motivos”.
“Mesmo que os próprios médicos digam que isso não está afetando seu julgamento, há pesquisas mostrando que é possível. A outra preocupação é que corroa a confiança entre pacientes e médicos”, disse Fresques. “Acho que muitos pacientes não sabem que esse tipo de atividade ocorre e são informações valiosas”.
A reportagem não tinha como objetivo descobrir se esses pagamentos tiveram algum efeito negativo específico sobre a saúde dos pacientes. Fresques obseva, no entanto, que o Medicare Part D poderia ter economizado quase US$ 3 bilhões em 2016 se tivesse pago apenas pelas versões genéricas disponíveis dos medicamentos de marca. E, de acordo com Nicholas Evans, bioeticista da Universidade de Massachusetts Lowell, é claro que a prática tem um efeito pernicioso na medicina como um todo.
“Não sabemos, com certeza, em todos os casos, se isso está relacionado a piores resultados de assistência médica e de saúde. O que podemos dizer é que esse é um componente da injustiça maior que é a assistência médica dos EUA”, disse Evans ao Gizmodo por e-mail. “Se é verdade que é assim que os médicos recebem informações sobre os novos medicamentos e orientações sobre prescrição, isso é horrível, porque o que estamos dizendo é que o mercado para novos conhecimentos médicos é exatamente isso: aquele em que o conhecimento sobre medicamentos é governado por quem pode pagar para promover o seu produto. Não é possível executar um sistema de saúde. É uma maneira de ganhar dinheiro, nada mais do que isso”.
Além disso, disse ele, a reportagem deve servir como um lembrete de que convencer os médicos a jantares gratuitos é apenas um exemplo de como a indústria farmacêutica lucra às custas dos pacientes. E nada isso vai pará-los de agir desta forma.
“Os tipos de reformas sobre os quais estamos falando agora — os vários planos agrupados do Medicare For All — tirariam algumas das empresas farmacêuticas poderosas para ditar prescrições por meio de materiais promocionais”, disse ele. “Isso, na minha opinião, é uma coisa boa, porque a medicina deve ser governada por evidências, não por marketing. Mas as empresas farmacêuticas e seus grupos de lobby da indústria se oporão a isso, porque isso vai contra seus resultados, limitando as maneiras pelas quais elas podem afetar o comportamento de quem prescreve medicamentos”.